Na década de 1990, no Rio de Janeiro, existia uma ONG chamada “A Gente não Quer só Remédio”. Inspirado na música dos Titãs, o grupo gritava por atenção plena: “música, trabalho, comida, desejo, necessidade, vontade”. Sintonizada com o conceito de saúde integral, e precursora por chamar a atenção desta necessidade que seria crescente nos anos seguintes, a Organização foi profética ao ver que não bastava apenas o fornecimento de medicamentos para se atingir a qualidade de vida. Passados 30 anos, nem este básico se tornou uma certeza, visto as recentes ameaças de cortes orçamentários e a rotulação de “despesa” as pessoas vivendo com HIV/aids.
Com o advento da Covid-19, a busca de saúde mental ganhou atenção e se somou de forma indispensável a qualquer ação de saúde pública. Os números mostram o crescimento de suicídios, mutilações, crises de depressão, ansiedade e outros males psíquicos e indica também crescimento no uso abusivo de álcool e outras drogas. Nesta realidade se soma o agravamento da pobreza em nosso país, o que gera uma equação cuja resposta depende de ações interrelacionadas, olhando o ser humano não apenas como um portador de patologia, mas buscando entender seu contexto e seu entendimento sobre saúde e doença.
A Saúde Mental será um imenso desafio para os próximos anos. O efeito causado pela pandemia do coronavírus e sua fase posterior de arrefecimento, já revelou um pouco desta problemática. O crescimento do ódio propagado nas redes sociais virtuais, por conta dos resultados eleitorais, colocou fermento neste cenário, principalmente com as divisões familiares e de amizade revelando a fragilidade de laços de afeto. O Brasil doente precisa de cuidados e estes vão além da distribuição de ansiolíticos e da ação questionável de coachs da felicidade. É necessário pensar conjuntamente a busca de alternativas que fujam de modelos moralistas e possam incentivar o protagonismo e a construção de novas realidades.
Neste bojo é urgente discutir uma política de drogas que vá além do modelo de guerra e que não caia na simplificação pseudorreligiosa, cujos métodos e resultados são plenamente questionáveis. É imperioso agregar o componente de saúde mental entre as ações transversais voltadas para HIV/aids, tuberculose, hepatites virais, hanseníase e outras, considerando o conjunto de sofrimentos os quais estas populações já estão expostas. É premente que se forje uma política de Direitos Humanos baseada no respeito as diversidades e no protagonismo destas populações na definição de políticas públicas, sobretudo com linguagem sintonizada, acessível e compreensível longe dos jargões médicocientíficos que distanciam os pacientes da compreensão de sua própria realidade. E, principalmente, isto tudo somente será possível com um SUS forte e com olhar para estas questões, cuidando e valorizando seus usuários e usuárias.
Como diz a letra dos Titãs, no distante em 1987, mas muito válida nos dias de hoje: “A gente quer inteiro e não pela metade.”
* Liandro Lindner é jornalista, professor universitário, mestre e doutor em Ciências, psicanalista em formação.