“PositHIVas, Sim. Nenhum direito a menos!”, este foi o tema escolhido do 9º Encontro Nacional do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas – MNCP, que diferente de outras encontros foi preciso se reinventar para realizá-lo em formato virtual, devido a triste circunstância atípica que se encontra nosso país. Nós do MNCP, mesmo sabendo e vivenciando a importância do contato físico entre mulheres vivendo com HIV e AIDS, respeitamos e acreditamos nas recomendações de isolamento social, assim jamais colocaríamos nossas cidadãs em risco, até porque muitas de nós sofremos diretamente com a síndrome respiratória causada pelo quadro do COVID19.

Foram muitas perdas ao longo desta pandemia da COVID19, o que nos fez lembrar também das perdas que tivemos ao longo desses anos de pandemia da AIDS. Na pandemia da AIDS, não falamos apenas de perdas de pessoas, mas de direitos e conquistas! Foi nesse processo de reflexão entre passado e presente que entre os dias 8 à 10 de junho, cerca de 60 mulheres vivendo com HIV e Aids de todo Brasil estiveram reunidas remotamente para pensar e construir ações e fortalecimento para o futuro, dialogando sobre Direitos Sexuais e Reprodutivos; Saúde Mental e Auto cuidado; Práticas Integrativas e Complementares em Saúde; e Fortalecimento Institucional.

As apresentações foram riquíssimas, o que permitiu que as cidadãs posithivas sentissem confortáveis e abertas a todas informações e orientações, além de compartilhar vivências e inquietudes com as/os convidadas/os. Destacarei alguns pontos que já são demandas de longo prazo das mulheres vivendo com HIV e AIDS (MVHA). Porém antes de destacar tais pontos, ressalto conforme prevíamos o acesso à internet dificultou a participação de uma parte das selecionadas, pois é uma realidade existente e que afastam muitas mulheres de acessos a informações e trocas de vivências, o que se agrava esse isolamento social enfrentado durante esta pandemia, ainda sem previsão de controle no Brasil. A dificuldade de participação aos principais meios de troca e de informação ainda seguem sendo uma barreira para também chegarmos as MVHA que desconhecem a existência de movimentos de mulheres sejam eles com ou sem HIV.

A partir deste destaque compartilhamos que a dificuldade de acesso foi uma das pautas mais relatadas, sejam elas de acesso físico atravessado pela questão financeira ou  de ter assegurado uma saúde integral de qualidade e garantia de seus direitos. Tivemos relatos de mulheres que se queixaram da falta de sensibilidade de profissionais para atendê-las, não somente com seu infectologista, mas em outras áreas de saúde, despreparo este que se caracteriza por discriminação de sorologia ou falta de informações importantes como interação medicamentosas ou efeitos adversos que se manifestam decorrente do uso dos próprios antirretrovirais. Deixando claro a necessidade da urgência em atualizações, cursos durante a formação de profissionais da área de saúde e protocolos mais humanizados, ou seja, que tenham a escuta da fala de MVHA ou PVHA como forma de maior compreensão e escuta para tais profissionais. O desejo de pesquisas de toxidades em corpos de mulheres cis e trans também foi uma das demandas, já que pouco se fala dos efeitos nesses corpos na tomada de um dos medicamentos que estão como primeira linha (o dolutegravir) que reflete no ganho de peso e outras consequências metabólicas, o que resulta na baixa autoestima delas.

