O cenário atual, marcado pelo avanço do conservadorismo global, tem agravado a perseguição contra pessoas trans, travestis, não-binárias e de gênero diverso. Este foi o tema central discutido na Global Trans Conference, onde 200 ativistas e aliados trans e de gênero diverso se reuniram representando milhares de membros de instituições de todo o mundo.
A transmisoginia, que resulta em ódio e violência diários, foi um dos pontos principais analisados nessa importante troca entre movimentos sociais. A Rede Trans Brasil, única instituição brasileira presente no evento, destacou seu trabalho institucional e as experiências exitosas no Brasil. Entre elas, ações do Sistema Único de Saúde (SUS) através da política do processo transexualizador, trabalhos de prevenção e assistência no campo HIV/aids, vitórias na ocupação legislativa, decisões judiciais favoráveis, e iniciativas de inclusão social promovidas pela iniciativa privada.
O conservadorismo em todo o mundo busca retroceder no campo dos direitos humanos, sendo a pauta trans um alvo direto. A desinformação e a deturpação da luta trans, a violência contra essa população e a intervenção de discursos religiosos refletem a influência patriarcal nas religiões, contribuindo para a naturalização do preconceito e aceitação da violência, seja pessoal, institucional ou estrutural. Essa falsa moral cristã, presente nos discursos religiosos, tem ocultado a importância do respeito às pessoas transexuais e o reconhecimento do direito à livre identidade de gênero, mesmo em 2024.
O aumento da violência contra pessoas trans acompanha o crescimento de discursos fundamentalistas religiosos no espaço público e no Estado. O Brasil, mais uma vez, torna-se um exemplo negativo, como demonstrado pela ex-ministra Damares Alves, que durante o governo conservador de Jair Bolsonaro, proferiu a frase: “uma nova era em que menina veste rosa e menino veste azul”. O encontro destacou como governos conservadores são um desserviço à pauta trans, e criticou a falta de resposta efetiva de governos que não adotam medidas necessárias no campo da educação e trabalho.
No legislativo brasileiro, há tanto incidências positivas, como os mandatos de Erika Hilton e Duda Salabert, quanto a ausência de leis que facilitem o reconhecimento legal do gênero de pessoas trans. Em contraste, a América do Sul apresenta avanços, como as leis de identidade de gênero no Uruguai, que reconhecem as pessoas trans como cidadãos com direito de acessar serviços públicos e serem incluídas nas agendas governamentais.
O Brasil ainda enfrenta o desafio de garantir os direitos humanos das pessoas trans de forma transversal, combatendo a violência baseada em gênero. Os direitos humanos no país precisam se libertar da hegemonia partidária e focar na urgência das minorias. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável não será eficaz se a população trans continuar a ser marginalizada.
O movimento trans organizado não pede por mais direitos, mas pelos mesmos direitos que qualquer outro cidadão. A falta de reconhecimento legal impede que pessoas trans existam de fato como cidadãos. Enfrentamos ódio e violência devido a estereótipos e estigmas, e as restrições legais e ataques aos direitos humanos perpetuados por movimentos antigênero colocam nossas vidas em risco.
* Tathiane Aquino de Araujo é secretaria no Brasil da Rede Latino Americana de Pessoas Trans – Red Lac Trans e faz parte da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Red Trans Brasil).