O Relatório Luz 2021, organizado pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GTSC A2030), mostra que o Brasil não apresentou progresso satisfatório em nenhuma das 169 metas dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030, definida pela Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU) em 2015. De acordo com o estudo, que analisa o grau de implementação dos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) no país, das 169 metas, 54,4% estão em retrocesso, 16% estagnadas, 12,4% ameaçadas e 7,7% mostram progresso insuficiente.

O grupo de trabalho é composto por uma coalizão que atualmente reúne 57 organizações não governamentais, movimentos sociais, fóruns, redes, universidades, fundações e federações brasileiras. O documento destaca as dificuldades encontradas no acesso a estatísticas governamentais atualizadas, mas nem o que classificam como “proposital apagão de dados em curso” conseguiu ocultar o “drama vivido pelas parcelas mais vulneráveis da sociedade”.

“Com mais desmatamento e poluição, mais assassinatos de defensores/as de direitos humanos, mais ameaças a jornalistas, mais violências e mortes de mulheres, pessoas LGBTQIP+, povos indígenas, quilombolas e de pessoas negras; com menor participação social, mais militares em cargos civis e maior criminalização das organizações sociais e sindicais; com menos direitos, mais fome, trabalho infantil e igrejas fundamentalistas pressionando as esferas de decisão, o Brasil retrocede e, em meio a uma emergência sanitária sem precedentes, nega a ciência e suas responsabilidades, como mostra o estudo de caso sobre a região Norte”, pontua o texto.

Um quadro de retrocessos

O relatório foi lançado em audiência pública nessa segunda-feira (12) na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados. Integrante do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, Viviane Santiago, que integra o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, destacou alguns dos retrocessos.

“O ano de 2020 se encerrou com mais de metade da população do país (113 milhões de pessoas) em situação de insegurança alimentar, sem saber se teriam o que comer no dia seguinte. 19 milhões de pessoas passaram fome. Vale ressaltar que a fome atinge 10,7% das famílias negras, contra 7,5% das famílias brancas. Ou seja, a pandemia agrava a desigualdade social no Brasil”, disse.

O relatório mostra que 27 milhões de pessoas passaram a viver em situação de extrema pobreza, mais de 14 milhões de pessoas estão desempregadas, mais de 9 mil famílias foram despejadas em 2020, 5,1 milhões de crianças estão fora da escola e 39% das unidades escolares estão sem saneamento básico.

Entre as recomendações do estudo para que o Brasil cumpra o compromisso de erradicar a pobreza estão a revogação da Emenda Constitucional (EC) 95, chamada Lei do Teto, “para a garantia do mínimo de direitos e condições de vida digna para todas as pessoas”. Também defende a instituição de uma Renda Básica Permanente, a correção do auxílio emergencial para um valor mínimo de R$ 600 e R$ 1.200 para mães solo, e a revisão da política trabalhista e previdenciária.

“O que a gente apresenta, de fato, em resumo, é um país mais violento, com menor participação social, com menos direitos, com mais fome, com mais desemprego, trabalho infantil, com mais fundamentalistas ocupando as esferas de decisão e com um governo obviamente que nega a ciência e o resultado é um país que deixou de ser parte das soluções e se torna um problema para o mundo, de grande preocupação para a comunidade internacional”, sintetizou a coordenadora editorial do Relatório Luz 2021, Alessandra Nilo, na audiência pública.

“O relatório mostra a destruição incontestável de um conjunto de direitos que foram arduamente construídos nos últimos anos”, completou. Segundo ela, o resultado é fruto de ataques ao arcabouço legal e de proteção de direitos, da desregulamentação das instâncias fiscalizadoras e das políticas estratégicas e do fomento de políticas de austeridade. Alessandra Nilo pediu a aprovação pelos parlamentares do PL 1308/21, que nacionaliza a Agenda 2030.

Falta de dados

Coordenador da Frente Parlamentar Mista em Apoio aos Objetivos de Desenvolvimentos Sustentáveis da ONU, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) salientou que o Brasil caminha no sentido oposto ao dos objetivos de desenvolvimento sustentável, que estão assegurados na própria Constituição brasileira. “Nós temos problemas, no governo Bolsonaro, de coleta de informações para monitorar os objetivos”, destacou. Segundo ele, a coleta de informações está sendo feita pela sociedade civil, quando deveria estar sendo feita pelo próprio governo para auxiliar na formulação de políticas públicas.

