Nesta quarta-feira (28), comemora-se o Dia Mundial de Luta Contra as Hepatites Virais, dentro do Julho Amarelo, que foi instituído no Brasil para reforçar as ações de vigilância, prevenção e controle das hepatites virais. E o convidado da live desta semana da Agência Aids não poderia deixar de ser Jeová Pessin Fragoso, presidente do grupo Esperança, que já coleciona mais de duas décadas na luta contra as hepatites.

Presidente do grupo Esperança, Jeová nasceu na cidade de Santos, no litoral de São Paulo, e tem vivido lá praticamente toda a sua vida. Foi funcionário da Petrobrás e, desde jovem, já tinha o ativismo na veia, tendo participado da diretoria do sindicato de sua classe profissional por sete anos.

Diagnóstico

Recebeu o diagnóstico positivo para o vírus C em 1994, depois de uma doação de sangue para a mãe de um amigo.

Algum tempo depois, quando foi  buscar a carteirinha de doador, descobriu por uma funcionária do hospital que havia um problema com o sangue dele e que ele teria que passar por um hematologista. O médico explicou que ele tinha hepatite C e deveria procurar um especialista.

“Marquei um gastroenterologista e ele me examinou, meus olhos estavam amarelos – que hoje a gente sabe que se chama icterícia -, estavam urinando escuro, mas não estava sentindo absolutamente nada. Ele me falou que eu havia tido contato com o vírus da hepatite C, mas que era pra ficar tranquilo, para seguir minha vida normalmente, que não tinha problema nenhum. Não me falou se transmitia, se não transmitia, não falou nada. Saí do médico e segui a vida. Eu esqueci totalmente da hepatite e fui vivendo. Passaram-se cinco anos e eu senti algumas dores abdominais. Achei que fosse uma gastrite e realmente era, mas quando voltei a um gastro, contei que tinha uma hepatite C e descobri que a coisa não era bem assim”.

O médico prescreveu um exame confirmatório, que o plano de saúde dele, da Petrobrás, não cobria. O custo era de R$ 1.680,00 (hum mil, seiscentos e oitenta reais), isso em 1999. “Se a gente for relacionar com ativismo, a gente já tem isso dentro da gente, já deram dois sinaizinhos. Uma, a falta de comunicação do banco de sangue, a falta de conhecimento do primeiro médico que me atendeu, porque era um especialista que deveria estar atualizado. A gente perdoa um pouco, porque era muito recente, mas de qualquer forma, dizer que eu estava tranquilo…Já começou no banco de sangue, se ele não aceitou a doação…Eu peguei esse resultado desse exame por minha iniciativa, ninguém me comunicou, embora estivessem lá na doação os meus  dados, endereço, telefone. O próprio banco de sangue deveria fazer essa busca ativa, devia informar esse paciente que ele estava com algum problema, que o sangue não tinha sido aproveitado e tomar a alguma providência. Eu fui lá casualmente, porque quando fui visitar a mãe do meu amigo, ele me avisou que tinha uma carteirinha pra retirar. E a terceira coisa, eu tinha um plano de saúde top, que não cobria o exame mais complexo e na rede pública, nem pensar. Não existia um protocolo para a hepatite.”

Veio a confirmação do diagnóstico e o médico pediu a Jeová que fizesse uma biópsia hepática, que foi realizada no Hospital das Clínicas, em São Paulo.

Tratamento

“Quando fui buscar o resultado, sozinho, aí sim o mundo desabou. Eu, sem sintoma nenhum, tinha uma cirrose de último grau, isso em 1999. Perguntei ao médico se havia medicamento e ele respondeu que não, que eu teria que entrar na fila de transplante de fígado. Falaram muito educadamente, não foi frio assim como estou falando, explicaram muito bem, foram dois ou três médicos que fizeram uma abordagem legal em mim lá no HC, mas falaram que a única terapia que eu tinha era o transplante.”

Jeová retornou a Santos e entrou em uma fila que era de ordem “cronológica”. Isso também o incentivou a lutar. A lista priorizava quem estava primeiro na lista, não quem estava em pior condição. Hoje, após anos de luta, a lista é feita por “gravidade”.

“Dois terços das pessoas morriam na fila, infelizmente, há o problema da conscientização da população sobre a doação, só a família pode autorizar a doação, mas até hoje continua esse número terrível”.

Ele tinha, então, 42 anos e entrou em processo de depressão. Foi aposentado compulsoriamente pela empresa, recebendo salário integral.

Durante a espera pelo transplante, surgiram alguns estudos. Como ele já era paciente, o Hospital das Clínicas convidou Jeová para participar de um estudo de um medicamento chamado interferon. “Me aconselharam que seria mais eficaz se eu utilizasse um medicamento já aprovado pela Anvisa, mas que ainda não era disponibilizado pelo SUS, um antirretroviral, a ribavirina. Então, eu comecei a comprar, eram R$ 415,00 reais cada caixa que dava para 15 dias, um tratamento de um ano. Eu gastava R$ 830,00 por mês para ter a ribavirina, que aumentava um pouquinho a possibilidade de cura da hepatite C. A cirrose não iria regredir, mas poderia segurar. Mais um sinalzinho aceso: e as pessoas que não tinham esse dinheiro? Se comprassem esse medicamento, não comiam”, ressaltou.

