O Dia Mundial de Luta Contra a Aids é também um dia de reflexão. Não consigo começar este artigo sem retomar o retrocesso da luta contra a aids no Brasil. O Departamento de Aids foi extinto e se tornou uma mera banca de compra de remédios e insumos, alguns deles de baixíssima qualidade, vide os preservativos femininos. A CAMS e a CNAIDS foram extintas, o Departamento – antes respeitado mundialmente por suas inovações nas politicas públicas e parcerias com a sociedade civil – hoje é um puxadinho da Secretaria de Vigilância e Saúde, que por sua vez é outro puxadinho do Ministério da Saúde.
O que eles querem é o distanciamento do movimento social. O Ministro Mandetta, que assumiu em janeiro, se mantém inerte e invisível a política de aids. Politica essa que sempre ajudamos a construir e que nos custou tantas vidas.
Estamos bastante preocupados com a possibilidade de desabastecimento de antirretrovirais, é comum ouvir relatos de baixo estoque. As campanhas de massa não dialogam com a população, a última, com base no medo, só trouxe prejuízo para a luta contra a aids.
Vale ressaltar que o extinto Departamento tem ótimos profissionais, mas hoje os vejo como um bando de coelhos assustados, com medo de perderem seus empregos.
Neste ano, os índices epidemiológicos certamente serão mascarados, não consigo acreditar que conseguimos diminuir as novas infecções, quando a política pública deixa a desejar, espero pelo menos 70 mil novos casos, sem contar à sífilis que está descontrolada.
Os estados e municípios, com exceção de São Paulo, não falam mais sobre prevenção, até parece que o HIV tem cura. Os gestores pensam que o tratamento do HIV se restringe a medicação, se esquecem de que precisamos de exames complementares, entre outros.
As pessoas vivendo com HIV/aids são as que mais sofrem com essa politica arbitrária, muitas inclusive perderam suas aposentadorias.
Mesmo não recebendo benefício do INSS, fiquei pensando nas famílias que seriam destruídas pela perda de seus benefícios, quase um genocídio.
Mas com muita vontade de mudar essa realidade, escrevi um Projeto de Lei, solicitei uma audiência com o senador Paulo Paim e uma semana depois estava em Brasília apresentando o projeto. O senador abraçou a causa e juntos conseguimos vencer. A luta não foi fácil, foram dois anos de muito trabalho, cansaço e perturbação. Estivemos inúmeras vezes no Congresso Nacional para conversar e convencer os parlamentares sobre a importância da aposentadoria. Fiquei 17 dias internado devido ao estresse, má alimentação e tabagismo – passei a fumar compulsivamente.
O PLS 188/2017 passou pelo Senado por unanimidade. Seguimos para Câmara. Passamos para Comissão de Seguridade Social, a relatora foi a então deputada Cristiane Brasil, e tivemos um voto contrário. Fomos para a Comissão de Constituição e Justiça, o relator foi o Deputado Pompeu de Matos. A deputada Maria do Rosário fez uma defesa surpreendente e foi aprovada por unanimidade. Seguiu para a sanção presidencial.
Eu tinha certeza que o projeto seria vetado. A confirmação do veto desanimou boa parte das pessoas que aguardavam para retomar a aposentadoria. Mas não desisti, com a ajuda de várias pessoas conseguimos reverter à decisão presidencial, salvando a vida de centenas de pessoas que puderam recuperar a aposentadoria. Ou seja, o trabalho de advocacy ainda é muito importante.
Vejo hoje o ativismo muito diferente do que vivemos na década de 80. Temos que estar mais ligado a politica, converso com todos. Na ação da aposentadoria consegui algo inédito: o apoio da bancada evangélica. A pauta aids deveria ser assunto de todos.
Hoje, considero a lei 13.847, de junho de 2019, também conhecida como lei Renato da Matta, a mais importante dos últimos tempos para as pessoas vivendo com HIV.
A lei recebeu meu nome, segundo o senador Paulo Paim, em reconhecimento ao esforço e trabalho que tive: sensibilizei o Congresso e consegui unir os usuários em torno desta causa, que passaram de pessoas desinformadas a empoderadas e aptas a lutarem pelos seus direitos.
O ativismo é medido por atitudes. Gestores e políticos vão e vem e a nossa batalha continua sendo diária, na base.
O trabalho não para, hoje me divido entre o meu trabalho oficial, a minha família e a militância. Em janeiro, eu e minha esposa Renata seremos presenteados com o nascimento da minha filha Elisabeth, provando mais uma vez que a vida é mais forte que a aids. Infelizmente não consegui apoio do governo, nem do setor empresarial para poder tocar todas as ações em tempo integral, mas na medida do possível vamos fazendo as coisas com o que temos nas mãos.
* Renato da Matta é Presidente da (ANSDH) Articulação Nacional de Saúde e Direitos Humanos.
LEI Nº 13.847, DE 19 DE JUNHO DE 2019
Altera a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, para dispensar de reavaliação pericial a pessoa com HIV/aids aposentada por invalidez. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu promulgo, nos termos do parágrafo 5º do art. 66 da Constituição Federal, a seguinte Lei:
Art. 1º O art. 43 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar acrescido do seguinte § 5º:
“Art. 43. ………………………………………………………………………………………………..
…………………………………………………………………………………………………………………..
§ 5º A pessoa com HIV/aids é dispensada da avaliação referida no § 4º deste artigo.” (NR)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 19 de junho de 2019; 198º da Independência e 131º da República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da União – Seção 1 de 21/06/2019