Denise Dora, da organização não-governamental Artigo 19, acrescentou que falta financiamento para institutos de pesquisa e que “bases de dados estão sendo derrubadas”.

Redução de instâncias participativas

Já o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), apontou, entre os principais retrocessos, a redução dos espaços de participação e controle social no governo, como no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e outros conselhos e comissões. Ele salientou que diversos deputados apresentaram projetos de decreto legislativo para tentar reverter isso, mas esses projetos não tiveram apoio da ampla maioria da Casa.

Deputada Joenia participa de audiência pública on-line

Coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) disse que os povos indígenas estão entre os mais atingidos pelos retrocessos e muitas vezes não estão nem mesmo incluídos nos indicadores socioeconômicos, sendo invisibilizados. Entre os retrocessos, citou a aprovação do projeto que trata da exploração econômica em terras indígenas (PL 490/07) pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

Nenhum parlamentar da base governista compareceu ao debate de lançamento do relatório de desenvolvimento sustentável, que não teve também a participação de nenhum representante do governo.

Mais de R$ 22 bi destinados ao SUS ficaram sem uso na pandemia

Ainda de acordo com dados do Relatório Luz, cerca de R$ 22,8 bilhões autorizados em orçamento para uso do Sistema Único de Saúde (SUS) em 2020 não foram utilizados pelo Ministério da Saúde. A informação foi obtida por meio de dados oficiais da pasta.“O despreparo nacional para lidar com emergências de saúde foi ressaltado pela pandemia. Faltaram transparência e articulação entre o governo federal e os demais entes federativos e o Programa Nacional de Imunização (PNI) foi desestruturado”, explica Denise Dora. Para o GT, o recurso inutilizado poderia ter “aumentado o número de vacinas, kits de intubação, máscaras e leitos”.

Para Alessandra Nilo, os resultados mostram um cenário trágico e distante do ideal. “São dados oficiais estarrecedores e que mostram um Brasil cada vez mais distante do desenvolvimento sustentável, violando princípios constitucionais, violando direitos e desconstruindo políticas fundamentais para superação das desigualdades que marcam o país, hoje mais agravadas pelas crises de governança e pela pandemia. A fotografia é trágica e as consequências do que está acontecendo deverão ser sentidas por muito tempo”, pontua.

Nove dos 17 objetivos estão em retrocesso no país

O levantamento também registra o andamento da implementação dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU. Em pelo menos nove dos 17 objetivos, o Brasil apresenta retrocesso. O retorno do país ao Mapa da Fome e o crescimento da pobreza, por exemplo, é uma grave falha contra os ODS 1 e 2, que trata de erradicar a pobreza e a fome.

O grupo também percebeu que a política ambiental do governo Bolsonaro, “desregulamentada para promover interesses contrários ao desenvolvimento sustentável”, agride os ODS 13 a 15, que falam sobre medidas urgentes para combater a mudança do clima; o esforço para conservar oceanos e ações para proteger e recuperar o uso sustentável dos ecossistemas terrestres.

Já o ODS 16, que trata de promover sociedades pacíficas e inclusivas e proporcionar o acesso à justiça para todos tem sido ignorado pelo “evidente desmonte institucional e do Estado Democrático de Direito”, assim como as políticas de igualdade e de gênero que “regridem gravemente”.

Alessandra afirma que, além do número de ODS desrespeitadas individualmente, o retrocesso “trabalha” de maneira conjunta. “Como tratamos a Agenda 2030 como uma agenda integral e articulada entre si, é importante reforçar que o retrocesso em uma meta pode abalar várias outras”, frisa.

Recomendações da ONU

Representante da Delegação da União Europeia no Brasil, a ministra Ana Beatriz Martins disse que a crise atual merece atenção e que promover os ODS é um caminho para desenvolvimento inclusivo e sustentável e para enfrentar e responder às consequências da pandemia de Covid-19. O relatório traz uma série de recomendações para o País sair do quadro de crise, como revogar a Emenda Constitucional 95, do teto de gastos. Segundo ela, o Brasil assumiu o compromisso de “não deixar ninguém para trás” até 2030 ao assinar a Agenda 2030 da ONU, o que significa que todas as pessoas farão parte do processo de desenvolvimento.

A representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, Katina Argueta, salientou que a atuação do Parlamento também é fundamental para a execução plena dos objetivos de desenvolvimento sustentável.

Redação da Agência de Notícias da Aids com informações

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