O governo federal anunciou no início do mês de janeiro, a inclusão de crianças de 5 a 11 anos no plano de operacionalização de vacinação contra a covid-19. As primeiras doses de vacinas contra a doença destinadas a crianças de 5 a 11 anos chegaram ao Brasil no dia 13 do primeiro mês do ano.

Crianças com deficiência e comorbidades foram as primeiras a entrarem na fila para a vacinação. Dentre elas, crianças que vivem com HIV. 

Marília* é mãe de Júlia* que tem 11 anos. Ela conta que o fato de os adultos da família já estarem vacinas não foi um acalento. “Só nós estarmos vacinados, me causou ainda mais angústia. É como se tivéssemos feito algo pela metade. Então, de nada adiantou pra mim.” 

“Foram duas angústias: as crianças não tinham a vacina e quando finalmente saiu a primeiras doses foram para adolescentes foi a partir de doze anos, o que aumentou a ansiedade, pensei, ‘meu Deus não é a hora dela ainda? Vamos ter que esperar mais quanto tempo?’ Agora com esses surto veio a notícia da vacinação que abarca a idade dela, finalmente.” 

Para que a filha se vacinasse, Marília* consultou a pediatra de Júlia*, mas não por questionar a vacina, e sim para saber como seria a resposta dela em relação ao HIV e outras comorbidades que a filha possui. 

A preocupação da mãe ganhou lugar porque além de a filha viver com HIV, ela também possui problemas respiratórios. “Foi algo surreal, porque a Júlia* já carrega um problema respiratório desde bebê, tivemos questões com asma e bronquiolite por exemplo. Então, essa questão sempre foi uma preocupação. Ela tosse e eu já me preocupo. Quando eu vi a notícia sobre os grupos de risco da Covid o medo triplicou. Isso ficou difícil pra mim, enquanto mãe. Cuidei para não nos expormos, cumprimos os protocolos.” 

“Sou uma mãe tradicional e sou à favor da vacinação, seja qualquer uma, não só da Covid-19. Sempre tive na cabeça que as vacinas são importantes para qualquer doença. Quando penso em doenças como sarampo, meningite, me dá calafrio. Quando chegou a Covid-19, esse calafrio triplicou. Então, se eu era uma mãe que dava vacina nos meus filhos, sempre foi pensando nesse cuidado e proteção que a vacina traz. Com a Covid-19 foi uma consequência. Não conseguiria fugir disso. Para mim, é algo óbvio.”, defende Marília*. 

Rotina na pandemia 

Além dos desafios desafios ao cuidar de Júlia*, Marília recebeu uma notícia que a deixou ainda mais atenta à saúde da família. Ela engravidou na pandemia. “Lembro que foi em 17 de março de 2020, a rotina mudou completamente. Eu estava grávida, era uma gravidez de risco e ainda trabalho em uma grande empresa”, conta ela que precisou construir uma nova rotina para além dos cuidados com a Covid-19. 

O processo de revelação do diagnóstico de HIV também foi atravessado pela pandemia. Marília levou a filha algumas vezes na psicóloga antes de a Covid-19 ter atingido o Brasil, no início do ano de 2020. “Ela chegou a ter algumas consultas presenciais, depois, tentamos online, mas sentimos que não havia surtido muito efeito. Não sabemos ainda avaliar se deu certo ou se vai dar certo, mas este ano precisamos retomar esse processo.” 

Cuidar dos protocolos contra Covid, as aulas online, a gravidez de risco, além do preocupação em revelar o diagnóstico para a filha, fizeram dos anos de 2020 e 2021, o que Marília reconhece como um “caos”.

Ela relata que sentiu muito medo de se expor, principalmente porque seu marido continuou trabalhando na rua. “Ele chegava e pedia para ele ir direto para o banho”, conta. 

Pós-Vacina 

“Que angústia saber que a vacina tinha que ser com essa demora. E agora tenho uma outra preocupação, porque a vacina é para crianças de cinco a onze anos e eu tenho um bebê de um ano. Então fico angustiada por saber que meu bebê está exposto.”

Após Júlia* ter tomando a primeira dose, Marília* sente que a primeira etapa foi concluída com sucesso, mas é apenas o início. “Não estou 100% aliviada. Diria que 50%, ela vai tomar a segunda dose em março e aí sim posso falar que estou aliviada. Eu mesma me sinto segura agora por estar com a terceira dose, o que me deixou confiante. Mas com minha filha só com uma dose, ainda não me deixa ter uma noite tranquila de sono.” 

“Agora ela vai voltar para a escola, então ela vai ficar exposta. Ela também já começou a brincar com as amiguinhas do condomínio. Então, a preocupação fica no ar o tempo todo. A vacina pra mim é tão importante ao ponto de me permitir dormir, ter uma noite de sono tranquila.” 

Júlia* também tem consciência da importância da vacina. “Apesar de eu não saber se ela vê tudo isso como um adulto, ela tem esse com conhecimento sobre a importância de todas as vacinas, e agora com a Covid esse entendimento ficou ainda mais claro pra ela”, diz Marília*. 

“Não consigo dormir, ter uma paz de espírito, ter saúde mental 100% se eu não vacinar meus filhos. Não existe essa possibilidade. Se meu bebê puder tomar, se as autoridades disserem que bebês podem tomar daqui a um tempo, vai ficar completa, vou estar tranquila quando isso acontecer, quando toda nossa família estiver com a carteirinha toda carimbada”. 

Às famílias de crianças com HIV

Marília acompanha de perto todas as notícias que surgem sobre HIV. “Em osso dia-a-dia, o HIV não muda em nada, mas eu como mãe acho que é natural termos uma preocupação. Estou sempre muito atenta às informações. Gosto de saber o que está acontecendo. Gosto muito quando aparece uma reportagem na TV que vai falar sobre a cura, ou sobre o tema. Sou atenada, porque convivo com o tema, então pra mim, tudo que é notícia é muito importante.” 

“Quero dizer para outras mães que lidam com crianças com HIV, para lidar com o vírus de maneira extremamente natural. Como mãe, tenho meus altos e baixos com relação a uma preocupação da doença na vida de minha filha. E estou sempre na torcida de um dia receber a notícia de que vai surgir um remédio que seja a cura.”

 

 

*Nomes modificados a pedido da família