A CROI – Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas aconteceu entre 19 e 22 de fevereiro, em Seattle, nos Estados Unidos. Essa é uma das maiores conferências sobre HIV no mundo e ocorre desde 1993. Nesse ano tivemos a trigésima edição do evento.
Desde a sua primeira edição, a CROI facilitou a apresentação de descobertas importantes, acelerando assim o progresso na pesquisa de HIV e aids. Nela, cientistas e clínicos apresentam, discutem investigações sobre a epidemiologia e biologia do vírus. A sinergia da ciência básica e da investigação clínica é uma das principais razões do sucesso dessa conferência .
Foi um congresso de retomada da ciência depois de quase dois anos , muito prejudicada pelo curso da pandemia. Difícil realizar estudos nesse período. Mesmo assim eles aconteceram. E resultados foram apresentados.
Aqui estão os dez tópicos de destaque . A CROI terminou, mas as inovações que ela trouxe estão apenas começando e com muitos desafios para o mundo e mais ainda para nosso país .
Investimento, ciência e politicas públicas devem estar integradas para a implementação dessas novidades e promessas. O Brasil deve continuar buscando participação em estudos e projetos demonstrativos.
1️⃣ Um tratamento bimestral (SOLAR) com drogas injetáveis de longa duração (cabotegravir e ripilivirina) para tratar pessoas com HIV tem ganhado cada vez mais força. Alguns estudos de vida real indicaram e igualdade de reposta com relação ao tratamento oral, ou seja, que o virus se mantém indetectável. Precisamos discutir a possibilidade futura de implementação em nosso país. E melhorar ainda mais a qualidade de vida para pessoas vivendo com HIV. Nesse estudo 90% dos participantes preferiram a combinação injetável.
2️⃣Já temos estudos fantásticos consolidando o uso de uma injeção bimestral para a PrEP (HPTN 083 e 084). Apesar disso temos enormes desafios de implementação e na CROI os obstáculos foram discutidos. Pessoas pobres, pretas , usuários de drogas e pessoas trans continuam invisíveis para essas ferramentas .
3️⃣Um antibiótico tem ganhado força como uma PEP com indicação para algumas ISTs, a doxiciclina (DoxPEP) com redução de doenças após seu uso como a sífilis e gonorreia. Porém ainda ficaram dúvidas se ele é recomendável qualquer paciente. Mas é uma promessa e os estudos vão continuar.
4️⃣Foram apresentados os resultados iniciais do que pode ser uma nova ferramenta contra a gonorreia: uma vacina preventiva baseada no meningococo (primo do gonococo causador da gonorreia), estudo conduzido por Molina um dos maiores nomes em pesquisa de PrEP e IST no mundo.
5️⃣Infelizmente o estudo MOSAICO foi interrompido para falta de eficácia. Tratava-se de uma grande força global de um estudo para uma vacina preventiva contra o HIV. Mas seguimos esperançosos com estudos sobre novas vacinas de mRNA.
6️⃣A Mpox (o novo nome para a antiga variola de primatas) pode ser muito grave em pessoas vivendo com HIV, especialmente quando o CD4 está baixo. Foi apresentado um estudo global que avaliou essa população. Apesar ter caído drasticamente o número de casos no mundo , a preocupação com a doença continua, principalmente por ainda não termos uma vacina em nosso país. Atenção para essa doença após o carnaval !
7️⃣Questões como ganho de peso e envelhecimento precoce em pessoas com HIV foram abordadas. A conclusão é que a dieta e as atividades físicas são tão importantes quanto uso diário do remédio. Preste muito atenção nisso!
8️⃣Alguns novos remédios para PrEP continuam a ser estudados, como o comprimido único mensal (islatravir, depois de uma interrupção) e uma injeção semestral (lenacapavir) . Outros ainda estão em fases iniciais, como o comprimido com ação retal e o implante subcutâneo.
9️⃣Tivemos novidades com relação a entender melhor os reservatórios do vírus HIV, local que chamamos de santuários. Eles podem fornecer pistas para estratégias em direção a cura. Caminho difícil, longo, mas possível.
?Também um importante estudo (TRUNCATE-TB) foi apresentado sobre a tentativa de diminuir o tempo de tratamento de 6 meses para 2 meses na tuberculose pulmonar com combinação de outras drogas.
Enfim, o congresso é uma inspiração para que a ciência continue forte e que essas tecnologias venham logo para o SUS.
* Dr. Álvaro Furtado da Costa é infectologista do CRT.