Quem já ouviu falar no GIV (Grupo de Incentivo à Vida) sabe bem que uma das características desta ONG é a solidariedade. A instituição nasceu no início dos anos 1990 para acolher e lutar pelos direitos das pessoas vivendo HIV/aids e populações mais vulneráveis à infecção pelo HIV, inclusive os adolescentes e jovens.  Não é à toa que a ONG mantém até hoje um núcleo especialmente para jovens que vivem com HIV, o Viver Jovem.

Com reuniões mensais de acolhimento, troca de experiências e apoio psicossocial, o Viver Jovem compartilhar com essa população ferramentas para o enfrentamento de questões relacionadas ao HIV/aids, como viver com HIV, prevenção, adesão, revelação do diagnóstico, sexualidade, relacionamentos, entre outras. Os encontros são presenciais e acontecem sempre no primeiro sábado do mês, na sede do GIV. A pandemia do novo coronavírus quebrou a tradição e desde março o acolhimento na instituição tem acontecido de forma virtual.

A Agência de Notícias da Aids convidou alguns representantes desta galera para a live “Os jovens do GIV e a vida durante a pandemia”. Eles falaram sobre os impactos do distanciamento social em suas vidas e sobre como a pandemia afetou as atividades do grupo. Logo de cara a jornalista Roseli Tardelli, diretora da Agência de Notícias da Aids, quis saber como eles chegaram no GIV.

A aniversariante do dia, Jennifer Besse, foi a primeira a responder. Ela tem 31 anos, nasceu com HIV e recordou que chegou a instituição há mais ou menos 10 anos, em uma fase dificil da vida. “Eu não tinha esperança de nada, sai no mundo para buscar pessoas como eu. Não lembro se alguém falou do GIV ou se encontrei a ONG pela internet. Fui recebida pela Andrea e comecei a participar de algumas atividades.” A ativista Andrea Ferrara é uma das facilitadoras do Viver Jovem.

Há um ano ela fala abertamente sobre sua sorologia. “Eu não sei o que é viver sem HIV, tinha medo de falar sobre o assunto, era um dor, um tabu. Eu queria conseguir falar com humor e alegria. Se eu tivesse falado abertamente antes não teria força na voz, seria forçar uma situação. Eu senti que era o meu momento de abrir a boca, me expor, eu tinha certeza que eu queria me expor. Eu tenho buscado sempre falar do assunto com humor, leveza, eu quero quebrar esse paradigma, o preconceito.”

Outro participante bem-humorado da noite foi o jovem Victor Bebiano. Ele chegou ao GIV a convite da Andrea. “Conheci o GIV por acaso. Estava na Paulista tomando chá no Sesc. Sentei de frente para Andrea. Ela olhou meu chá, perguntou do que era, olhei o chá dela, falamos sobre os nossos chás. Conversa vai, conversa vem, ela acabou me contando que trabalhava no GIV, uma ONG que acolhia pessoas vivendo com HIV/aids. Na hora, quase dei um berro no meio da praça de alimentação, eu disse a ela que tinha HIV e que queria conhecer e participar da ONG. Ela me passou o endereço, falou da reunião de jovens e eu fui. Foi incrível. Estou lá até hoje.”

Falando em Andrea, é quase impossível conversar sobre jovens do GIV e não incluir o casal mais festeiro da ONG, Andrea Ferrara e Ricardo Tomio. Andrea conheceu o GIV em 2001, quando ainda era enfermeira do Instituto da Criança. “Participei de um seminário na casa do Padre Valeriano. Este evento juntou ONGs, profissionais da saúde e universidades, acabei conhecendo o GIV. Participei de algumas atividades, me afastei e em 2005 voltei para o GIV no projeto que tinha com crianças e adolescentes. Estou lá até hoje.” Ela, ao lado do Tomio, facilita o acolhimento de jovens na instituição.  Tomio recordou que sempre acompanhou Andrea nas atividades da ONG, mas é oficialmente voluntário desde 2010. “Já participei de vários eventos do GIV, teve até a festa de São João + Positivo, fechamos a rua com barracas, foi bem legal.”

O advogado Thales Coimbra completou o time desta live. Ele contou que sempre atuou na luta por direitos humanos e LGBT. “Meu diagnóstico positivo que me puxou para a militância de HIV/aids. O fato de estar entre semelhantes me deixa à vontade para conversar e partilhar meus sentimentos, alegrias, sofrimentos.”

Jovens fortalecidos

De acordo com Tomio, quase 20 jovens participam do Viver Jovem.  “É cíclico, a nossa meta é para que os jovens se fortaleçam e sigam a vida. Não queremos que eles fiquem institucionalizados. Sempre que eles precisam, sabem que tem um porto seguro no GIV.” Andrea acrescentou que geralmente aparece na ONG jovem que participaram há muito tempo. “E é justamente isso que queremos. É um espaço de fortalecimento. Estamos lá para dá suporte.”

Andrea contou que o grupo até tenta ter um tema a cada encontro, mas que nem sempre flui. Quando tem gente nova todo mundo se apresenta. As vezes a pessoa que está chegando é um jovem recém-diagnosticado e para ele é importante saber a história de outras pessoas. Isso já uma parte do acolhimento. Normalmente tem um tema trazido pelos próprios jovens. Já rolou de tudo, desde como contar para o namorado que tem HIV, sigilo, como é o atendimento pelo médico, como que foi receber o exame, como é viver com HIV.”

