A live desta terça-feira (20) da Agência Aids trouxe os criadores da web série “O Som das Décadas”, em um bate-papo originalmente transmitido dentro do projeto Cultura em Casa, do Museu da Diversidade. A jornalista Roseli Tardelli conversou com os atores e youtubers Drew Persi e Diego Krausz e com a publicitária e escritora Thais Renovatto.

A web série foi toda desenvolvida durante a pandemia e Diego contou que a gravação foi feita em apenas dois dias, com duas únicas locações: a casa da Thais e a dele. “Toda a pré-produção, a esquematização do projeto inteiro e a pós produção, cronograma de postagem, a gente fez online. Pra mim isso foi muito surpreendente, ver a capacidade que a gente tinha pelo virtual. A gente se reunia semanalmente e conseguíamos resolver tudo online”, explicou.

Segundo Drew, a ideia surgiu de uma conversa dele com o Diego e de uma inquietação que eles tinham, “uma necessidade de criar algo diferente do que a gente já vinha criando nesses últimos anos. No nosso trabalho como youtubers, a gente liga a câmera, às vezes, até sem roteiro e fala. E esse é o material sobre esse assunto que as pessoas encontram no nosso canal. Aí o Diego sugeriu que a gente falasse isso de uma forma mais dramatúrgica e que a gente chamasse a Thais. Adorei a ideia, por ser ator e amar dramaturgia, e pela Thais ser uma pessoa que a gente admira muito e com quem sempre houve uma conexão muito forte”.

Eles criaram um grupo no Whatsapp que foi batizado de “As superpoderosas”, porque eles ainda não tinham um nome para o projeto. Na primeira reunião pelo Zoom foram surgindo ideias sobre o formato e Thais sugeriu que falassem sobre as décadas, porque a pandemia do HIV já completava 40 anos. “E seria legal falar de uma forma mais enxuta, direta, mas também impactante.  Somos três pessoas, então resolvemos que cada um protagonizaria uma década e a última década a gente convidaria para ser o protagonista daquele episódio. Isso acabou não acontecendo, tivemos dificuldade em achar alguém e resolvemos que a última década seríamos nós três juntos. E aí veio o nome, o nome dos episódios. Parece que isso já estava muito pronto dentro da gente”, acrescentou Drew.

A gravação

Roseli quis saber mais sobre o processo de gravação.

Quem operou a câmera foi Diego, algumas vezes com a ajuda dos outros dois, mas a parte técnica, de visão de fotografia, foi dele mesmo. “É uma das coisas que eu mais me orgulho, do primeiro episódio, 1985, ele tem uma estética que é uma coisa que a gente fechou nas nossas reuniões, um visual muito antigo. É um episódio muito bom, muito forte, mas esteticamente é um dos meus preferidos”, disse empolgado.

A direção foi coletiva mas eles afirmam que foi mais o Diego o diretor. “A gente não teve tempo de fazer de fato uma direção de cena, de ator, porque a gente tinha pouco tempo e pouco recurso. Então, foi algo coletivo, a gente se ajudava, sugeria coisas e ideias e o Diego assinou a direção geral por ele ter feito todo esse planejamento de produção, ele já tinha na cabeça onde seriam os cortes, como iria fazer na edição, já foi dirigindo tudo pra gente ganhar tempo e a coisa ficar dinâmica”, comentou Drew.

História verídica

O primeiro episódio, protagonizado por Drew Persi, foca na década de 80, no início da pandemia.

Thais relatou que quiseram dividir a série nas quatro décadas, mostrando tudo de uma maneira real, muito fiel ao que foi, de uma maneira muito sucinta. E também delicada.  “Esta é que foi a sacada. Acho que muitas pessoas que vivem e convivem com HIV foram tocadas. Você tentar sintetizar isso é muito possível, mas quando você tem a vivência que é muito real, fica muito forte. A segunda década nos anos 90 fala um pouco mais sobre a curiosidade, as dúvidas, as perguntas. A minha personagem é uma mulher heterossexual que acha que isso nunca vai atingi-la porque é casada. E é muito bacana, porque a gente mostra que não é bem assim”.

“Quando a gente foi fazer o final dos anos 80, o Drew está em uma cama de hospital. A gente fez a maquiagem, ficou conversando e, depois que a gente acabou de grava a cena, baixou a energia dos três e a gente falou: era isso, a gente tá falando de uma realidade, de algo que aconteceu. Foi um momento em que todos nós caímos em si e nos demos conta que estávamos contando algo verídico”, ressalta Diego.

Roseli pontuou que a memória da aids é uma muito interessante de ser resgatada, registrada. “Primeiro, porque passa, porque tem que ficar ou pelo menos trazer para as pessoas perceberem a importância de tudo o que vocês têm feito no decorrer da trajetória de vocês. E em segundo, pelo que foi. Aquilo deu nisso, deu em vocês estarem vivo, estarem bem, estarem encarando o preconceito, o estigma, que acho que são os maiores desafios até hoje quando a gente fala de HIV/aids. É interessante como foi mudando no transcorrer das décadas, a vivência que eu tive de aids, o primeiro momento de tragédia, com muitas mortes. Depois, a entrada dos antirretrovirais em 1996, como trouxe possibilidade de ação e de vida para as pessoas”.

Tocando e transformando as pessoas

A jornalista quis saber o que mais sensibilizou os convidados no projeto.

