Desenvolver estratégias digitais para a prevenção do HIV é crucial para ampliar o alcance da informação, especialmente entre populações vulneráveis. As plataformas digitais superam barreiras geográficas, permitindo a disseminação de conteúdo acessível e confiável, combatendo a desinformação e o estigma. Além disso, elas facilitam a criação de comunidades online de apoio, onde pessoas vivendo com HIV podem compartilhar experiências. A personalização da linguagem nessas mídias também torna os temas de prevenção e tratamento mais compreensíveis, promovendo inclusão e equidade no acesso à saúde.

Esses pontos foram destaque na segunda mesa do “Seminário Caminhos para Prevenção: Ampliação do Acesso e Promoção da Equidade”, realizada na sexta-feira (30), intitulada “Mídias Sociais como Ferramenta para a Oferta de Prevenção do HIV”. De iniciativa do Departamento de HIV, Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e ISTs, o debate reuniu Emer Conatus e Raul Nunes, do podcast Preto Positivo; Ricardo Kores, médico infectologista; e João Geraldo Neto, do canal Super Indetectável, com mediação de Jeane Félix, Pesquisadora da Universidade Federal de Alagoas.

Visibilidade à questão do HIV entre pessoas negras

Emer Conatus e Raul Nunes, realizadores do podcast Preto Positivo, participaram com a apresentação “Amplificando Vozes: O Uso das Mídias Sociais na Prevenção do HIV na Comunidade Negra”.

Emer destacou como o podcast surgiu da necessidade de dar visibilidade à questão do HIV entre pessoas negras: “A gente questionou… por que tem tanta gente preta morrendo de HIV e aids no nosso país, mas tantas pessoas brancas falando sobre isso? As referências que a gente tem sobre o assunto no nosso país, como influenciadores ou comunicadores sociais, são pessoas brancas “.

O projeto, nascido em 2021, busca preencher essa lacuna, abordando o impacto desproporcional do HIV nas populações negras, especialmente entre jovens. Raul acrescentou que o podcast não só compartilha informações sobre prevenção, mas também traz histórias de pessoas vivendo com HIV de todas as regiões do Brasil, ampliando o alcance e relevância do projeto.

“A gente está falando de uma epidemia de mais de 40 anos em um país que serve, de certa forma, a medicação de forma gratuita. Ainda tem lugares que não alcançam, pessoas que moram em situações de vulnerabilidade, pessoas ribeirinhas, pessoas que moram em quilombos, pessoas onde o tipo de tratamento não chega. Então, essa segunda temporada foi muito sobre isso, sobre contar esses lugares, enfim, Salvador, norte do Pará, Manaus”, relatou Raul.

Os realizadores também discutiram os desafios impostos pelos algoritmos das redes sociais, que muitas vezes invisibilizam conteúdos relacionados à população negra. “Às vezes, temos até medo de postar algo e citar que somos negros, porque isso pode prejudicar o alcance do conteúdo”, afirmou Emer, ressaltando o racismo estrutural presente até nas inteligências artificiais. Ambos os participantes concluíram com a reflexão de que é crucial continuar incentivando pessoas negras a falar sobre o HIV e quebrar o silêncio em suas comunidades.

Ajustar a linguagem e as abordagens tradicionais de saúde para o contexto das redes sociais

Em seguida, foi a vez da apresentação Ricardo Kores, médico infectologista e comunicador, que abordou o tema “Engajamento Digital: Abordando a Prevenção em Redes Sociais. Kores”. O palestrante ressaltou a importância de adaptar a linguagem e as abordagens tradicionais de saúde ao universo das redes sociais, para alcançar de forma eficaz os jovens, especialmente aqueles entre 20 e 30 anos, faixa etária em que a incidência de HIV continua alta. “A prevenção é comunicação e educação em saúde”, disse Kores, enfatizando que as formas tradicionais de comunicação médica não conseguem mais atingir a juventude conectada.

Ele observou que, nas redes sociais, utiliza analogias divertidas para desmistificar assuntos como prevenção e sexualidade: “Criei analogias como a rosquinha para o ânus, o pirulito para o pênis e a brusqueta para a vagina. São formas leves e engraçadas de abrir o diálogo”. Essas analogias, segundo o infectologista, incentivam a aproximação e facilitam discussões sem tabus. Ele ainda enfatizou a relevância de criar conteúdos acessíveis e claros, que descompliquem termos médicos e cheguem ao público de maneira eficaz.

Além disso, Kores compartilhou uma estratégia de campanha sobre a PEP (Profilaxia Pós-Exposição), levando uma faixa de “72 horas” por locais públicos de Uberlândia, como parques e terminais de ônibus, para chamar atenção ao prazo crítico para o uso da PEP. “Todo mundo perguntava, ‘o que vai acontecer em 72 horas?’… e assim, criamos curiosidade e abrimos espaço para o conhecimento sobre a PEP”, contou Kores.

Kores concluiu destacando o desafio de levar o acolhimento e a humanização das redes sociais para a vida real: “Estamos prontos para receber uma pessoa que teve uma ‘marmita de casal’ e não julgar? Precisamos garantir que a prevenção e o atendimento sejam sem preconceitos e com acolhimento verdadeiro”.

Traduzir a linguagem científica 

A fala de João Geraldo Neto, mobilizador social e criador do Canal Super Indetectável, teve como tema “Utilizando Plataformas de Vídeo para Falar sobre Prevenção”, compartilhando sua trajetória como comunicador digital no contexto do HIV. João começou relatando a importância de sua presença nas redes sociais para quebrar o isolamento pessoal e de outros vivendo com HIV: “Quando comecei a falar, percebi que me curava um pouco”. Seu trabalho no YouTube, iniciado em 2008, foi pioneiro ao trazer para a internet uma discussão aberta sobre HIV, quando ainda não havia outros criadores de conteúdo abordando o tema no Brasil.

João declarou que sua principal motivação foi a necessidade de traduzir a linguagem científica e médica para um público mais amplo e acessível: “Eu pegava artigos científicos e os traduzia para um português compreensível”. Essa abordagem permitiu que ele se conectasse com pessoas que buscavam informações práticas e diretas sobre temas como a “janela imunológica” e o “uso correto da medicação”, tópicos que frequentemente geram dúvidas.

O impacto de seu canal foi além da simples disseminação de informações. João explicou que sua estratégia envolveu a criação de comunidades online para incentivar o diálogo entre pessoas vivendo com HIV de diferentes partes do Brasil e do mundo. “Criamos um grupo no Facebook que hoje tem 8 mil membros de países de língua portuguesa”, disse ele, ressaltando a importância do senso de comunidade para o acolhimento e o compartilhamento de experiências.

Em sua fala, João também destacou a necessidade de inovar no uso de tecnologias digitais para a prevenção, mencionando o desenvolvimento de um chatbot que responde automaticamente a perguntas frequentes sobre HIV e outras questões de saúde. “A inteligência artificial pode ser uma aliada poderosa, precisamos usá-la a nosso favor”, afirmou, incentivando a colaboração entre ONGs, governo e iniciativas privadas para melhorar o alcance das ações preventivas.

João encerrou com uma reflexão sobre o futuro da comunicação em saúde, destacando que o engajamento digital é essencial para alcançar a população conectada: “O futuro da comunicação é digital. A pandemia acelerou essa transformação, e não há mais como voltar atrás”.

Redação da Agência de Notícias da Aids

 

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