O Brasil atingiu 1 das 3 metas globais propostas pelo Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids) para que a aids deixe de ser uma ameaça à saúde pública até 2030 e ainda patina na redução das várias desigualdades que marcam a epidemia.
Até o momento, 91% dos 990 mil brasileiros vivendo com HIV no país conhecem seu diagnóstico. Desses, 81% estão em tratamento e, entre eles, 95% estão com a carga viral suprimida. A meta do Unaids é de 95% para cada uma das situações. Em 2022, o país registrou 51 mil novos casos de HIV e 13 mil mortes.
Os dados constam em um novo relatório global sobre Aids divulgado pelo Unaids nesta quinta (13), em Genebra, Suíça.
Segundo Winnie Byanyima, diretora-executiva do Unaids, as respostas ao HIV têm sucesso quando estão baseadas em uma liderança política que segue as evidências, enfrenta as desigualdades, fortalece organizações da sociedade civil e garante financiamento suficiente e sustentável.
Países como Botsuana, Essuatíni, Ruanda, República Unida da Tanzânia e Zimbábue já alcançaram as metas de 95-95-95, e pelo menos outros 16 países (incluindo oito na África subsaariana) estão próximos de fazê-lo, de acordo com o documento.
No mundo, a aids ceifou uma vida por minuto em 2022. As novas infecções por HIV não estão diminuindo rápido o suficiente, e milhões de pessoas ainda são privadas de tratamento, incluindo 43% das crianças. Hoje, há 39 milhões de pessoas vivendo com HIV —cerca de 9,2 milhões ainda sem tratamento e 2,1 milhões em tratamento, mas sem carga viral suprimida.
“O caminho que põe fim à Aids requer colaboração entre o Sul e o Norte globais, governos e comunidades, ONU e estados-membros atuando conjuntamente. Exige uma liderança corajosa. O mapa apresentado neste relatório mostra como o sucesso é possível nesta década, mas apenas se avançarmos juntos e com sentido de urgência”, reforçou Winnie.
Testagem
De acordo com Ariadne Ribeiro, oficial de igualdades e direitos do Unaids no Brasil, para avançar no cumprimento da primeira meta, do diagnóstico, a testagem do HIV precisa estar na rotina dos serviços de saúde e da população. “Nove por cento as pessoas estão vivendo normalmente e, sem saber, transmitindo o vírus.”
Já no caso dos 19% que sabem do diagnóstico, mas que não estão em tratamento, ela defende que os serviços de saúde façam seguimento desses pacientes e criem estratégias de retenção. “Tem que ligar, perguntar por que não foi buscar a medicação. Tem que ter uma aproximação maior com as pessoas vivendo com HIV/aids.”
Os dados também mostram que o Brasil, pelo segundo ano consecutivo, registra uma estabilidade da epidemia. “É um indício de que alguma coisa não está bem, um certo número de infecções estão acontecendo, e pessoas estão sendo deixadas para trás.”
Prevalência
De acordo com o relatório, a maior prevalência das infecções no Brasil está entre as pessoas trans (30%), homens que fazem sexo com homens (18%) e trabalhadores do sexo (5,3%).
“No Brasil, a população trans tem sido usada politicamente para causar pânico na sociedade. A gente vê projetos de lei propondo criminalização do cuidado, da aceitação dos pais. Esses projetos causam uma barreira de acesso ainda mais forte do que todas as outras barreiras estruturais.”
O relatório também traz um posicionamento contrário às leis que criminalizam pessoas de populações-chave, ou seus comportamentos. Em 145 países, é crime o uso ou posse de pequenas quantidades de drogas. Cento e sessenta e oito países criminalizam algum aspecto do trabalho sexual, 67, a relação sexual consensual entre pessoas do mesmo sexo, e 20, entre pessoas transgênero.
Segundo Ariadne, algumas pesquisas já demonstraram que o estigma e a discriminação estão presentes em quase todas as áreas da vida dessas populações mais afetadas pelo HIV. Um trabalho de 2019 apontou, por exemplo, que 6% da pessoas trans foram discriminadas dentro dos próprios serviços de saúde no Brasil.
O Unaids considera que Brasil, por sua vez, está no caminho, com suas metas na casa de 88-83-95. Mas o país ainda enfrenta obstáculos, causados especialmente pelas desigualdades, que impedem que pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade tenham pleno acesso aos recursos de prevenção e tratamento do HIV que salvam vidas.
Ariadne disse que há estados, especialmente os da região Norte, que precisam não só de um trabalho mais profundo de estruturação dos serviços de saúde, mas também de trabalhar aspectos culturais que fazem com que as populações mais afetadas pelo HIV tenham dificuldades de acessar as políticas públicas de saúde, de educação, de trabalho.
“Sem essas garantias, fica muito mais difícil que essas pessoas consigam manter o tratamento com antirretrovirais, que é contínuo e exige uma alimentação regrada.”
Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)