Sobre as recentes declarações do presidente da república 5 de fevereiro de 2020, quando afirmou que “uma pessoa com HIV é despesa para todos aqui no Brasil” e que “esta liberdade que pegaram ao longo (sic) do PT que vale tudo chega a este ponto, uma depravação total”. Algumas análises imediatas podem ser feitas:
1. Esta declaração absurda e preconceituosa atinge os direitos humanos de todas as pessoas que vivem com HIV, culpabilizando-os e, pior ainda, relacionando com “depravação”. É inaceitável, especialmente por vir da presidência da república e, portanto, poder influenciar (e certamente tem influenciado) negativamente todas as ações deste governo;
2. Esta agressão a populações vulneráveis não foi a primeira e nem é a única – nesta mesma entrevista estava também incluído o tema da proposta de abstinência sexual para adolescentes. Esta política, cientificamente ineficaz, poderá reforçar ainda mais a proibição de reintroduzir nas escolas a discussão necessária sobre sexualidade, que é sabidamente eficaz para aumentar a auto-estima e diminuir risco de infecções sexualmente transmissíveis, gravidez precoce e violência sexual;
3. A ênfase nos “custos” é completamente descabida, especialmente porque em saúde não há custos e sim investimento. O Brasil se tornou exemplo de política inclusiva, com ênfase nos direitos humanos e respeitada internacionalmente quando decidiu que todas as pessoas vivendo com HIV tem direito ao melhores tratamentos e cuidados de saúde (e, vale acentuar, tudo isto pelo SUS). O impacto social desta política é incomensurável (melhor qualidade de vida, de sobrevida, de autoestima, para citar apenas alguns) mas, além disto, teve e tem um impacto econômico positivo já demonstrado cientificamente. Assim, se esta ameaça velada se tornar realidade e diminuírem os investimentos também em relação ao controle da infecção pelo HIV e de outras infecções sexualmente transmissíveis, haverá aumento exponencial de custos, como por exemplo com tratamento de doenças oportunistas, internação, aposentadorias precoces, mortalidade.
4. Por fim, esta e outras declarações recentes podem servir de cortina de fumaça, para desviar a atenção de outros fatos muito importantes e que afetam diretamente toda a população, relacionados ao desmonte de políticas públicas (e.g., o estrangulamento do financiamento do SUS; contra os direitos dos trabalhadores, incluindo a recente comparação dos funcionários públicos a parasitas; contra a universidade pública; a favor de liberação de atividades extrativas na Amazônia e em terras indígenas).
5. Será portanto necessário que todos e todas, a sociedade civil, as entidades de saúde, de educação e de direitos humanos se contraponham e exijam do Ministério da Saúde posicionamento de defesa desta e de outras políticas públicas atualmente em risco.
Dirceu Greco é médico infectologista, professor emérito em “Doenças Infecciosas e Bioética”, Universidade Federal de Minas Gerais. Foi diretor do Departamento de Aids do Ministério da Saúde do ano de 2010 a 2013.
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