No dia em que o Ministério da Saúde divulgou os novos dados da epidemia de aids no Brasil, a Agência de Notícias da Aids recebeu na live “Os desafios e ações do governo durante a pandemia” o diretor do Departamento das Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, Dr. Gerson Pereira. O gestor falou sobre os desafios da luta contra aids em tempos de coronavírus, sobre a nova campanha governamental, vacina, garantiu que não há falta de antirretrovirais para as pessoas vivendo com HIV, pediu mais empenho dos estados e municípios no apoio ao trabalho da sociedade civil e adiantou que mesmo depois da pandemia, a recomendação será para que os serviços continuem dispensando antirretrovirais por 60 ou 90 dias, de acordo com o estoque. “A aids, quando bem tratada,  é uma doença crônica. O paciente não precisa ir ao serviço todo mês, só se tiver alguma intercorrência. Essa recomendação veio para ficar, mas precisamos ter medicamento.”

O Brasil registrou no ano passado a primeira redução no número de casos notificados de HIV em uma década, segundo dados do Ministério da Saúde. Atualmente, 920 mil pessoas infectadas pelo vírus vivem no país. A quantidade de casos notificados por ano de HIV vinha crescendo anualmente desde 2009. No ano passado, foram notificados 41.919 novos caso de infecção pelo vírus, contra 45.078 no período anterior, o que significa uma redução de 7%.

O índice de mortalidade também segue uma linha decrescente, atingindo os menores níveis da década, segundo a pasta. Em 2009, o índice de mortalidade por aids era de 5,8 por 100 mil habitantes; no ano passado, era de 4,1. “Essa redução se deu muito claramente pela testagem precoce e pela disponibilidade e a oferta de antirretrovirais para todos os pacientes diagnosticados. É importante ressaltar que o dado não é deste ano. Sabemos que no começo da pandemia de covid-19 o número de testagem caiu”, disse Dr. Gerson.

Dr. Gerson destacou ainda que 30% das mortes por aids estão relacionadas com tuberculose. “ Desde 2014 vou todo mês ao estado do Rio Grande do Sul. Ali morre muita gente por aids. São pessoas com diagnóstico tardio. Hoje, trabalhamos com comitês de mortalidade. Quero saber o motivo de cada morte. Quero saber também das pessoas que recebem o diagnóstico tardio e estão com o CD4 muito baixo, se eu não cuidar dela ela vai morrer. Temos que cuidar das pessoas que estão próximo de morrer.”

Em relação ao total de infectados pelo HIV no Brasil (920 mil), o Ministério da Saúde disse que 89% das pessoas com o vírus receberam o diagnóstico e que há um grupo de cerca de 100 mil pessoas que ainda não sabe que tem o HIV. Por isso, o tema da campanha deste ano é “previna-se, faça o teste; se der positivo, comece o tratamento.”

A trajetória

Com 35 anos de carreira no serviço público, dois quais 15 anos dedicados ao Departamento, Gerson Pereira já ocupou diversas funções no Ministério da Saúde, dentre elas a de coordenador nacional do Programa de Controle da Hanseníase e de diretor substituto do antigo Departamento de Aids e Hepatites Virais.

Para o gestor, o segredo para avançar na política pública é empenho e força de vontade. “Quando me formei em medicina um dos meus tios, que também era médico, já trabalhava no Ministério da Saúde. Na época eu estava fazendo dermatologia e ele me chamou para ir para a Divisão Nacional de Dermatologia Sanitária. Era 1994. A hanseníase era o carro chefe desse Departamento, não tínhamos tratamento e cura. Logo depois começaram a aparecer os casos de aids no Brasil. Comecei a ver de perto os ativistas de São Paulo vir a Brasília conversar com a Lair Macedo, responsável pela área de infecções sexualmente transmissíveis. Conheci Paulo Bonfim. Paulo Roberto Teixeira já era o coordenador do Departamento de Hanseníase no Estado de São Paulo. As pessoas começaram a se juntar para discutir o que era possível fazer para controlar a aids, uma doença nova.  Vinha Paulo Teixeira, Pedro Chequer, Ricardo Veronezi…”

Dr. Gerson lembrou que São Paulo foi pioneiro na construção de um Programa de Aids. Em seguida criamos no Ministério o Programa Nacional, com direção de Lair Macedo.

