Mitos e verdades sobre a sífilis, doença milenar que preocupa o país | Metrópoles

O Brasil assumiu o compromisso de eliminar doenças influenciadas por fatores sociais como parte de sua agenda de saúde pública, com a meta de erradicá-las até 2030. Essas doenças, chamadas de determinadas socialmente, são impactadas por condições socioeconômicas, culturais e comportamentais, muitas vezes relacionadas à desigualdade social. Entre elas, destaca-se a sífilis, uma infecção sexualmente transmissível que afeta a humanidade há séculos. No Dia Nacional de Combate à Sífilis, comemorado no terceiro sábado de outubro, o infectologista e professor de medicina da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), Dr. Renato Grinbaum, esclarece aos leitores da Agência Aids sobre a sífilis, suas manifestações, complicações, formas de prevenção e as estratégias que considera essenciais para alcançar essa meta no Brasil.

O Dr. Renato Grinbaum explica que a sífilis é uma infecção sexualmente transmissível causada pela bactéria Treponema pallidum, que se desenvolve em três estágios principais, cada um com sintomas distintos. Se não for tratada corretamente, pode progredir para formas crônicas e complicações graves. “Na fase inicial, ocorre o chamado cancro, uma lesão indolor que aparece na área infectada. Esse cancro, por não causar dor ou coceira, pode dificultar o diagnóstico, especialmente em mulheres ou em casos de infecções anais, onde a lesão pode ser invisível”, esclarece Dr. Grinbaum.

Ele ressalta que, se a infecção não for identificada e tratada a tempo, ela evolui para a fase secundária, caracterizada por lesões espalhadas pelo corpo, geralmente acompanhadas de febre e outros sintomas inespecíficos, o que pode gerar confusão com outras doenças. “Essas lesões aparecem meses após a fase inicial, dificultando ainda mais a associação dos sintomas à sífilis, caso a pessoa não tenha buscado tratamento logo no início”, explica.

“A terceira fase, que se desenvolve alguns anos após a infecção inicial, é a mais grave. Neste estágio, a sífilis pode afetar órgãos internos, como o coração, cérebro e sistema nervoso central, causando danos sérios e até fatais”, alerta.

Quanto à prevenção, ele destaca que um dos aspectos mais alarmantes da doença é a possibilidade de transmissão vertical, ou seja, da mãe para o bebê durante a gestação. Segundo o especialista, a sífilis congênita pode resultar em malformações severas nos recém-nascidos, impactando órgãos como coração, pele e ossos. O infectologista enfatiza que o Brasil é reconhecido por seu programa de rastreamento eficiente para identificar casos de sífilis em gestantes. Durante o pré-natal, são realizados exames em várias etapas. “Mesmo que o exame gere apenas suspeitas, os médicos preferem tratar a sífilis por precaução, para evitar a transmissão ao feto, o que pode ter consequências graves”, destaca o médico.

Desafios na prevenção e aumento de novos casos no Brasil

Apesar de todos os esforços voltados para a detecção e tratamento, o especialista acredita que o maior desafio atual ainda reside na prevenção da sífilis. Segundo ele, o Brasil está enfrentando uma mudança preocupante nos comportamentos sexuais. O preservativo, segundo Grinbaum, não deve ser negligenciado, pois é a principal forma de proteção contra a sífilis. “Há um certo relaxamento em relação às medidas preventivas”, alerta.

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Grinbaum também enfatiza a necessidade de expandir as campanhas sobre infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), que continuam sendo um problema relevante. “Percebo uma falsa sensação de segurança em relação às ISTs. No caso do HIV, por exemplo, inclusive antes da chegada da PrEP, as pessoas começaram a acreditar que era possível conviver com essas infecções, o que diminuiu o medo e, consequentemente, a adoção de práticas seguras”, observa.

“É preciso deixar claro que não cabe ao médico ou ao governo julgar moralmente as escolhas pessoais de cada um, porém também temos que garantir que as pessoas possam viver suas vidas de forma saudável, sem o risco de contrair ou transmitir essas doenças. Não há vacina para sífilis, então isso significa que a prevenção precisa ser feita também por meio de medidas comportamentais”, acrescenta.

Em casos mais específicos, quando há exposição acidental ou em situações de violência sexual, o uso de antibióticos profiláticos pode ser uma opção para evitar a infecção, mas Grinbaum adverte que o perigo de essa prática ser adotada rotineiramente. “Os antibióticos podem ser usados preventivamente em exposições pontuais, mas não de forma regular, devido aos efeitos colaterais do uso crônico de antibióticos”.

Além disso, descarta a ideia de que a pandemia de covid-19 tenha provocado mudanças muito significativas no panorama da sífilis. Os dados indicam que o aumento de casos já ocorria. ‘‘O aumento no número de casos de sífilis já vinha acontecendo há cerca de dez anos, atingindo seu pico entre 2016 e 2017. Desde então, os casos continuam a crescer, embora em uma velocidade menor”.

De acordo com os mais recentes dados do Boletim Epidemiológico de Sífilis emitido pelo Ministério da Saúde (MS), em 2023, houve uma diminuição de 1.511 casos de sífilis congênita em bebês com menos de um ano em comparação ao ano anterior. Isso representa que 71% dos casos foram evitados graças ao diagnóstico precoce em gestantes. Nos anos de 2021 e 2022, os percentuais de prevenção foram de 64% e 69%, respectivamente. Esses dados foram extraídos de notificações registradas até 30 de junho deste ano.

Segundo o mesmo levantamento, em 2023 foram registrados no Brasil 242.826 casos de sífilis adquirida, enquanto 86.111 casos de sífilis em gestantes, 25.002 casos de sífilis congênita e 196 mortes causadas pela doença.

Ainda no mesmo período, mais de 14 milhões de testes rápidos foram distribuídos em todo o país. O Ministério informa que até agosto deste ano, foram distribuídos 5.689.240 testes rápidos e 1.955.100 testes DUO HIV/Sífilis, totalizando 7.644.340 testes.

Entre 2022 e 2023, 48 municípios e dois estados foram reconhecidos com certificações relacionadas à eliminação da sífilis ou com selos de boas práticas (ouro, prata ou bronze).

O grande desafio para o Ministério da Saúde, no olhar do especialista, é garantir que as pessoas compreendam a gravidade da sífilis e que o país consiga intensificar campanhas de prevenção e conscientização. “Precisamos trabalhar para que as pessoas entendam que o uso de preservativos não deve ser negligenciado. A sífilis, assim como outras ISTs, pode causar danos sérios à saúde se não for tratada precocemente, e a prevenção continua sendo a forma mais eficaz de combatê-la.”

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

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