No ano de 2016, durante o 10º Congresso Paulista de Infectologia, foi realizada uma mesa redonda chamada “Profilaxia Pré-Exposição ao HIV: Sim ou Não?”, em que dois especialistas debateram os benefícios e os riscos de uma eventual implementação da PrEP no sistema público de saúde brasileiro.

O “infectologista de acusação” apresentou todas as objeções clássicas dos haters da PrEP, como por exemplo a baixa adesão que seus usuários teriam aos comprimidos, o surgimento de cepas virais resistentes aos antirretrovirais, o alto custo da sua implementação, o abandono definitivo do uso do preservativo e a decorrente explosão na incidência de outras infecções sexualmente transmissíveis.

Do outro lado, o “infectologista de defesa” se esforçou para listar todos os diversos trabalhos científicos publicados até então, evidenciando a inquestionável potência da PrEP na prevenção do HIV e a não ocorrência das objeções apontadas.

Em 2016, fazia sentido existir uma seção como essa em um congresso científico, uma vez que os profissionais da saúde do Brasil ainda tinham dificuldade para se convencerem do impacto positivo que o uso da PrEP poderia ter na redução da ainda crescente incidência da infecção no país.

Já hoje, isso seria inaceitável. E o argumento maior forte para essa afirmação continua sendo a cidade de São Paulo.

A capital paulista se destacou no país desde o início da implementação da PrEP, no início de 2018, e tem sido um laboratório de Prevenção Combinada para o país. Só para se ter uma ideia, segundo dados do Ministério da Saúde, até o final de outubro de 2020, em São Paulo havia 5.183 pessoas fazendo uso de PrEP em acompanhamento pelo SUS. Esse número corresponde a um terço do total de usuários de PrEP de todo o país.

No último dia 1º de dezembro, data que desde 1988 é celebrado o Dia Mundial da Conscientização e Luta Contra a epidemia de HIV/Aids, foram divulgados os boletins epidemiológicos que atualizam os números da epidemia de HIV no país. E os números da cidade de São Paulo são impressionantes.

De acordo com o boletim municipal, durante todo o ano de 2019 foram notificados em São Paulo 2.946 novos casos de infecção por HIV. Em comparação com os anos anteriores, é possível verificar que desde 2017 houve na cidade uma redução inédita de 25% na incidência dessa infecção.

A queda na incidência é ainda maior (26%) entre os homens, grupo responsável por 81% das novas infecções do município, entre os quais em 71% das vezes a transmissão havia ocorrido por via sexual em relações com outros homens. A queda da incidência foi maior entre os homens gays não por acaso, mas porque esse é o grupo que mais acessa a PrEP na cidade. Cerca de 86% dos usuários de PrEP pelo SUS em São Paulo são homens gays e bissexuais.

As notícias são muito boas e devem ser comemoradas, afinal desde a década de 1980 o número de novos casos de infecção por HIV no município só vinha aumentando ano após ano. Mas não podemos deixar de alertar para o fato de o benefício da PrEP precisa ainda ser estendido para todos, sobretudo para a população com menos acesso à saúde e informação.

Em São Paulo, 73% dos usuários de PrEP tem nível de escolaridade superior completo e apenas 38% se identificam como negros. Enquanto isso, em 2019 a incidência de HIV foi mais de 3 vezes maior entre os autodeclarados pretos, quando comparados com os brancos.

Felizmente, depois do congresso paulista de infectologia de 2016, os gestores responsáveis pelas políticas de enfrentamento da epidemia de HIV em São Paulo acompanharam o “infectologista de defesa”, acreditando na PrEP e no que a ciência nos ensina. Por causa desse posicionamento que podemos hoje comemorar os bons resultados.

Parabéns, cidade de São Paulo. Continue com seu empenho para que possamos, dentro de mais alguns anos, finalmente controlar a epidemia de HIV/aids.

 

 

Fonte: Viva Bem - Ricardo Vasconcelos