Setembro Amarelo é um mês dedicado à conscientização sobre a saúde mental e à prevenção do suicídio, um tema cada vez mais discutido em todo o mundo. No entanto, para as pessoas que vivem com HIV/aids, os desafios emocionais podem ser ainda mais profundos. Além do peso do estigma e da discriminação, essas pessoas precisam lidar com a pressão social e as adversidades relacionadas ao diagnóstico, o que eleva significativamente o risco de ideação e tentativas de suicídio.

Um estudo publicado no BMJ Journals reforça essa realidade. A pesquisa revelou que o estigma social associado ao HIV pode agravar os desafios emocionais e mentais, intensificando o sofrimento das pessoas soropositivas. Segundo os dados, quem vive com HIV/aids tem 100 vezes mais chances de cometer suicídio do que a população geral. A análise, que envolveu mais de 185 mil pacientes ao redor do mundo, trouxe à tona números alarmantes. Enquanto a taxa global de suicídio na população geral é de 0,11 por mil pessoas, entre os soropositivos, esse número sobe para 10,2 por mil.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de um terço das pessoas com pensamentos suicidas tenta de fato tirar a própria vida. No entanto, entre aqueles que vivem com HIV/aids, a proporção é ainda mais alta: para cada dois com ideação suicida, uma tentativa ocorre. Além disso, a taxa de óbito por suicídio na população geral é de uma em 286 tentativas, enquanto entre os soropositivos, a proporção é de uma em 13.

Esses números refletem uma realidade difícil para muitos. Jean Carlos, tarólogo de 30 anos, compartilha sua história como um exemplo do impacto que o estigma e a discriminação têm na saúde mental de pessoas vivendo com HIV. Diagnosticado com o vírus em 2011, aos 17 anos, Jean enfrentou um longo caminho de desafios emocionais. Na época, ele ainda estava na escola, e além das questões comuns da adolescência, teve que lidar com o impacto devastador do diagnóstico.

Estigma e discriminação

Por anos, Jean manteve sua condição em segredo, enfrentando sozinho o peso do estigma e da discriminação. A dificuldade de compartilhar sua realidade o isolou ainda mais, fazendo com que buscasse apoio na espiritualidade de forma solitária. “Me apoiei na espiritualidade, mas busquei ajuda de uma forma totalmente individual e autônoma. Foi então que decidi compartilhar minha vivência com o HIV”, conta.

Jean revela que a falta de uma rede de apoio estruturada e acessível contribuiu para crises emocionais severas e um sentimento de isolamento. Ele também enfrentou problemas com alcoolismo, usando a bebida como uma válvula de escape para seus medos e angústias. Sua luta incluiu momentos de grave depressão e desafios para manter a adesão ao tratamento antirretroviral, agravados pela discriminação que o levou a se isolar.

“O estigma pode sufocar, como se a pessoa que vive com HIV não conseguisse ter clareza sobre o que sente, presa dentro de si mesma,” conta Jean. No entanto, ele enfatiza que existe uma saída: “Há luz no fim do túnel, é possível viver e viver bem.”

Psicoterapia e arteterapia

Foi através da psicoterapia e da arteterapia que Jean encontrou novas formas de se conectar com suas emoções e reconfigurar sua visão sobre o HIV. A arteterapia, em particular, teve um papel transformador: “Ela me ajudou a acessar e organizar minhas camadas emocionais mais profundas. Conectei-me com minha criança interior e realizei sonhos que estavam adormecidos. Hoje, vivo a vida que sempre quis viver.”

Jean usa a borboleta como símbolo de sua jornada de cura, transformação e renascimento. Ele destaca que a terapia, o autoconhecimento e a espiritualidade foram pilares fundamentais para sua recuperação. “Minha mensagem para quem enfrenta a depressão ou outro desafio de saúde mental é: procure ajuda e busque se conhecer. Isso é a raiz de tudo.”

Neste Setembro Amarelo, Jean Carlos também reforça a importância de combater o estigma e promover a saúde mental, especialmente para aqueles cujas lutas ainda estão à margem. “Quero trabalhar com pessoas que vivem essas experiências, ajudá-las a acessar suas emoções, mesmo que ainda não estejam prontas para falar sobre o que enfrentam. Cada processo é único.”

A história de Jean é um poderoso lembrete de que, apesar dos obstáculos, é possível encontrar forças para superar o estigma e viver plenamente. A conscientização sobre a saúde mental e o apoio contínuo são essenciais para que mais pessoas, como ele, possam ver a luz no fim do túnel e encontrar um caminho de cura e renovação.

A campanha do Setembro Amarelo reforça justamente essa mensagem: a importância de cuidar da saúde mental e de buscar apoio em momentos difíceis. Para quem vive com HIV/aids, esse apoio pode ser crucial para enfrentar o estigma, a discriminação e os desafios emocionais que surgem ao longo da jornada.

Se você ou alguém que conhece está passando por um momento de vulnerabilidade, lembre-se: pedir ajuda é um ato de coragem.

Como procurar ajuda para a saúde mental no Brasil

Se você ou alguém próximo precisa de apoio para lidar com questões de saúde mental, o Brasil oferece diversos serviços gratuitos através do Sistema Único de Saúde (SUS). Veja algumas opções de como buscar ajuda:

1. Consultar o Mapa da Saúde Mental  

O Mapa da Saúde Mental é um guia online do SUS que indica os serviços públicos de saúde mental disponíveis em cada localidade, facilitando o acesso a tratamentos e orientações.

2. Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)  

Os CAPS oferecem atendimento especializado para pessoas com transtornos mentais graves e persistentes. Procure um CAPS na sua cidade para receber apoio psicológico e psiquiátrico.

3. Centro de Valorização da Vida (CVV)  

O CVV é uma organização que oferece apoio emocional por meio do número 188, disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana. Se precisar conversar, entre em contato.

4. ONGs e Instituições de Saúde Mental  

Muitas ONGs e instituições oferecem suporte psicológico e psiquiátrico gratuito ou a preços acessíveis. Faça uma pesquisa local ou consulte referências.

5. Samu (192)

O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) também oferece atendimento de emergência psiquiátrica 24 horas por dia para casos graves que precisam de intervenção imediata.

Além disso, o SUS oferece outros serviços voltados à saúde mental, como:

– Unidades Básicas de Saúde (UBS):Primeira porta de entrada para atendimento e encaminhamento de casos.

– Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT): Residências destinadas a pessoas com transtornos mentais que perderam o vínculo familiar.

– Unidades de Acolhimento: Espaços temporários de acolhimento para pessoas em situação de vulnerabilidade.

– Equipes Multiprofissionais de Atenção Especializada em Saúde Mental: Grupos formados por profissionais de diversas áreas para atender casos complexos.

– Equipes de Consultório na Rua:Atendimento a pessoas em situação de rua.

Serviços Ambulatoriais Especializados: Atendimento ambulatorial para casos que não necessitam de internação.

Não hesite em buscar apoio. Cuidar da saúde mental é fundamental para o bem-estar e qualidade de vida.

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista

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