Morreu neste domingo (29) o sociólogo, filósofo e ex-seminarista Danilo Santos de Miranda, aos 80 anos. Ao longo das quatro décadas em que dirigiu o braço paulista do Sesc, ele se tornou a figura mais longeva e relevante da cultura de São Paulo. Danilo estava internado desde o início do mês no hospital Albert Einstein, em São Paulo. A causa da morte ainda não foi informada pela equipe médica.
Ele foi o responsável por transformar a entidade ligada ao setor do comércio na maior potência cultural do país. Seu espírito empreendedor e sua visão humanista da cultura, aliados ao orçamento bilionário da instituição, fizeram dele o principal gestor cultural do Brasil. Ou, como brincavam amigos e colegas, “a entidade dentro da entidade”.
Criado com a missão de promover o bem-estar social de um grupo específico de beneficiários —comerciários e suas famílias—, o Sesc, sob sua batuta, mais que dobrou de tamanho e se abriu para o Brasil e para o mundo.
Danilo inaugurou a grande maioria das unidades da instituição no estado e retirou suas catracas para o livre acesso às acolhedoras áreas de convivência, que misturam esporte, lazer, arte e alimentação, em meio a cidades carentes de espaços públicos de qualidade.
Criou um modelo de fomento que virou referência para políticas públicas de incentivo à cultura do país e estimulou a profissionalização de artistas, curadores e produtores ao estabelecer uma burocracia transparente, com editais e comissões.
Apaixonado por teatro, Danilo não escondia suas predileções pessoais no campo da cultura, mas promovia as mais diversas expressões artísticas à frente do Sesc, do erudito ao popular, de produções mais comerciais às mais experimentais.
“O que seriam das artes no Brasil sem o Sesc?”, perguntou a atriz Zezé Motta, em setembro passado, no palco do evento de 60 anos de trabalho social do Sesc com idosos. Fernanda Montenegro, ao lado, fez coro. “É isso mesmo! Nós sabemos na pele o que representa o Sesc na pessoa do professor Danilo Miranda.”
“Se não tivesse Danilo Miranda, não tinha teatro em São Paulo. Só teria musical”, afirmou o dramaturgo José Celso Martinez, o Zé Celso, em entrevista em abril deste ano.
Danilo tinha consciência do poder da instituição que representava, mas adorava ser pessoalmente reconhecido. Perfeccionista, dizia ter compromisso com a transformação e a excelência, tanto na programação quanto na infraestrutura do Sesc.
À frente do Sesc, perseguiu parâmetros internacionais de produção ao mesmo tempo em que trouxe artistas renomados globalmente para os palcos paulistas da instituição.
Família e trajetória
Danilo Miranda vivia com a assistente social Cleo Regina, na zona oeste da capital paulista. O casal comemorou bodas de ouro no ano passado. Teve duas filhas, Camila e Talita, e quatro netos.
Nascido numa família de classe média de Campos de Goytacazes, no Rio de Janeiro, em 1943, ele foi o terceiro dos quatro filhos de uma farmacêutica e um dentista, que também era jornalista e gostava de tocar violão para a família cantar reunida. A tradição levou o pequeno Danilo a calibrar a voz de contralto que revelaria depois em corais —e, mais tarde, nos incontáveis discursos e entrevistas de sua carreira.
Perdeu a mãe aos sete anos de idade, vítima de uma infecção nos rins com apenas 31 anos. E os meninos passaram a ser criados pela avó, Donana. Aos 11 anos, ingressou na Escola Apostólica dos Jesuítas, em Friburgo, no Rio de Janeiro, um internato religioso de intensa atividade intelectual e esportiva, sediado no Colégio Anchieta, onde estudaram o escritor Euclides da Cunha e o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Fez parte da banda, do cineclube e das audições de sinfonias da escola. Criou uma academia de letras escolar, fundou um grêmio estudantil e participou de encontros do movimento estudantil ligado à União Nacional dos Estudantes. Mas a ideia de servir ao próximo, numa vida de renúncias, falou mais alto e o levou para o seminário.
