“Não é preciso desespero”, “É possível prevenir a Covid tomando todos os cuidados necessários”, “Não há evidências cientificas de que pessoas com HIV são grupo de risco para o novo coronavírus”. Essas e outras frases foram ditas na noite desta terça-feira (26), na Live “Vivo com HIV e superei a Covid”, realizada pela Agência Aids. A jornalista Roseli Tardelli entrevistou o ator e ativista Cazu Barroz, do Rio de Janeiro, que vive com HIV há quase 30 anos e no mês passado venceu a Covid. O cientista político Diego Callisto também participou do bate-papo ao vivo. Ele foi uma das primeiras pessoas com HIV no Brasil a falar publicamente sobre sua experiência no enfrentamento ao novo coronavírus. Diego soube em março que estava com a Covid-19 e contou que em cerca de 15 dias já tinha se recuperado de quase todos os sintomas.

“Desde que recebi o diagnóstico positivo para Covid-19, dificilmente saio de casa. Tento sempre otimiza meu tempo, inclusive para ir ao supermercado. Meus cachorros também estão confinados. Eu moro em prédio e sofri muita pressão da sindica para não sair do apartamento”, afirmou Diego.

Ele mora em Brasília, é casado, tem dois cachorros e mesmo distante das pessoas em tempos de pandemia da Covid-19, disse que recebeu muito apoio do companheiro, que está em São Paulo, da família que vive em Minas Gerais e dos amigos de trabalho. “Recebi muitas ligações de apoio, algumas tias até ligaram com recomendação de receitas caseiras para aumentar a imunidade. ”

Diferente de Diego que está totalmente isolado, Cazu, que vive no Rio de Janeiro, contou que tem saído muito, principalmente porque vive sozinho com a mãe idosa. “Eu tenho que fazer tudo: mercado, pagar as contas, mas sempre fico paramentado. Eu moro no epicentro da Covid-19, em Copacabana. No prédio onde moro já morreram três pessoas em decorrência dessa doença. Por aqui, já são centenas de infectados”, lamentou.

No início da pandemia, quando ainda não tinha sido infectado, o ativista contou que não se conteve e saiu por Copacabana fazendo lives para denunciar que as pessoas não estavam respeitando a quarentena. “Fui reconhecido nas ruas, as pessoas diziam que eu era grupo de risco por ter aids, que eu teria que fica em casa. Foi muita pressão até nas redes sociais. Eu ia para as ruas porque precisava comprar comida, passear com o cachorro. Minha mãe tem 80 anos, cuido dela e felizmente ela não pegou o coronavírus. Mesmo com dores no corpo eu limpava a casa. Teve dias que eu não consegui levantar a vassoura, mas não podia chamar ninguém para me ajudar. Nos dias em que fiquei muito ruim não precisei sair.”

“Fiquei com medo de falar com os vizinhos que eu estava com Covid porque sabia que já existia muita fofoca pelos corredores do prédio. As pessoas ficam te apontando nas ruas. Fiquei quietinho justamente para não sofrer discriminação e preconceito”, afirmou o ator.

Os sintomas

Cazu explicou que o primeiro sintoma que sentiu foi uma dor de cabeça forte. “A dor foi aumentando e começou a doer também o fundo do olho, depois veio a dor no corpo, na região lombar. Foi subindo para o pulmão. Fiquei bem preocupado e liguei para a minha médica. Expliquei que estava com sintomas estranhos, questinei sobre a Covid, mas ela sabendo sobre a minha prática de atividade física disse que poderia ser falta de exercicios.

As dores aumentaram. “Tive conjuntivite e liguei novamente para a médica, a Dra Márcia Rachid. Fiquei em contato com ela até que um dia eu tive febre, 38 graus, fora os outros sintomas. Eu não tive falta de ar, mas fiquei desesperado quando perdi o paladar e o olfato. Nesta fase, mesmo sem ter feito o exame, recebi a confirmação de que era Covid. Fiquei bem ruim mais ou menos por 15 dias, sem paladar, não conseguia comer direito, tudo tinha gosto de vinagre.”

Seu conforto veio quando leu um comunicado do Unaids. “A pesquisa deles dizia que no mundo as pessoas vivendo com HIV/aids eram menos vítimas do novo ocoronavírus, principalmente quem estava indetectável.”

Já Diego suspeitou que estava com o novo coronavírus quando ter febre e tosse seca. “Os sintomas vão se somando, por isso decidi não sair mais do apartamento. Quando me dei conta dos sintomas logo entrei em contato com o meu médico, tinha acabado de passar por uma cirurgia de via respiratória. Quando retornei ao consultório eu já não estava bem, o médico constatou que as minhas vias aéreas estavam muito inflamadas, na sequência já fizemos o teste para verificar anosmia, quando perde o olfato e o paladar. O médico acionou a minha infectologista. A coleta do teste para Covid e foi em casa.”

