Ana Estela Haddad, Secretária de Informação e Saúde Digital SEIDIGI .

Em entrevista ao GLOBO, em São Paulo, Ana Estela Haddad, secretária de Informação e Saúde Digital, cargo vinculado ao Ministério da Saúde, detalha o impacto da transformação digital do Sistema Único de Saúde (SUS) conduzido em sua gestão.

Casada com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Ana Estela fala também da sua vida familiar e as mudanças sofridas depois que assumiu a função no governo.

A senhora anunciou na semana passada que todos os municípios aderiram ao sistema digital do SUS. O que isso significa na prática?

Significa que 5570 municípios e 26 estados mais o Distrito Federal concordaram em entrar no sistema digital. Essa foi uma etapa importante, que faz parte de um amplo programa lançado no início deste ano. O principal objetivo é promover a transformação digital do SUS de forma global. É a primeira vez na história do país que o Ministério da Saúde passa recursos para essa área, um total de 464 milhões de reais. Outro passo vital foi fazer o diagnóstico das instituições, saber com detalhes quem tem atenção primária, hospitalar, o tipo de cobertura de saúde, a especialidade médica com mais tempo de espera. Foi um mergulho em cada município. Agora é a hora de cada região entregar seu plano de ação em relação à tecnologia. Há lugares que precisam melhorar a conectividade, outros de equipamentos, alguns não têm prontuário eletrônico, outros têm tudo isso e precisam implantar inteligência artificial.

Houve algum tipo de resistência dos médicos em incorporar a tecnologia no dia a dia, como a possibilidade das consultas virtuais?

O país começou a investir em tecnologia no sistema público em 2006, com a telessaúde. Muitos profissionais de saúde não gostaram ou estranharam nessa época. E olha que aquele tempo o recurso era usado sobretudo para uma segunda opinião médica ou suporte. A pandemia escancarou o uso da consulta virtual. Só 3 municípios resistiram à adesão ao SUS digital, mas mudaram de ideia quando viram que todos os outros concordaram em mudar.

Quais são os principais obstáculos na implantação da tecnologia em um programa de saúde gigante e diverso como é o SUS?

O tamanho do SUS por si só é um desafio enorme. E ele cresceu de maneira fragmentada ao longo dos 30 anos de vida. A integração tecnológica não é estabelecida de uma hora para outra, portanto. A Rede Nacional de Dados em Saúde (plataforma que integra dados de saúde no Brasil criada durante a pandemia), para você ter uma ideia, hoje tem 2, 3 bilhões de dados. Do começo do ano passado para cá cresceu 25 vezes em número de dados. Dados que vêm de prontuários eletrônicos, dos conselhos nacionais das secretarias municipais e estaduais de saúde etc. As secretarias, inclusive, sempre se queixaram que mandavam os dados de seus municípios ou estados e não os tinham de volta, não podiam trabalhar com eles para criar políticas públicas. No próximo dia 28 a ministra Nísia Trindade vai anunciar que a partir de agora teremos essa comunicação.

Para a população, o que vai mudar?

O grande objetivo é a pessoa ter todas as informações sobre sua saúde na palma da mão. Poderá saber em detalhes os exames que fez, os medicamentos que foram prescritos ao longo da vida e marcar consultas online, para citar alguns exemplos.

Inúmeras realidades formam o país, como fazer com que o sistema digital não seja excludente?

Estamos considerando as várias especificidades. O diagnóstico de cada instituição, região, é importante para o recurso ser bem investido. A transformação digital é para realmente fortalecer os princípios do SUS. Ou seja, tem que ter equidade, levar atenção da saúde para lugares remotos. Se não for bem desenhada, pode aprofundar a exclusão. Criamos um critério para distribuir os recursos, o desenvolvimento de uma fórmula com diferentes fontes de dados, incluindo informações de saúde, populacional, de conectividade, de vulnerabilidade social. Essa fórmula comprovou quem precisa mais. Se simplesmente fizéssemos pela distribuição da população seria desigual. A OPAS e a OMS estão nos acompanhando e nos usando como modelo para os países da América Latina. Há desafios em todas as regiões do país, mas os maiores estão na região Norte, sem dúvida.

Em maio deste ano, uma comunidade quilombola no Pará recebeu a primeira consulta via telemedicina pelo SUS, qual foi o impacto para a população?