Jeová começou o tratamento em 1999, emagreceu muito, e sofria diversas reações adversas.

Grupo Esperança

Ele interagia com outras pessoas em ambulatórios, do HC, de Santos, e elas estavam desesperadas para tomar o medicamento, brigavam com o médico e reclamavam que ele não prescrevia medicamento, que ficava enrolando.

Esse jovem médico do ambulatório do hospital regional, após a jornada de trabalho que tinha a cumprir, atendia gratuitamente. Ele montou uma liga com os estudantes da faculdade de medicina, ele como o único médico, para atender casos de hepatite.

Um dia, Jeová indignado com as reclamações, ficou esperando até o último paciente para entrar e conversar com esse médico, questionando o por quê de ele estar enrolando os pacientes. O médico respondeu: “Que bom que você está questionando isso, porque eu não consigo concluir o diagnóstico desses pacientes, eu não tenho exame de biologia molecular [PCR, o exame que Jeová teve que pagar R$ 1680,00], não tenho medicamentos para prescrever para esses pacientes, então eu fico monitorando para que eu possa, de alguma forma, ajuda-los e manter a qualidade de vida deles.”

Jeová ainda insistiu e disse ao médico para parar de enrolar e o profissional fez uma provocação: “Se eu começar a agitar muito aqui, nem esse ambulatório – tenho mais de duzentos pacientes, a maioria com hepatite C – eu vou  poder trabalhar. Você que não tem vínculo nenhum, faça alguma coisa”.

Assim surgiu o Grupo Esperança. O médico era o infectologista Evaldo Stanislau de Araújo, hoje uma referência mundial em hepatites e diretor técnico da organização.

O Grupo Esperança é uma organização não governamental de apoio aos portadores de hepatite C da baixada santista. Tem um cadastro de mais de 4 mil pessoas e um corpo de voluntários fixos de 32 pessoas.

Desde março de 2000, o grupo passou a ser apoiado pelo SindPetro – Sindicato dos Trabalhadores da Petrobrás. A estrutura envolve PABX, internet potente, uma sala fixa, teatro, estacionamento, limpezacom tudo que tinha direito: telefone, internet, estacionamento, entre outros itens.

A verba externa vem de projetos com a indústria privada ou pública, por meio de editais.

Grupo Esperança em ação comunitária e testagem com Federação Muçulmana do Brasil, no Jabaquara, SP

28 de Julho – Dia Mundial de Luta Contra as Hepatites Virais   

Roseli lembrou a data e informou que as hepatites constituem um problema de saúde pública a nível mundial e são consideradas uma das maiores epidemias da atualidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde, uma em cada três pessoas já foi infectada por algum tipo de hepatite viral e a maioria não conhece o diagnóstico, correndo o risco de a doença evoluir para uma doença crônica.

Hepatites nas Américas

Desafio

Roseli quis saber qual é o maior desafio quando se fala em hepatites no Brasil.

“Primeiramente, a imunização da hepatite B. A cobertura vacinal não atinge o objetivo, a vacina existe e é disponibilizada para qualquer idade, não requer prescrição médica, é só ir até uma UBS. A hepatite B é uma IST importante, altamente transmissível, por via sanguínea e não tem cura ainda. Tem uma vantagem: de cada 100 pessoas que não estão imunizadas e tem um contato com o vírus, em 90 o organismo cria anticorpos. Não vai poder doar sangue, mas não vai ter nenhum dano hepático. No entanto, 10% terão que fazer tratamento para o resto da vida. É perigosa, pode levar à cirrose, ao câncer e ao óbito. Mas existe a vacina. O jovem, principalmente, que está iniciando a vida sexual, deve tomar a vacina e é gratuita.”.

O ativista acrescentou que na questão das hepatites, o Brasil é o grande protagonista. “Ele tem medicamento incorporado pelo SUS, a compra é centralizada pelo Ministério da Saúde – o Estado só tem que se preocupar com a logística, a mesma coisa o município. Vamos ter aí um upgrade, na dispensação do medicamento, que vai ser agora pelo Siclom, na farmácia mais próxima, com segurança. É um grande protagonista da eliminação porque a prevalência da hepatite C no Brasil está bem mais baixa porque, diferente dos outros locais, a gente não tem mais o costume do usuário das drogas injetáveis.”

No entanto, Jeová disse que existe uma estimativa que de 500 a 700 mil pessoas no Brasil têm hepatite C e não sabem. “Então, tem que testar. A situação é essa: testar, tratar e curar. Hoje há mais de 95% de chance de cura. É um comprimidinho que está aí disponibilizado, por doze semanas, sem reação adversa nenhuma. Em relação à hepatite C, o Brasil está em um protagonismo muito importante dentro da meta da eliminação. Agora, não podemos esquecer que a hepatite C tem uma característica assintomática. Se você não se testar, quando descobrir poderá estar já com um grande dano hepático.”

 

Redação Agência de Notícias da Aids

 

Dica de entrevista

Grupo Esperança

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