Dos assuntos mais discutidos os dos direitos sexuais e reprodutivos segue sendo um dos mais interativos, o relato de uma das participantes chamou atenção. A cidadã positiva compartilhou que ao externar a médica o desejo de ser mãe recebeu a resposta que seria um processo difícil e não comum. Vemos que apesar dos avanços em tecnologias e pesquisas alguns profissionais estão parados no inicio da pandemia, não se atualizam, não querem mudar seus pré-conceitos e seguem numa tentativa de culpabilizar as mulheres. Sabemos há um longo tempo que mães em tratamento com carga vital suprimida ou indetectável geram bebês sem HIV. Uma outra dificuldade relatada pelas participantes que são mães, foi a não amamentação e como esse processo muitas vezes junto a outras mães não HIV+ causam um desconforto, um receio de sorologia exposta nas maternidades. Durante esta troca foi levantado o quanto é necessário um acompanhamento especializado pré e pós gestação por profissionais sensibilizados com as especificidades das mulheres HIV+, todos esses receios de medos, preocupações deve ter um olhar de profissionais multisetoriais, em especial psicólogas e obstetras que deem importância a esses “detalhes” muitas vezes ignorados, o que se torna uma violência num período de maior sensibilidade. Essa vivência pré, durante e pós precisam ganhar um olhar mais atento, novamente escutamos esses relatos de MVHA que tiveram exposição de sorologia nas cadernetas infantil, pelo CID 10 – Z 21 (HIV), algo que já havia sido denunciado ao Ministério da Saúde. Será que desta vez o Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) irá garantir esse direito, da não exposição de sorologia ou esta conquista também seguirá sendo ameaçada?!

Esses e outros fatores ameaçam direitos e mexem diretamente conosco, apesar de parecer pouco, mas o ser Mulher e o viver com HIV e AIDS se transversalizam e nos colocam em maiores vulnerabilizações. O medo gera angústia, reflete em um silenciamento e que consequentemente podem causar estados de tristeza profunda levando muitas para uma depressão e ansiedade, dificultando o tratamento, autocuidado e a boa adesão. Estas que não são novidades para muitas, e tão pouco surge nesse contexto atual de pandemia da COVID, mas se agrava por uma maior sensação de isolamento e solidão. A saúde mental e o autocuidado, tem ficado cada vez mais externado por nossas cidadãs posithivas e infelizmente a maioria não tem garantia de acesso a saúde mental via SUS, a fila de espera são longas ou nem mesmo há um olhar integral para muitas, pois segundo relato os profissionais focam apenas na adesão medicamentosa e ignoram suas subjetividades e singularidades nesse diverso vhiver! O preconceito e a discriminação seguem sendo a maior barreira para muitas, o adoecimento não é apenas do HIV! O maior vírus segue sendo o da ignorância, de uma sociedade que ainda discrimina, isola e silencia estas mulheres positivas!

Trouxemos também a discussão sobre as PICS – Práticas Integrativas e Complementares em Saúde – já que desde 2006 temos a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares – PNPIC – instituindo pelo SUS, o cuidado integral à população por meio de outras práticas não só medicamentosas. Para isso, tivemos a grata satisfação de ouvir o profissional participante dessa criação no SUS e vivenciar algumas práticas como terapia ayurvédica, florais, reiki e movimento vital expressivo, sempre na perspectiva de complementar os tratamentos alopáticos com mais qualidade de vida. Aprendemos que poderemos ter algumas das 29 PICS da PNPIC em nossas cidades, dependendo da sensibilidade do gestor local e do nosso controle social, afinal Nenhum Direito a Menos!

Nossa missão é “promover ações para o fortalecimento integral das MVHA com foco no acesso ao tratamento e informação, além de promover a garantia dos direitos humanos”, seguimos buscando este fortalecimento, no IX Encontro demos passos importantes mesmo dentro de nossos lares. Nossos encontros sempre nos mostram que não podemos deixar de reafirmar que somos posihivas, sim! E que por isso não queremos nenhum direito a menos! Seguiremos inclusive lutando para que mulheres cis não positivas para HIV sejam inclusas como população chave para prevenção combinada, pois o machismo segue colocando mulheres cis em relacionamentos abusivos! A violência doméstica nunca ficou em tanta evidência como neste momento, precisamos informar e dar acesso para que mulheres acima de 18 anos também tenham mais uma possibilidade de prevenção que dê a ela o direito de se prevenir para além das camisinhas. Seguiremos firmes, unidas e em luta no movimento: “PositHIVas, sim! Nenhum direito a menos!”.

*Rafaela Queiroz é psicóloga e secretária executiva do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas.