Seis meses após o novo coronavírus chegar à Bahia, alguns pacientes de Salvador relataram como a Covid-19 impactou no tratamento contra o HIV, a exemplo da ausência de consultas e de realizações de exames para detecção da carga viral.

Além disso, os pacientes dividem entre si a preocupação sobre como o novo coronavírus pode impactar na saúde, caso eles sejam contaminados pela Covid-19.

De acordo com a infectologista Clarissa Cerqueira, mesmo estando com o vírus HIV, não há muitos indícios de que o paciente tenha complicações graves caso seja contaminado pelo novo coronavírus.

Segundo ela, os estudos até aqui pontuam que as chances de complicações, de evoluir para casos mais graves, são para os pacientes que, além do vírus, tenham também a aids, doença causada pelo vírus HIV.

“A complicação depende da aderência da pessoa ao tratamento. Para quem não usa a medicação de forma adequada, o paciente tem risco de ter complicações. De precisar de internamentos por causa da Covid-19, de terapia intensiva”.

“Ele entra no grupo de risco de uma doença mais grave. Isso foi mostrado em trabalhos, onde aparecem a que a prevalência da doença, da gravidade, foi maior nesses pacientes com aids”, falou a infectologista.

De acordo com ela, os pacientes com o HIV, mas que se tratam e tomam as medicações em dia, e que não possuem a aids, correrem riscos similares aos de pessoas que não têm o vírus.

“São duas fases: a pessoa que tem o vírus HIV, e tem o paciente que tem o vírus, mas que não usa medicação e evoluiu para doença, para fase aids. O paciente com aids é o que tem HIV e está com a imunidade baixa. Então, esse paciente que está na fase aids, tem risco de complicação, tem imunidade baixa. Tem risco de outras doenças associadas e de complicação por causa da Covid-19″, contou.

“Os outros pacientes, que só têm HIV, que a imunidade nunca baixou, que estão tomando os remédios normalmente, não têm o risco aumentado de complicações por causa do novo coronavírus. A orientação é sempre: ‘Faça a sua parte. Faça uso regular do remédio que sua imunidade vai ficar boa’. Se estão usando os medicamentos, serão as mesas precauções das outras pessoas que não têm o vírus”, completou.

Rotina médica durante a pandemia

O primeiro caso da Covid-19 na Bahia foi divulgado no dia 6 de março: uma mulher que tinha chegado da Itália. Após a confirmação de mais casos, segmentos do comércio foram fechados; o transporte intermunicipal e as aulas da rede estadual, por exemplo, suspensos.

Foi nessa mesma época que Moysés Toniolo, coordenador de direitos humanos da Rede Nacional de Pessoas vivendo com HIV/Aids+ Bahia (RNP), e que convive com o vírus há 23 anos, foi até Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (CEDAP) para uma consulta, mas não conseguiu atendimento.

“No dia 18 de março eu tive minha consulta cancelada e só pude fazê-la no dia 10 de julho. Então, só nos foi avisado sobre as mudanças na rotina dos serviços em que eu faço uso aqui em Salvador, no Cedap, no dia 18 mesmo, no dia da minha consulta”.

“Ninguém foi chamado para explicar sobre a situação, e nem consultado para a construção de alguma solução para os problemas que vinham depois”, contou.

Ele disse também que, na ocasião, não foi atendido pela médica habitual, mas por uma outra profissional. Desde o início da pandemia, vários infectologistas foram redirecionados para o tratamento do novo coronavírus. Até esta quinta-feira (17), o estado já tinha mais de 287 mil casos da doença.

“Eu não tive a consulta com a mesma médica. Foi uma outra médica que me atendeu muito bem, claro. Mas isso é um problema para outros pacientes”.

Uma paciente que preferiu não se identificar afirmou que também não teve atendimento com o médico que sempre a acompanhou ao longo do tratamento, o que causou um quadro de ansiedade no dia a dia dela.

Um outro paciente que também preferiu não se identificar, e que tem o vírus há três anos, relatou que, apesar de ter sido atendido, não saiu da consulta com uma guia usada durante o processo de marcação.

“Eu não saí com a data marcada para a próxima consulta. Isso ainda vai ser decidido. Vou ter que ficar tentando até conseguir. Antes, a gente saia do consultório com uma guia informando o mês que a gente teria que voltar. Com isso, um mês antes da consulta eu ia na unidade, levava a guia e marcava. Dessa vez ela não me deu nenhuma guia, não me deu papel nenhum. Ela só me falou de boca, mas não me deu nada formal. Eu vou ter que ir tentando até achar um horário. Tenho que entrar em contato até achar”, disse.

Esse mesmo paciente pontuou que não foi comunicado de nenhuma das modificações no processo de atendimento: nem quando eles foram suspensos, nem quando foram retomados. Ele comenta que sempre precisou ir atrás das informações.

“Eu que tive que insistir, perguntar, procurar saber. Eu não tive nenhum aviso sobre o retorno das atividades, eu que tive que ir atrás. A mesma situação das consultas. Não tive nenhuma informação. Não recebi ligação. Eu precisei procurar, eles não me ligaram. Se eu não procurasse, não teria retorno de nada”, contou.

Ainda de acordo com Moysés, houve problema também com os exames para a detecção da carga viral. Esse serviço também só retomou aos poucos. “Nesse tempo, de março até julho, eu não pude pegar meus exames de carga viral. Só fui fazer isso em julho”.

Conforme a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), o atendimento para os pacientes continuou de forma regular durante a pandemia nas unidades do município. Com isso, as pessoas puderam fazer teste rápidos sem nenhum tipo de interferência.

No caso dos testes positivo para o HIV, ainda de acordo com a SMS, os pacientes foram encaminhados para uma das três unidades de referência (Serviço de Atenção Especializada (SAE) São Francisco, em Nazaré; Serviço Municipal de Assistência Especializada (SEMAE), na Liberdade e Serviço de Atenção Especializada (SAE Marymar Novaes), no Dendezeiros), onde é feito o “tratamento integral da patologia, inclusive com a dispensação dos medicamentos retrovirais de forma gratuita”.

Fonte: G1