Foi com moradores da comunidade quilombola Boa Vista, na região do Alto Trombetas, em Oriximiná. Eles foram atendidos por um neurologista. Ações semelhantes estão sendo feitas em distritos indígenas. Uma equipe leva um kit portátil com equipamentos para a coleta de exames no local. Em geral, pessoas da própria comunidade, como os agentes comunitários, são treinadas para fazer esses exames, como ultrassom, retinógrafo. Esses exames são analisados por universidades públicas e o paciente então é atendido remotamente pelo especialista, com uma consulta mais direcionada. O grande nó em lugares mais remotos é o cuidado crítico ou especializado. Muitos ainda dizem que o atendimento à distância é desumanizado. Desumano é não ter acesso à saúde. Mas o impacto vai além, gera pesquisa. Vou citar um exemplo. A Faculdade Federal de Minas Gerais tem um hospital que trabalha ininterruptamente com atendimentos e diagnósticos para uma dezena de estados. Fazem 6 mil laudos de eletrocardiogramas por dia, com um total de 8 milhões de documentos realizados. Estamos agora aplicando inteligência artificial nesses laudos e isso será importante para uma predição em relação a casos de doenças cardíacas, reduzir riscos.

Em 2023 a senhora falou para o GLOBO que o Ministério da Saúde queria adotar inteligência artificial de forma sistemática no SUS, como isso andou?

O governo fez a opção de não ser apenas usuário de IA, mas produtor. Ter sua própria IA . Esse trabalho está sendo capitaneado pelo ministério da Ciência e Tecnologia a pedido do presidente Lula, com um investimento de 23 bilhões. O bom uso da IA requer uma nuvem soberana, integridade e robustez de dados para reverter um pouco o cenário de opacidade das big techs. Estamos muito atentos ao processo de regulamentação que está no Congresso e quando passar vamos trabalhar com uma regulamentação própria para saúde.

O governo federal deixou vencer 58,7 milhões de imunizantes desde 2023, o investimento em tecnologia consegue reverter esse cenário?

O processo da vacinação é bastante complexo, é preciso mapear um ciclo imenso: compra, produção, transporte, armazenamento, distribuição. O rastreamento digital ainda é feito parcialmente, estamos trabalhando nisso. E ele não é realizado de forma integrada. É preciso ser em tempo real. Isso tudo foi mapeado com os conselhos das secretarias de saúde municipais e estaduais e agora estados e municípios terão um prazo para alimentar o sistema de dados. São 153 mil estabelecimentos de saúde que geram dados de vacinas. Cada um tem 2 operadores. São 256 mil operadores, portanto, com essa tarefa.

Como é o dia a dia com seu marido, o ministro da Fazenda Fernando Haddad?

Quando eu e ele estamos envolvidos com um trabalho intenso é mais fácil, a gente entende o outro melhor. Mas é sacrificante em relação à nossa vida pessoal. Procuramos tomar o café da manhã juntos. Jantar quase impossível, cada um chega uma hora em casa e tem os jantares de trabalho. Nos fins de semana, quando não trabalhamos e estamos em Brasília, procuramos ficar juntos.

E seus filhos? Eles ficaram em São Paulo?

Minha filha ainda mora em casa em São Paulo. Mas estou numa fase da vida bem melhor em relação a eles. Conciliar vida profissional e familiar com filho pequeno não é simples. E nosso trabalho é extremamente absorvente. Hoje meus filhos são adultos, o mais velho tem 32, a mais nova 24. Gosto de vir para São Paulo para vê-los e minha mãe também, tento vir a cada 15 dias, mas muitas vezes passo mais tempo sem encontrá-los.

Como a senhora cuida da saúde?

Tento ter um sono regular e comer bem. Não posso ficar muito tempo sem me alimentar nem exagerar nas porções porque tenho enxaqueca. Minha filha é vegana, cuida muito da alimentação e influencia a família toda. Não sou vegana, mas prezo muito uma refeição saudável. Como carnes, peixes, pouco carboidrato e fartas porções de salada. Não tomo refrigerantes, nem sucos industrializados ou com açúcar refinado. Exercício, que é superimportante, é o que menos consigo fazer. Às vezes caminho. Recentemente voltei para o balé, estou muito feliz. Pratiquei dança até meus 18 anos e depois nunca mais. Em pouco tempo a dança mudou a minha consciência corporal, agora cuido mais da postura, da posição do pescoço quando uso celular, laptop. Me faz muito bem.

O ministro gosta de dançar?

O Fernando não gosta. Mas quando a gente sai eu tiro ele pra dançar. Olho com uma cara séria pra ele e ele vai.

Fonte: O Globo