Parceiros importantes

Roseli Tardelli, diretora dessa Agência, quis saber como é a relação do Departamento com parceiros. “Nem sempre o governo federal tem uma relação cordial e tão próxima com os órgãos internacionais. Como tem sido a relação do Departamento com o Unaids, o Unicef?”

“Eles são parceiros importantes. Trabalhamos em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde, a Unesco, o Unaids, o Pnud. São vários órgãos das Nações Unidas que fazemos parceria. Recentemente chegou ao Brasil a Cláudia Velasquez, nova diretora do Unaids Brasil. Assim que ela chegou aproveitei para reafirmar a parceria e disse a ela que temos prioridades no país, como diminuir a mortalidade por aids, a transmissão vertical, trabalhar com as populações vulneráveis. O Unaids pode ajudar muito com campanhas, materiais informativos…”

De acordo com o gestor, nem sempre o trabalho acontece como deveria. “Nosso trabalho tem sido interessante, as vezes temos alguns problemas. O Unaids em Genebra publicou um relatório e disse que estava faltando medicamento para aids no Brasil. Fiquei louco da vida, isso não é verdade. Agora,  tudo que o Unaids for publicar sobre o Brasil eu quero ver antes para saber se concordo ou não. O Unaids já declarou que tem mais de 100 países que falta medicamento. Essa não é a realidade do Brasil, estamos fazendo até doação humanitária de medicamentos para América Latina e Caribe.”

Lançamento da campanha, incentivo a telemedicina e autoteste

Roseli perguntou ainda como foi construída a campanha de luta contra aids deste ano. “Sou epidemiologista e gosto sempre de olhar os dados. A pandemia do novo coronavírus nos pegou de surpresa. Em 8 meses, registramos 178 mil mortes em decorrência da covid-19. Tivemos 10 mil mortes de aids em 1 ano. Se a gente dividir por estado dá aproximadamente 500 mortes por estado. Isso é muito, ninguém pode morrer de aids e também não podemos ter transmissão vertical.”

Com a chegada da covid, segundo Dr. Gerson, muitos pacientes de HIV foram aos serviços de saúde. Os pacientes que tinham abandonado o tratamento queriam voltar a tomar o antirretroviral porque acreditavam que o medicamento poderia servir para a covid. Diminuímos o abandono.  Depois as pessoas começaram a desaparecer. Agora, nossa meta é usar a criatividade para apostar em telemedicina e realização do autoteste. O teste é importante para que possamos fazer o diagnóstico e o tratamento imediato. Essas também são medidas de prevenção. A pessoa com HIV indetectável não transmite.”

A pandemia

Diversos estudos já mostraram que a covid-19 impactou na luta contra aids, muitos países diminuíram, por exemplo, o número de testagem. Isso também vem sendo observado no Brasil. “Precisamos ampliar o número de pessoas testadas. Nos meses de março, abril, maio e junho diminuímos as prescrições de PEP e PrEP, mas já voltamos. A mendagem que deve permanecer é a de que existe uma pandemia, ela vai continuar existindo. Temos que conviver com ela e criar alternativas para diagnóstico e tratamento com ou sem pandemia.”

Grande entusiasta da humanidade, Dr. Gerson disse que a raça humana é uma raça importante e vai vencer mais esse obstáculo. “Em 1914, conseguimos escapar da gripe espanhola sem os recursos que temos hoje. No começo da epidemia de aids as pessoas tinham uma sobrevida de 5 meses. A raça humana consegue resolver o problema, eu confio.”

Vacinação de covid

“As pessoas vivendo com HIV/aids terão prioridade na vacinação de covid?”, questionou Roseli.