Drew acredita que o que mais os tocou e continua tocando é a forma como a web série chegou nas pessoas. “E os depoimentos, os relatos que a gente tem recebido no privado, além dos comentários públicos de amigos e anônimos. Mas aquelas pessoas que ainda precisam se esconder, escreveram para a gente, com histórias muito impactantes e muito fortes. E cada relato trazia algum ponto relacionado a algum episódio específico. As pessoas ficaram tocadas com absolutamente tudo, mesmo quem não viveu a época de cada episódio.”

Para Thais, além desse alcance, o mais forte foi conseguir mudar pelo menos um pouco a percepção que as pessoas têm. “Como pode ter passado 40 anos e a gente ter a mesma cabeça, a mesma visão? Como pode em 2021 a gente ficar falando em talher separado, toalha separada, é um absurdo isso, a gente fala sobre isso ainda. Para mim, o mais incrível foi a gente falar um pouquinho que seja dessa evolução e acho que a gente conseguiu mostrar isso de uma forma muito fluida que as coisas passaram e a gente chegou em um ponto onde as coisas são diferentes. Não é mais como era nos anos 80. É esse o recado. Realmente as pessoas ainda morrem hoje, mas as coisas mudaram e você pode viver bem. Você quer coisa mais incrível do que eu, uma mulher com HIV, ter gerado uma criança?”

“O que o som das décadas trouxe para vocês?”, perguntou Roseli.

“Me revelou quantas pessoas têm o desejo de contar suas histórias. Não as pessoas que falam publicamente. Essas pessoas que não falam, não verbalizam as suas vivências sobre o HIV e nos procuraram e verbalizaram para a gente. Nós ficamos nesse lugar de ouvintes ao qual nos dispusemos, principalmente Drew e eu com nossos canais. Ouvir isso foi muito forte. A nossa situação a gente já entendeu, a gente sabe lidar com ela. Tem tanta gente que não sabe, tanta gente que não sabe por onde começar. A quantidade de pessoas que eu recebi dizendo ‘eu admiro a sua coragem e espero que um dia eu consiga falar abertamente de HIV como você’. Não pessoas que querem falar publicamente, pessoas que querem falar para as suas famílias, para os seus relacionamentos, seus amigos. Fico muito feliz que a gente tenha provocado essa fagulha’, revelou Diego.

Para Drew, o projeto trouxe a vontade de fazer ainda mais. “A certeza que eu estou fazendo exatamente o que eu vim fazer aqui nessa vida. Eu já tinha em mim que esse era o meu propósito, mas o Som das Décadas trouxe essa certeza, potencializou isso dentro de mim. Quero fazer mais, quero que essa pandemia acabe logo, eu quero fazer encontros presenciais, abraçar as pessoas, palestrar pelo Brasil todo, eu quero ouvir essas pessoas, quero que o Som das Décadas vire uma série que possa contar as histórias dessas pessoas. Isso seria sensacional. Imagine como vai ser para essas pessoas vendo suas histórias sendo contadas.”

Roseli observou que esse silêncio que ainda permeia a questão do HIV/aids é bem complexo.

Thais concordou e disse que as pessoas acham que não falando sobre, não existe mais o problema. “Tem pessoas que não conseguem nem compartilhar o vídeo para ninguém desconfiar que ela tenha. A pessoa curte o projeto e tem que falar escondido pra gente. Para muita gente ainda é muito difícil falar sobre isso. As coisas mudaram, hoje é uma condição de saúde crônica que pode ser controlada. Não é que a gente esteja banalizando. A gente não precisa mais ser demitido por causa disso, não ter relacionamentos por causa disso, isso é um detalhe. A gente quer explicar que para quem se trata, para quem tem acesso, as coisas fluem e tudo bem. Se você está passando por isso, você não está sozinho. Você mudando a sua cabeça, você vai mudar a cabeça de quem está à sua volta, você vai criando uma rede de apoio, de informação e de amor”.

Viver com HIV/aids no século XXI

Para finalizar, Roseli pediu para os convidados responderem o que é viver com HIV/aids no século XXI.

Thais Renovatto

“Desafiador, mas super possível, se você procurar os meios corretos. Mas mais do que tudo, você tem que se curar, entender, digerir, procurar respostas e aí você vai saber que pela medicina as coisas evoluíram e aí você consegue seguir com esse processo, se curar de dentro pra fora e viver super bem.  Não dá pra ficar apontando o dedo pra todo mundo, dizer que alguém teve o preconceito comigo, se às vezes a gente também tem muita dificuldade em se posicionar diante da vida. “

Diego Krausz

“A primeira palavra que me veio à cabeça foi ‘possível’ também. Viver com HIV hoje não precisa ser um fardo, ser um grande tabu. Não existem motivos em questões práticas para a gente temer o HIV. Existe o estigma, existe o preconceito, e é por isso que a gente está aqui. A gente está fazendo a nossa parte para eliminar esse estigma que não precisa mais existir.”

Drew Persi

Tem uma frase do Herbert Daniel que a gente usou em um dos episódios da web série que acho que responde isso. Se a gente tirar todo o estigma, todo o tabu, todo o preconceito, toda a rejeição, toda a discriminação, toda a marginalização, tuto isso que existe em torno do HIV, a aids vai ser apenas uma doença que a gente vai continuar contraindo, assim como tantas outras doenças. E uma hora ou outra, a gente vai morrer de alguma dessas doenças, todos nós. Se a gente tirar tudo isso, o HIV nada mais é que mais uma doença. Viver com HIV hoje em dia, é viver com qualquer outra doença se a gente tirasse tudo isso.”

Assista “O Som das Décadas” clicando aqui.

 

Redação Agência de Notícias da Aids

 

Dica de entrevista 

Drew Persi

E-mail: drewpersi@hotmail.com

 

Thais Renovatto

E-mail: thaisrenovatto@gmail.com