A pandemia

Roseli perguntou aos jovens o que tem sido mais difícil na pandemia. Thales disse que sente falta do trabalho. “Também atuo como advogado no GIV. Sinto falta de estar lá, de encontrar o pessoal, comer hot-dog com o grupo. As pessoas se engam quando pensam que estamos o tempo todo conectados. A gente sente falta do contato humano. Sinto falta também da convivência com amigos. Isso é muito inerente a quem eu sou.”

Jennifer sente mesmo falta da rua. “Eu sou rueira, gosto da rua, da noite. As primeiras semanas da pandemia foram mais difíceis, agora me acostumei, já fiz de tudo: pintei parede, esfreguei o quintal, reboquei a outra parede. Fiz horta. Tudo que eu não conseguia fazer antes. Essa é uma parte boa. O ruim é ficar sem trabalho. Agora na pandemia está tudo barato e a gente não tem dinheiro para comprar. Muitas roupas pela metade do preço. Eu trabalho com eventos, sou DJ, fotografa, nas horas vagas consigo ganhar um dinheirinho com festas. No começo eu sofria mais, chamava meu namorado para darmos uma volta na rua, não conseguia ficar três dias em casa. Já estou há uma semana sem sair de casa.”

Para Victor, o mais difícil é não pode sair para fazer coisas do cotidiano. “Não sou de sair à noite, mas gosto de sair, ver gente, ir na Paulista 300 vezes e reclamar que não tem nada para eu fazer lá, mas ir de qualquer jeito. São coisas simples que a gente começa a dar mais valor. Tem muita coisa que eu odiava fazer e que agora eu quero fazer. Tenho muita saudade de ir no GIV. Até estou indo na ONG porque sou voluntário, mas estou lá sozinho, é triste, sinto muita falta da galera.”

Andrea se comprometeu a nunca mais reclamar e ir ao pilates. “Sinto falta de encontrar minha mãe e minha irmã. Falo com elas todos os dias, não vejo minha mãe desde março. Amo o Tomio, mas estamos 24 horas juntos desde março. Ainda bem que dá para ficar cada um em um canto da casa. Ele dorme até mais tarde, eu acordo mais cedo, tomo café sozinha. Também sinto falta do GIV. Estávamos até com uma sala nova, nos programamos para fazer um montão de coisas. Sinto falta de sair, eu sou a louca do café, gosto de ir ao museu…”

Aprendizado

Sobre o grande aprendizado desta pandemia, Jennifer falou que aprendeu a ter paciência. Victor disse que está aprendendo a buscar novos hábitos de vida. “Estou aprendendo o que fazer quando não tem nada para fazer. Pinto a unha, daqui dois dias pinto tudo outra vez, pinto o cabelo, reformei meu quarto, estou cuidando das minhas plantas, comecei a fazer exercícios em casa.”

Thales está focados em cursos online. Andrea revelou que até tentou meditar, respirar, mas desistiu. “Estou na fase de escutar as lives da Teresa Cristina. Aprendi que tem muita gente egoísta no mundo, enquanto estamos em casa quietinhos, tem pessoas saracoteando.”

Tomio explicou que o tempo livre que a pandemia tem proporcionado “está servido para me conectar comigo mesmos A correria do dia a dia nos faz esquecer um pouco da gente. Temo que pensar na saúde e nos cuidados.”

As notícias que mais impactaram essa galera durante a pandemia também foi assunto no bate-papo online. Jennifer disse que ficou feliz com os bons resultados da pesquisa de cura do HIV, anunciados na semana passada. “Eu tomo um remédio que estava em pesquisa, não conseguia me manter firme no tratamento, já estava muito doente, era uma pneumonia atrás da outra e esse medicamento salvou a minha vida. Em um ano, eu transformei 4 milhões de copias do HIV em um resultado indetectável”, comemorou.

O que mais impactou Victor positivamente nesta pandemia foi o lançamento do álbum da Lady Gaga. “Me alimentou neste tempo de isolamento.”

Thales ficou triste com a notícia que diz que a mortalidade pelo coronavirus é muito maior na periferia. “Isso mostra que a questão sanitária do Brasil está atrelada a desigualdade social. Parece que existem duas epidemias no país.”

A notícia que impactou Andrea negativamente é  de que tem gente que está indo no Palestra Itália assistir shows e filmes dentro do carro.”

Tomio está preocupado com as pessoas que acreditam em informações sem embasamento científico. “A gente da saúde sempre nos pautamos nas pesquisas. Tem gente que acredita em medicamentos que não tem bons resultados.”

Por fim, Roseli desafiou os participantes a encerrar o live com uma palavra. Jennifer disse amor, Victor, empatia. Thales optou pelo acolhimento, Andrea escolheu união, Tomio, resistência e Roseli finalizou desejando força a todo mundo.

Dezenas de pessoas acompanharam a live ao vivo. Para ver o rever o bate-papo acesse a página oficial da Agência no Facebook. Também está disponível na TV Agência Aids um vídeo editado.

 

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

 

Dica de Entrevista

GIV

Tel.: (11) 5084-0255