Preconceito, violência, falta de afeto, poucas oportunidades e estatísticas cruéis marcam a vida de travestis e mulheres e homens transexuais no Brasil e no mundo. As várias discriminações e a transfobia contribuem diariamente para uma série de violações de direitos humanos, principalmente no que diz respeito ao acesso à educação, saúde, mercado de trabalho e outros direitos básicos – o que se agravou com a pandemia. A exclusão social à qual essa população está submetida e as violências vividas fazem com que grande parte de seus adoecimentos seja relacionado a sofrimentos por condições sociais. O resultado é sem dúvidas a vulnerabilidade social. Por isso, neste mês de Visibilidade Trans (e em todos os outros dias), convido a todes a refletir sobre a cidadania desta população.
Segundo dados da ONG Transgender Europe, o Brasil é o país que mais mata, em números absolutos, pessoas trans no mundo. Pelo menos 175 mulheres transexuais e travestis foram assassinadas em 2020, de acordo com dossiê anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Além disso, dados da União Nacional LGBT apontam que a expectativa de vida de uma pessoa transgênero no Brasil é de apenas 35 anos. Dezoito anos após a criação do Dia Nacional da Visibilidade Trans, comemorado sempre em 29 de janeiro, ainda é extremamente grande a necessidade de implementação de políticas públicas para essa população.
Quando pensamos sobre a realidade da desigualdade existente no (Cis)Tema, nos deparamos com a invisibilização de pessoas trans, o cenário fica mais crítico quando acrescentamos os desafios que essa população vive quando está em situação de rua. É importante afirmar que antes mesmo do distanciamento social imposto pela pandemia de Covid-19, a nossa população trans já vivia o isolamento social diário, intensificando ainda mais as vulnerabilidades. Percebo, enquanto gestor de projetos sociais para pessoas trans, que falta vontade política para avançarmos na luta por políticas públicas afirmativas e direitos humanos.
Na cidade de São Paulo temos algumas políticas importantes, como o projeto transcidadania, de incentivo à educação, os nossos Centros de Cidadania LGBTI, as Casas de apoio e acolhimento de travestis e mulheres trans, como a Casa Florescer, entre outros. Mas é preciso avançar. Precisamos de uma política pública integral, que dê conta de todas as especificidades desta população. Por aqui, elegemos a primeira mulher trans negra como vereadora, a Érica Hilton, e temos muitas outras que podem ser eleitas e contribuir para que tenhamos uma cidade mais justa e cidadã, uma cidade que respeita a comunidade trans e pessoas LGBTQIA+.
Quando pensamos em acolhimento, existem grandes desafios a serem superados, como a questão religiosa, cultural e até financeira diante de tantos recortes sociais existentes.
Na saúde integral ainda nos deparamos com equipes despreparadas, sobrecarregando os estigmas. O cuidado à saúde da população trans dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) vem sendo repensado ao longo dos anos. Apesar de algumas conquistas, como a portaria de 2009 que colocou como um direito à saúde o uso do nome social no cartão do SUS e dentro dos serviços –, a população trans ainda sofre diversas violências nesses lugares. O desrespeito ao nome social é um exemplo, além do estigma e negligência no cuidado em saúde.
Desde 2020, temos na cidade de São Paulo um Protocolo para o atendimento de pessoas transexuais e travestis no município. Este documento traz diferentes exemplos da realidade que a população trans enfrenta nos serviços de saúde, o mais importante é que dá dicas para que os profissionais de saúde respeitem a população de homens e mulheres trans e travestis.
Sempre ouço das meninas que uma das necessidades de saúde específicas desta população é a oferta de hormônios para as pessoas que desejam transformar seus corpos. A dificuldade de acessar os cuidados em serviços de saúde leva à automedicação, na maioria das vezes com hormônios inadequadas, o que habitualmente acarretam muitos efeitos adversos e problemas de saúde. A hormonização é um direito dessa população, assim como qualquer outra demanda em saúde que possa ser apresentada individualmente.
As marcas das dores da própria existência são cada vez mais expostas e muitas acabam tendo como única opção de vida a dependência química, que ajuda minimizar as dores de existir em um país que nega seus direitos humanos.295
A população transexual enfrenta diversas barreiras que apontam para a necessidade de políticas públicas desenhadas especificamente para essa pessoas, visando a redução do abandono escolar e a ampliação do acesso à saúde integral. Ressalto aqui que muitas meninas sonham em ter um lar, com qualidade vida e um posicionamento no mercado de trabalho. Diante das adversidades existentes acabam tendo a prostituição como sobrevivência para questões essenciais ao ser humano.
Em mais este aniversário de São Paulo, em 2022, não há mais espaço para transfobia. A diversidade é plural, diversa e merece respeito.
Os alides ou população privilegiada devem entender e disseminar que o Direito a Vida é de todes.
* Alberto Silva, 47 anos, é administrador e articulador dos direitos LGBT+ e da população em situação de vulnerabilidade. Atua há 22 anos em projetos ligados à população em situação de vulnerabilidade social, de crianças a idosos em diversos aspectos. Atualmente é diretor da Casa Florescer – espaço de acolhimento para mulheres transexuais e travestis inaugurado em 2015 no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, que atende 30 mulheres.
Contato: cadiversidade@gmail.com