A 12ª Conferência de Ciências da International Aids Society realizada em Brisbane, Austrália, de 23 a 26 de Julho, permitiu participação híbrida e tocou em assuntos fundamentais da contribuição da ciência na direção dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) para que até 2030 o “HIV deixe de ser uma ameaça à saúde pública, bem como se garanta uma melhoria do bem estar individual das pessoas vivendo com HIV”.
Um dos mais importantes desfechos científicos apresentados na conferência, apresentado pela OMS e corroborado concomitantemente pela Revista Lancet, foi a conclusão definitiva de que as pessoas que vivem com HIV em tratamento e com supressão de carga viral, NÃO TRANSMITEM O HIV.
A máxima Indetectável = Intransmissível deixou de ser uma hipótese muito provável e passou a ser uma verdade científica. Clique nos links a seguir se precisar de mais informações. WHO policy brief; Systematic review in The Lancet .
Risco Zero, é a palavra de ordem.
Foi sensacional esta confirmação de que a medida absolutamente correta tomada pelo Comitê Assessor de Tratamento e adotada sem questionamento pelo então Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais do MS do Brasil em dezembro de 2013, de tratar a todas as pessoas vivendo com HIV, independente de sua carga viral (para quem não se lembra, até então, apenas as pessoas com CD4 abaixo de 500, eram tratadas).
Na época, o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a adotar esta estratégia, logo depois do Estados Unidos e a França. O primeiro país em desenvolvimento a fazê-lo.
A iniciativa, conhecida como “Tratar a Todos”, ou “Tratamento como Prevenção”, gerou muitas polêmicas na época. Alguns grupos consideravam essa iniciativa uma mera tentiva de medicalização da epidemia, mas a decisão de tratar a todos desde o momento de seu diagnóstico, ocasionou um impacto cada vez mais evidente, diminuindo muito a transmissão e na mortalidade pela epidemia no Brasil.
Outro estudo bastante relevante apresentado em Brisbane, demonstrou que é possível derrubar a mortalidade por causas cardíacas, muito comuns entre as pessoas com HIV em tratamento com antiretrovirais.
Um estudo randomizado chamado REPRIEVE mostrou que uma droga a base de estatina (Pitavastatina) é eficiente em derrubar o colesterol e previne mortes precoces.
Outro resultado relevante entre os estudos apresentados, mostrou a importância do Cabotegravir Injetável como estratégia preferida de PrEP entre as mulheres, em diversos países Africanos, sinalizou que podemos (e devemos) avançar na oferta de PrEP injetável, incorporando-o o quanto antes ao SUS, principalmente agora que ele já foi aprovado pela ANVISA. São muitos os países do mundo que já incorporaram essa nova tecnologia, como foi nitidamente apresentado na Conferência.
Outro tópico que chamou a atenção durante a conferência, foi o protagonismo da Austrália na eliminação da transmissão do HIV. Isso porque, a àrea central da cidade de Sidney, a maior cidade australiana, foi a primeira região do mundo a virtualmente eliminar transmissão do HIV. Relevante discussão na Conferência, aponta que a Austrália como um todo, pode atingir esta meta de eliminação antes de 2030, se tornando o primeiro país do mundo a eliminar a atingir a meta de dissipar a transmissão do HIV.
Em relação ao Covid-19, ficou evidente, segundo a OMS, que os reforços das doses de vacina foram cruciais para minimizar a mortalidade das pessoas vivendo com HIV durante a Pandemia. Por outro lado, a desigualdade na distribuição de vacinas e no acesso das populações mais vulneráveis a elas, contaram muito para que a coinfecção se tornasse um grave problema. Foram também apresentados dados da mortalidade por M-Pox, mostrando que as pessoas mais atingidas por ela, foram justamente as que estavam imunosuprimidas por falta de diagnóstico e/ou falta de tratamento do HIV.
Dados demonstraram que pessoas diagnosticadas e tratadas adequadamente tiveram índices de mortalidade igual ao das pessoas sem HIV.
Estas e outras descobertas e inovações da ciência fizeram desta conferência mais um evento especial e relevante. A aids teve o destaque que necessita como tema relevante na Saúde Pública e no reconhecimento da importância do cuidados das populações vulnerabilizadas dos nossos dias em todo o mundo.
* Dr. Fábio Mesquita, é médico, Doutor em Saúde Pública, ex-Diretor do então Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais 2013/2016 e Membro do Corpo Técnico da OMS na área de Aids e Hepatites Virais por 12 anos.