“Ainda estamos discutindo as estratégias. Temos um grande grupo debatendo o plano de vacina e as prioridades. No caso da aids, cada caso é um caso. Por exemplo, eu posso ter um paciente que está imunodeprimido e está dentro da prioridade, entretanto, essa pessoa está tomando medicamento e tem um CD4 alto, carga viral indetectável. Ai  você começa a pensar se vai dar a vacina para essa pessoa que está bem ou para um idoso de 80 anos.”

Ele continua: “Neste momento, a gente precisa priorizar quem está na linha de frente, os nossos profissionais de saúde. Quando a gente tiver vacina em abundancia vai ser para todo mundo. Daqui a pouco a gente vai ter uma vacina boa, eficaz e em quantidade suficiente para vacinar todo mundo”, ressaltou. “Vamos precisar ter muita criatividade para socorrer os que mais precisam.”

Falta incentivo financeiro para as ONGs

Outro assunto que teve destaque na noite dessa terça-feira,  de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra Aids, foi sobre a falta de editais para o fomento do trabalho das Organizações da Sociedade Civil. “Muitos ativistas reclamaram sobre a falta de verba para que as ONGs possam seguir com as atividades de prevenção. Você concorda, isso vai ser revisto?

“Temos dois editais com a sociedade civil. O orçamento do Departamento tem aumentado ao longo dos anos. Sempre repassamos parte verba para os Estados e Municípios. Chamamos de política de incentivo. Eles devem fazer editais como a sociedade civil, mas o que temos visto, com algumas exceções, é que os Estados não têm feito. O recurso está lá, ele existe”, disse o gestor, acrescentando que “a sociedade civil precisa ser incentivada, ela tem uma atividade importante e complementar ao governo.”

Ações

Roseli perguntou como a gente faz para ressignificar as ações de prevenção, ter tratamentos de ponta, com menos efeitos colaterais e preço justo no ano que vem. “Escuto muitas pessoas dizer que têm receio de interrupção do tratamento, de falta de medicamento.”

“As pessoas falam que o Departamento de Aids acabou em 2019, com o decreto, mas aumentamos o orçamento e estamos trabalhando. Quando vamos tratar uma doença como problema de saúde pública, a Organização Mundial da Saúde diz que a gente tem que trabalhar com a magnitude, a vulnerabilidade e a transcendência. Fazemos tudo isso aqui. Toda semana eu tenho uma reunião com a área de logística para verificar problemas futuros com medicamentos. Eu posso garantir hoje, 1 de dezembro de 2020, que temos medicamento até outubro de 2022. Temos orçamento, e eu, como servidor público, não vou deixar faltar medicamentos para aids, tuberculose e hanseníase.”

Sobre a nota que daria para a sua gestão esse ano frente ao Departamento, Dr. Gerson disse que seria entre 8 e 9 pelo esforço e comprometimento. “Tento me esforçar ao máximo. O meu empenho é muito grande para que as coisas aconteçam. Eu me daria uma nota de 8 a 9. Tenho 35 anos no Ministério as Saúde, não me lembro de ter tirado um mês completo de férias. Eu tenho muita vontade para que tudo dê certo.”

Na defesa do doutorado em epidemiologia/ Arquivo Pessoal

Desafios

Questionado sobre os desafios da gestão, ele disse que todos que trabalham com doenças crônicas atuam para que a atenção básica e o SUS caminhem. “O que seria de nós se não fosse o SUS em tempos de covid. SUS é também brigar para ter medicamento bons, seguros e baratos.”

Mensagem para pessoas com HIV

A live durou mais de uma hora e chegou ao fim com uma mensagem do Dr. Gerson Pereira as pessoas que vivem com HIV e uma homenagem ao Renato Girade, ex-diretor adjunto do Departamento de Aids, que morreu recentemente. “A raça humana é muito forte. Acredito que muito em breve teremos medicamentos para curar a aids. O Renato faz muita falta.”

Você pode rever a entrevista no Facebook da Agência Aids. Há uma seleção dos melhores momentos na TV Agência Aids. Também é possível ouvir por podcast.

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

Dica de Entrevista

Assessoria de Imprensa do Ministério da Saúde

Tel.: (61) 3315-3408