O número de novas infecções pelo HIV no mundo caiu 59% desde o pico em 1995. Em 2022, foram registrados cerca de 1,3 milhão de casos, em comparação com 3,2 milhões naquele ano.

Desde 2010, as novas infecções diminuiram 38%, passando de 2,1 milhões para 1,3 milhão no ano passado. Os casos em crianças apresentaram queda de 58%, de 310 mil em 2010 para 130 mil em 2022.

Na América Latina, o número de mortes relacionadas à aids diminuiu 32% desde 2010, mas o número anual de novas infecções aumentou 8%. Ao menos dez países latino-americanos registraram aumento de casos nos últimos 12 anos.

Os novos dados são de um relatório do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), divulgado nesta quinta-feira, (13).

Segundo o documento, no final de dezembro do ano passado, 29,8 milhões de pessoas faziam o tratamento antirretroviral no mundo, um aumento considerável em relação aos 7,7 milhões em 2010. O índice representa 76% das pessoas vivendo com HIV.

O recorte por idade e gênero aponta que 77% dos adultos com 15 anos ou mais vivendo com HIV tinham acesso aos medicamentos, assim como 57% das crianças de 0 a 14 anos.

Além disso, 82% das mulheres com 15 anos ou mais fazem a terapia. No entanto, apenas 72% dos homens com 15 anos ou mais recebem os remédios. Entre as mulheres grávidas, 82% tomavam os antirretrovirais, o que previne a transmissão do HIV para o bebê.

95-95-95 e o fim da aids

O relatório do Unaids destaca que as barreiras para acabar com a aids são uma ameaça à saúde pública. O caminho do enfrentamento inclui escolhas políticas e financeiras.

O Unaids propôs, em 2021, as metas “95-95-95”. A política visa que 95% das pessoas que vivem com HIV conheçam seu status sorológico, 95% dos indivíduos diagnosticados façam o tratamento antirretroviral e 95% das pessoas em terapia tenham a carga viral suprimida.

Carga viral é o nome técnico para a quantidade de vírus presente no sangue. Ou seja, quanto mais cópias o vírus produz durante a infecção, maior será a carga viral.

“Atingir essas metas é fundamental, uma vez que fazer o diagnóstico e começar o tratamento precocemente diminui a cadeia de transmissão. Assim, as pessoas se mantêm indetectáveis, e não transmitem o HIV para as suas parcerias sexuais”, afirma o médico infectologista Álvaro Furtado, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

O HIV não é transmitido por pessoas que realizam o tratamento antirretroviral e que estão há pelo menos seis meses com a carga viral indetectável nos exames clínicos. Indetectável = Intransmissível (I = I) é um conceito adotado pela comunidade científica e instituições de referência sobre HIV.

Nesse contexto, o tratamento do HIV é feito com a utilização de medicamentos que reprimem o processo de replicação. Os antirretrovirais têm como objetivo reduzir a carga viral a níveis indetectáveis pelos exames clínicos, evitando assim o enfraquecimento do sistema imunológico.

De acordo com o Unaids, países como Botsuana, Essuatíni, Ruanda, Tanzânia e Zimbábue já alcançaram as metas “95-95-95”. Outros 16 países, oito dos quais na África subsaariana, região que representa 65% de todas as pessoas vivendo com HIV, também estão próximos de alcançar os objetivos.

“O fim da aids é uma oportunidade para as lideranças de hoje deixarem um legado extraordinariamente poderoso para o futuro”, disse Winnie Byanyima, diretora-executiva do Unaids, em comunicado. “Essas lideranças podem ser lembradas pelas gerações futuras como aquelas que puseram fim à pandemia mais mortal do mundo. Podem salvar milhões de vidas e proteger a saúde de todas pessoas”.

Cenário da América Latina

América Latina: o que é e quais países fazem parte

O documento aponta que os países latino-americanos alcançaram progressos importantes na expansão do acesso ao tratamento, mas obtiveram menos ganhos no que diz respeito à prevenção.

Na América Latina, o número anual de novas infecções aumentou 8% desde 2010. Separando por gênero, houve diminuição de 14% entre as mulheres, mas aumentou 17% entre os homens comparando o período 2010–2022. No ano passado, foram diagnosticados 110 mil casos, com cerca de 2,2 milhões de pessoas vivendo com HIV na região.

O número de mortes relacionadas à aids diminuiu 32% desde 2010, mas ao menos dez países latino-americanos registraram aumento de casos nos últimos 12 anos.

