A 25ª Conferência Internacional de Aids, realizada em Munique entre os dias 22 e 26 de julho, trouxe avanços significativos e discussões importantes no combate à epidemia de HIV. O evento reuniu cientistas, ativistas, pessoas vivendo com HIV e representantes de diversos segmentos da sociedade civil de mais de 170 países para promover o aperfeiçoamento das estratégias de prevenção e tratamento do vírus ao redor do mundo. A médica e pesquisadora brasileira Beatriz Grinsztejn foi indicada como presidente da  IAS, Associação Internacional de Aids. Ela dedicou sua carreira ao cuidado e à pesquisa sobre HIV e Aids e foi uma das responsáveis pela criação do Serviço de HIV/Aids da FIOCRUZ, que é o maior provedor de tratamento no Rio de Janeiro.

“Que semana foi essa! Espero que vocês saiam se sentindo revigorados e inspirados, mas talvez também um pouco ansiosos sobre o caminho à frente. Estou impressionada com o poder de nossa comunidade global de HIV, vibrante, ousada, diversa e resiliente. Nós vamos cada vez mais depender dessas características para enfrentar nossos desafios. Como uma mulher lésbica da América Latina, no Brasil, e diretora da primeira Clínica de saúde focada em minorias de gênero, eu testemunhei em primeira mão como ainda estamos falhando com as pessoas mais marginalizadas. No Brasil, novas infecções de HIV estão aumentando entre jovens negros que fazem sexo com homens, ilustrando a violência estrutural de gênero e racismo que alimentam a epidemia. A base da resposta ao HIV foi construída em seus vínculos inexoráveis com os direitos humanos. No entanto, o espaço da sociedade civil para advogar e colaborar está sendo restringido. Políticas neoliberais e cuidados conservadores, e os direitos dos marginalizados. Governos reacionários têm erodido proteções e espaço cívico ou até mesmo travado guerras. A fadiga do dólar é uma realidade, e cruzar a última milha para acabar com a Aids como uma ameaça à saúde pública exigirá mais atenção e recursos. Mecanismos como o PEPFAR e o Fundo Global estão sob pressão. Agora não é o momento de questionar o valor dessas organizações vitais. Nossas conversas esta semana revelaram oportunidades interligadas para enfrentar esses desafios. Número um, a promessa dos injetáveis de longa duração, incluindo o PrEP com Lenacapavir para mulheres cisgêneras e o Cabotegravir-LA para mulheres cisgêneras e HSH e indivíduos trans, destaca a necessidade de diferenciar o paradigma de prevenção e garantir acesso em todo o Sul Global. Segundo, reunir o compromisso político para atender às demandas do HIV é uma responsabilidade compartilhada. Este compromisso deve estar embutido na integração da atenção primária à saúde, leis protetivas e financiamento sustentável. A convergência de ciência, política e ativismo sempre foi nossa força. Durante minha presidência, vou fortalecer a solidariedade do nosso movimento para enfrentar os desafios atuais”, afirmou em seu discurso de posse.

O congresso foi marcado pela apresentação dos resultados completos do ensaio Purpose 1, liderado pela pesquisadora Linda-Gail Bekker. O estudo demonstrou a eficácia de 100% do antirretroviral Lenacapavir, da Gilead Sciences, na prevenção do HIV-1 em mulheres. “Nenhuma das 2.134 mulheres que recebeu Lenacapavir contraiu o vírus”, revelou Bekker, reforçando a necessidade de tornar o medicamento acessível às populações vulneráveis.

Na abertura oficial, Winnie Byanyima, diretora executiva do Unaids, reivindicou a liberação da patente do Lenacapavir para países de baixa e média renda. “Essa injeção é uma ferramenta milagrosa de prevenção ao HIV”, afirmou Byanyima, destacando que fabricantes genéricos poderiam reduzir o preço do medicamento para menos de 100 dólares por ano, comparado aos mais de 40 mil dólares cobrados nos Estados Unidos.

Ao longo da semana, ativistas organizaram diversos protestos em que carregavam cartazes exigindo a liberação da patente e a garantia do acesso universal ao medicamento, com slogans como “Vidas importam mais que o lucro” e “Ganância mata pessoas vivendo com Aids”. A pressão sobre a Gilead visa permitir a produção de genéricos, facilitando o acesso a um maior número de pessoas e contribuindo para a meta global de erradicação da Aids até 2030.

Os debates sobre os direitos humanos contaram com uma ampla discussão sobre o combate à LGBTfobia e o uso das redes sociais na promoção dos direitos da população LGBTQIA+ e pessoas vivendo com HIV. Personalidades como Christian Chávez, cantor mexicano do grupo RBD, e o comunicador e artHIVista brasileiro Alberto Pereira Jr. compartilharam suas experiências e estratégias de advocacy, incentivando o engajamento digital para enfrentar a discriminação e promover a saúde.

Trabalhos do Brasil são destaque em Munique

Inovações brasileiras também foram destaque na conferência. A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo apresentou ao mundo o serviço SPrEP, que oferece PrEP e PEP online com retirada rápida nas unidades de saúde e máquinas automáticas. “Os dados relacionados ao SPrEP podem fornecer informações importantes para outras regiões e equipes ao redor do mundo, ampliando o acesso à prevenção e combatendo inequidades”, destacou Cristina Abbate, coordenadora de IST/Aids da cidade de São Paulo.

Além disso, o projeto PrEP na Rua, criado para alcançar populações vulneráveis fora das unidades de saúde, mostrou como a testagem e o tratamento podem ser facilitados em locais de grande circulação. Esse modelo de atendimento tem sido fundamental para ampliar o acesso à prevenção em São Paulo.

A questão dos direitos reprodutivos das mulheres vivendo com HIV foi abordada em um relatório da Comunidade Internacional de Mulheres vivendo com HIV/Aids (ICW), que expôs práticas coercitivas em mais de 60 países. O documento aponta para a necessidade de ações concretas para reduzir essas violações e garantir a autonomia corporal das mulheres.

A conferência também foi palco do lançamento do programa “Cozinhando com PrEPina Blue” pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). A série de entrevistas visa simplificar temas complexos sobre prevenção e tratamento do HIV, tornando a informação mais acessível à população brasileira.

Apesar dos avanços, o ativista Veriano Terto, da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), alertou sobre a erosão da democracia e a falta de financiamento como ameaças aos esforços de combate à Aids. Ele ressaltou a importância da solidariedade e das alianças internacionais para garantir a erradicação da doença e enfrentar outros desafios globais.

A Conferência Internacional de Aids 2024 reafirmou o compromisso global com a erradicação da Aids, destacando avanços científicos, inovações no tratamento e a luta por direitos humanos e acessibilidade. A troca de experiências e a pressão por políticas mais inclusivas são passos essenciais para alcançar a meta de acabar com a epidemia até 2030.

Marina Vergueiro (marina@agenciaaids.com.br)

* A Agência de Notícias da Aids está cobrindo esta edição da Conferência com o apoio do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (Dathi) do Ministério da Saúde e da Coordenadoria Municipal de IST/Aids de São Paulo. Os portais de notícias IG, Catraca Livre e a EBC (Empresa Brasil de Comunicação) também receberão informações sobre o evento.