A experiência de realizar outro teste para diagnóstico remeteu Diego ao momento que recebeu o resultado positivo para o HIV. “Umas das sensações mais dificeis que passei na vida foi a de realizar o teste de HIV e aguardar o resultado. Eu nunca pensei que fosse viver essa sensação novamente, é muita pressão. Passa o mundo na cabeça, você vai a mil, vem a insegurança. O tempo em que fiquei aguardando a coleta do teste em casa me senti muito mal, fiquei ansioso. Ao fazer o exame veio o alívio, pelo menos não ia ficar sem diagnostico. Recebi o resultado positivo para Covid em dois dias. Foi um mix de sentimentos, fiquei preocupado, chorei. Minha infectologista me acalmou, disse que meu quadro clinico era bom, pois tenho boa adesão aos antirretrovirais.”

Segundo Diego, a cura da Covid é um processo. “Não é preciso desespero, mas as coisas não se resolvem de uma hora para outra. Não dá para falar fica confiante que tudo se resolve. Não é assim, é processual. Fui aprendendo a comemorar com as pequenas vitórias. No dia em que eu não tive febre, comemorei. No dia em que tive uma melhora das dores no corpo fiquei mais confiante…”

A falta de testes

No Rio de Janeiro, segundo Cazu, os testes eram ofertados apenas aos pacientes com sintomas graves ou aqueles que já estavam internados. “Não consegui fazer o exame, foi uma angustia muito grande. Busquei apoio no 136, do Ministério da Saúde. Eles me orientaram a não sair de casa, disseram para eu ir ao médico apenas se a minha febre aumentasse e/ou se eu tivesse falta de ar. Essa também foi a orientação dos infectologistas aqui no Rio. O Ministério me acompanhou por 20 dias, no último dia eles informaram que não me ligariam mais porque eu não tinha evoluído para a fase grave do novo coronavírus. Essa informação me aliviou.”

Insegurança

A maior preocupação de Diego foi o fato de ter uma doença sem tratamento. “Como oferece assistência assim? Os médicos me prescreveram medicamentos. Mas não temos até hoje nenhum tratamento de cura com evidência cientifica. Você precisa conta com o seu sistema imune e o seu metabolismo.”

Cazu também não ficou confortável com a situação. “Deu positivo para Covid e agora? Será que vou superar? Superei o HIV, em 1990. Lembro que vivíamos um cenário parecido com os dias de hoje, não tínhamos tratamento e exames. Acredito que venci a Covid porque tenho muita fé. Meu medo era a doença evoluir e eu ficar 20, 30 dias entubado, eu sabia que não ia resistir. Quando percebi que a doença não evoluiu, rezei muito e agradeci.”

Por mais de uma hora os entrevistados contaram suas experiências no enfrentamento do HIV e da Covid e dezenas de pessoas acompanharam a live nesta noite. Do Unaids, Ariadne Ribeiro, disse que ficou muito feliz em ver o depoimento do Diego e a recuperação dele. “Ele foi responsável por acalmar grande parte das pessoas vivendo com HIV/aids.”

A ativista Silvia Almeida também mandou seu recado: “cada organimos reage de uma forma a este vírus, isso é muito complicado.

Os próximos passos

Roseli quis saber dos dois o que fazer para ajudar quem está enfrentado a doença a se fortalecer e não deixar que o preconceito seja uma aliado da Covid-19.

Diego disse que tem recebido muitas mensagens de pessoas vivendo com HIV e que tem dúvidas sobre a Covid. “É uma oportunidade para desconstruir uma ideia discriminatória devido ao estigma que as pessoas estão criando em torno da Covid-19.” Ele lembrou que no HIV/aids há um apoio comunitário muito grande. Não temos um eixo comunitário da Covid-19. É muito dificil falar sobre assunto. O preconceito se fortalece a cada dia com todos os óbitos.”

Na opinião de Cazu, a experiência da luta contra a aids o ajudou a se munir de informações corretas sobre a Covid e prevenção. “Minha mãe mora comigo e fiquei com medo dela pegar, mas fiz tudo certinho, usei máscara e higienizei a casa toda. Temos que continuar usando todos os métodos de prevenção orientados pela Organização Mundial de Saúde.”

“Nós, pessoas vivendo com HIV/aids, temos médicos que cuidam da gente pelo menos a cada seis meses. Somos pessoas que têm a saúde avaliada pelo médico. Conheço gente com HIV no mundo todo e não tive notícias de quase ninguém que pegou coronavírus”, acrescentou Cazu.

Para Diego, o importante é ressaltar que não existem evidências cientificas de que os antirretrovirais combatem a Covid-19. Há algumas pesquisas, mas não podemos dizer que esses medicamentos podem ser usados no tratamento do novo coronavírus.”

O amanhã

Sobre o amanhã, Diego contou que espera uma vacina, já Cazu disse que seu desejo é não se infectar novamente. “Espero que tenhamos uma vacina disponivel como medida de saúde pública, um tratamento eficaz, cienficamente comprovado, que a gente consiga ter outras medidas de prevenção e que as pessoas consigam se conscientizar um pouco mais sobre a importância do isolamento, da higienização. Os cuidados vão além de se colocar uma máscara”, finalizou Diego.

“Espero uma humanidade mais humana, mais amor, mais solidariedade, menos preconceito e mais ações de prevenção”, concluiu Cazu.

Os sintomas do coronavírus são febre, tosse e falta de ar. Caso apresente os sintomas, a orientação é ligar 136 ou procurar uma unidade de saúde na sua cidade. Você pode assistir a Live na íntegra no Facebook oficial da Agência de Notícias da Aids.

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)