Em entrevista a jornalistas do programa Roda Viva, da TV Cultura, na noite desta segunda-feira (10), Drauzio Varella falou sobre a história da aids no Brasil e sobre como o país se tornou uma referência mundial no enfrentamento da doença. Sobre as recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro a respeito das pessoas que vivem com HIV, ele afirma que “espero que a declaração não represente um retrocesso na Política de Aids do país”.
“É Preconceito e desumanidade atirar no doente a culpa da doença que ele tem. A sociedade sempre fez isso. Na Idade Média se fazia isso com a hanseníase, eram os impuros. Tuberculose eram os devassos. E na aids, é coisa de promíscuos. Cansei de ver senhoras que casaram uma vez na vida e pegaram aids do marido”, afirmou o médico.
“Essas pessoas não pensam que isso pode acontecer com alguém da família deles. Elas não iria gostar que uma pessoa de sua família fosse tratada dessa forma. É uma grosseria que não merece nem comentário”, completou.
Política de Aids no Brasil
“Nosso Programa de Aids é um sucesso mundial, não podemos destruir isso de jeito nenhum. Falhamos na prevenção porque não disponibilizamos todas as possibilidades de prevenção.”
Dráuzio relembrou a origem da Política de Aids no país. “Até 1995 nós não tínhamos medicamentos para a aids. As pessoas morriam de aids inevitavelmente. Me lembro que perdi 10 doentes em uma semana. Em 1995 chegaram medicamentos mais eficazes. Naquela época, tínhamos a mesma prevalência do HIV que a África do Sul. Eles não distribuíram medicamentos e nós sim. Hoje a África do Sul tem 10% de sua população infectada, se tivéssemos essa porcentagem, teríamos cerca de 18 milhões de brasileiros infectados. Nós temos 900 mil, é muito, mas não se compara com o número que poderia ser.”
O Brasil provou que ao contrário do que as autoridades diziam, é possível distribuir medicamentos para pobres. Pois acreditava-se que eles não iriam tomar os remédios e desenvolveriam vírus resistentes a medicamentos. Então é graças ao Brasil que a maior parte das pessoas na África recebem medicamento hoje.
Dráuzio também explicou o indetectável = intransmissível e a ideia de prevenção por meio de tratamento. “Hoje, no Brasil se tem laboratórios para medir carga viral em todos os estados, o que é fundamental.”
Saúde e Religião
Drauzio também comentou sobre o projeto, permeado por um conceito religioso de iniciação sexual tardia. “Acho que toda vez que a religião interfere com programas de saúde atrapalha. Os religiosos têm direito de se manifestarem, mas não de definirem estratégias, isso é coisa para os técnicos fazerem. Quando começou a epidemia de aids o Papa se posicionou contra a caminha, um crime que a igreja católica cometeu.”
“Nós aprendemos a lidar de outra forma com as doenças sexualmente transmissíveis de formas mais eficazes. Você pode aconselhar vida sexual tardia, mas você sabe que nem todo mundo obedece. Nós temos, no Brasil, mania de repetir os mesmos erros do passado”, declarou.