“A vida religiosa fundamentou meu interesse pelo lado político, aquilo de você não ser só você mesmo, de abrir-se um pouco, perceber o entorno”, disse Danilo, em entrevista de 2014, à revista A Terceira Idade. “Um órfão tem muita facilidade para compreender os outros. À medida que você tem carências, você entende a carência externa.”
Há 60 anos, entrou no noviciado jesuíta de Itaici, no interior paulista, onde mergulhou nos estudos de grego, latim e filosofia. Acompanhava as notícias sobre o concílio pela transmissão em francês da rádio do Vaticano em meio a uma rotina de exercícios espirituais e longos períodos de isolamento. Tempos depois, aos 24 anos, abandonou a batina porque entendeu que corria o risco de ser “uma pessoa infeliz”.
Foi viver em São Paulo e começou a trabalhar como entrevistador em uma agência de empregos. Entrou no Sesc como orientador social em 1968, por meio de concurso. Há 50 anos, migrou para a gestão de pessoal do Senac, que compõem o chamado Sistema S, ao lado de Sesc, Senai, Sesi e outras instituições administradas por federações e confederações financiadas por dinheiro recolhido pelo governo a partir da folha de pagamentos das empresas de cada setor.
No início dos anos 1980, ele se tornou frequentador assíduo e entusiasta do Sesc Pompeia e de sua programação musical inovadora, que incluía gafieiras de Paulo Moura e shows de Tim Maia e Jorge Ben Jor. No corredor aberto da antiga fábrica, cruzava com o empresário Abram Szajman, entre pessoas próximas da comunidade judaica.
Pouco depois de assumir a presidência da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, em 1984, Szajman convidou Danilo para o cargo de diretor regional do Sesc.
Foi uma parceria feliz e duradoura. Szajman deu aval para o projeto de expansão da rede Sesc e respaldo às decisões de Danilo, que substituiria o financiamento a artistas e grupos residentes pelo modelo de fomento amplo e diverso que consagrou a história recente da instituição.
Cultura e educação
Danilo sempre considerou a cultura como uma ação educativa continuada, uma condição da cidadania e, portanto, não poderia estar subjugada a lógicas do mercado, pressões políticas ou caprichos de quem quer que fosse.
Habilidoso, contornava os questionamentos de um conselho conservador, formado entre o empresariado médio paulista, diante de polêmicas desencadeadas por eventos e obras de caráter transgressor ou que tangenciam temas sociais sensíveis e complexos, como racismo, direitos LGBTQIA+ e religião.
Sempre parceiro da causa aids, Danilo esteve presente e apoiou diferentes ações e iniciativas da Agência Aids. Esteve no lançamento do Lá Em Casa, Centro de Reabilitação para as Pessoas Vivendo com HIV/Aids, e no lançamento de diferentes documentários e webséries desenvolvidos pela a Agência Aids.
Na pandemia da Covid-19, também participou de debates online realizado pela Agência, como a grande live do Camarote Solidário.
Além disso, desde os primeiros anos da epidemia de aids no mundo, é possível ver diferentes ações de conscientização e prevenção ao HIV em unidades do Sesc São Paulo, como por exemplo, o projeto Contato, que já está na sexta edição e segue dando visibilidade a esta pauta que precisa de constante discussão e reflexão.
O projeto apresenta informações atualizadas sobre ISTs e HIV/Aids, reflexões e experiências de vida, para despertar a criação de outros imaginários e possibilitar a quebra do estigma e do preconceito.
Velório no Sesc Pompeia
O velório de Danilo Santos de Miranda será realizado nesta segunda-feira (30), das 9 às 14h, no Sesc Pompeia, na zona oeste da capital.
A informação foi divulgada durante a madrugada pelo Sesc. A cremação do corpo será às 17h, no Cemitério Horto da Paz, em Itapecerica da Serra.
No aniversário de 80 anos, comemorado no Sesc Pompéia, Danilo agradece a homenagem
Roseli Tardelli gravou mensagem em homenagem a Danilo Miranda que foi exibida na celebração
Redação da Agência Aids com informações