Ao observar tudo que passou ao longo da última década, não é nenhuma surpresa que o centrão e as forças políticas associadas a este bloco estejam agora procurando tomar conta do Ministério da Saúde, e sugerindo a substituição da atual ministra Nísia Trindade por alguém mais chegado às políticas e às barganhas que são típicas do centrão.
Já vimos a maneira como eles se organizaram para tirar a ex-presidente Dilma Rousseff, a forma como tomaram conta do Ministério da Saúde durante o governo Michel Temer e também ao longo do período de Jair Bolsonaro, onde fizeram do Ministério da Saúde um espaço de barganha para tentar obter lucros.
Seria uma tragédia a decisão de entregar esse ministério para as forças que atualmente estão pedindo a saída da ministra Nísia Trindade. A ministra está fazendo um trabalho exemplar de reconstituição. Ela tem sido absolutamente exemplar na tentativa do governo Lula para reconstruir tudo que foi destruído ao longo dos últimos quatro anos, e é justamente por essa razão que ela virou alvo de quem quer derrubar tudo isso. Acredito que dado o histórico de trabalho recente da ministra como diretora da Fiocruz, somos testemunhas da sua capacidade para defender o espaço do Sistema Público de Saúde (SUS) em todas as suas dimensões frente às tentativas de destruição que foram feitas ao longo do último governo.
Esta é a principal razão que mostra o porquê a escolha dela para ser a ministra do governo Lula foi tão acertada. A montagem da equipe do ministério demonstrou o compromisso com quadros que são do melhor histórico do SUS e dos diversos movimentos sociais e políticos que construíram a saúde pública e coletiva do Brasil. Seria um erro imenso jogar isso pela janela por conta da atual pressão política que está sendo feita em cima do Ministério da Saúde.
Por fim, também é importante observar o típico machismo que caracteriza boa parte desses políticos. Não é à toa que a fotografia do ministério de Michel Temer foi tão assustadora quando ele substituiu Dilma Rousseff como presidente da República. Era um bando de homens brancos, sem nenhuma mulher no mais alto escalão do poder. Essa é a cara do centrão, e não é nenhum acidente ou coincidência que quase todos os quadros que hoje tentam substituir sejam ocupados por mulheres. As mulheres sempre são o alvo preferido desses grupos. Devemos reagir e demonstrar porque aceitar isso seria um grave erro do presidente Lula.
* Richard Parker é diretor-presidente da ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids). Possui graduação em Antropologia pela University of California (1980) , doutorado em Antropologia pela University of California (1988) e pós-doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990). É professor titular de Ciências sócio-médicas e Antropologia e diretor do Centro para Estudos de Cultura, Política e Saúde na Escola de Saúde Pública da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, EUA. Vem investigando, em seus estudos, a construção social e cultural de gênero e sexualidade, as dimensões sociais do HIV e aids e a relação entre desigualdade social, saúde e doença. É autor de diversos livros, entre eles “Corpos, Prazeres e Paixões: Cultura Sexual no Brasil Contemporâneo” (São Paulo: Editora Best Seller, 1991), “A Construção da Solidariedade: AIDS, Sexualidade e Política no Brasil” (Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994).