A prevalência média de HIV entre pessoas de populações-chave é significativamente maior do que na população em geral, atingindo 9,5% entre gays e outros homens que fazem sexo com homens (dados de 12 países) e 14,7% entre pessoas trans (informações de nove nações).

Em 2022, a porcentagem de pessoas em terapia antirretroviral aumentou para 72%, mas as lacunas de serviços dificultam o acesso a programas de tratamento e assistência em muitos países da América Latina.

Devido ao fracasso em obter o diagnóstico oportuno, ainda é comum que pessoas descubram a infecção já com sinais da doença. Em 13 países da região, pelo menos 25% dos novos diagnósticos são classificados como infecção avançada pelo HIV.

Respostas ao HIV

O relatório do Unaids também destaca o que está por trás do sucesso nas respostas ao HIV, como ter uma forte liderança política, por exemplo.

O documento menciona ações como o respeito à ciência, dados e evidências, enfrentamento das desigualdades, fortalecimento das comunidades e das organizações da sociedade civil, além da garantia de financiamento suficiente e sustentável.

Segundo o relatório, o progresso no combate à aids tem sido mais significativo nos países e regiões que têm maior investimento financeiro.

Na África Oriental e Austral, por exemplo, as novas infecções por HIV foram reduzidas em 57% desde 2010 e o número de pessoas em tratamento triplicou, passando de 7,7 milhões em 2010, para 29,8 milhões em 2022.

Com apoio e investimento no combate à aids em crianças, 82% das mulheres grávidas e lactantes vivendo com HIV em todo o mundo tiveram acesso aos antirretrovirais em 2022, em comparação com 46% em 2010. O avanço levou a uma redução de 58% nas novas infecções em crianças de 2010 a 2022, o número mais baixo desde a década de 1980.

O Unaids destaca ainda que o fortalecimento do progresso na resposta ao HIV está associado à garantia de direitos humanos. Nesse contexto, vários países revogaram leis prejudiciais em 2022 e 2023, incluindo cinco (Antígua e Barbuda, Ilhas Cook, Barbados, São Cristóvão e Nevis e Singapura) que criminalizavam as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo.

Desafios para o fim da aids

Uma pessoa morreu a cada minuto por doenças relacionadas à aids em 2022, com cerca de 630 mil óbitos no mundo.

Apesar dos números alarmantes, o índice foi reduzido em 69% desde o pico em 2004 (2 milhões de vítimas) e em 51% desde 2010 (1,3 milhão de vidas perdidas). Segundo o Unaids, a mortalidade diminuiu em 55% entre mulheres e em 47% entre homens desde 2010.

Cerca de 9,2 milhões de pessoas ainda não têm acesso ao tratamento, incluindo 660 mil crianças. Mulheres e meninas ainda são desproporcionalmente afetadas, especialmente na África subsaariana.

Globalmente, 4 mil jovens mulheres e meninas foram infectadas pelo HIV a cada semana em 2022. Quase um quarto (23%) das novas infecções por HIV ocorreram na Ásia e no Pacífico, onde os índices estão aumentando em alguns países.

De acordo com o Unaids, aumentos acentuados de casos acontecem no Leste da Europa e na Ásia central (alta de 49% desde 2010) e no Oriente Médio e Norte da África (elevação de 61% desde 2010).

Essas tendências são principalmente devido à falta de serviços de prevenção do HIV para populações marginalizadas e às barreiras impostas por leis punitivas e discriminação social, segundo o Unaids.

Financiamento

O financiamento para o HIV diminuiu em 2022, tanto de fontes internacionais quanto domésticas (incluindo os setores público e privado), retornando ao mesmo nível de 2013.

Segundo o relatório, o investimento totalizou US$ 20,8 bilhões em 2022, abaixo da meta de US$ 29,3 bilhões necessários até 2025. No Brasil, houve uma queda drástica de investimento em campanhas de conscientização da doença. Em 2021, foram investidos apenas 0,6% do montante aportado em 1998 e o subfinanciamento dos programas de acesso a diagnóstico e tratamento preocupa.

“Estamos esperançosos de acabar com a aids, mas não ainda o otimismo tranquilo que surgiria se tudo estivesse indo como deveria. Pelo contrário, é uma esperança fundamentada em ver que existem oportunidade de sucesso, mas que dependem de ação”, diz Winnie.

Leia o documento na íntegra

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)