Especialista explica que o uso do anabolizante nandrolona é indicado apenas em caso de perda excessiva de peso e massa muscular em pacientes com HIV.

A busca pelo “corpo perfeito” pode trazer muitos danos à vida de quem se submete a tratamentos não recomendados, treinos excessivos ou substâncias proibidas. Mesmo não sendo um assunto novo, o uso de anabolizantes por quem busca essa idealização estética ainda é recorrente e carece de informação clara quanto aos danos e efeitos colaterais.

“Muita gente ganhou peso na pandemia, devido à dificuldade de fazer exercício físico pelo distanciamento social. Agora, com o retorno, as pessoas querem recuperar o tempo perdido e recorrem aos anabolizantes. As redes sociais também despertam muitos gatilhos pelo culto ao ‘corpo perfeito’, o que pode ser inatingível para muitas pessoas porque às vezes outros fatores interferem no resultado da musculação, como a genética”, afirma a infectologista, nutróloga e membro da Sociedade Brasileira de Infectologista (SBI), Erika Ferrari.

A especialista ainda afirma que o uso de anabolizantes para fins estéticos não é permitido: “Não há nenhuma recomendação de uso em nenhuma sociedade médica. A prescrição desses hormônios se direcionam mais para pessoas que têm deficiência deles no organismo. O que se faz nesses casos é uma reposição desses hormônios, caso se comprove laboratorialmente que existe a deficiência”.

Qual é a relação do HIV com os anabolizantes?

O avanço da terapia antirretroviral – combinação de medicamentos que agem para inibir a multiplicação do HIV no organismo – representa um grande marco frente ao controle do vírus e trouxe uma melhora significativa na vida das pessoas que estão infectadas.

Com disponibilidade no Sistema Único de Saúde (SUS), o acesso à terapia se tornou gratuito e nacional, trazendo mais possibilidade de estabilidade na vida de quem é portador do vírus do HIV . Com isso os quadros de caquexia – perda excessiva de peso e massa muscular – se tornaram bem menos frequentes se comparados ao início da epidemia na década de 1980, e são nesses casos, hoje raros, que é possível a utilização de anabolizantes no tratamento de HIV.

“Com o avanço da terapia retroviral é muito difícil um paciente com HIV apresentar um quadro de caquexia. Caso haja a necessidade, e geralmente em um paciente que não faz o tratamento de controle do vírus, utilizamos basicamente a nandrolona [hormônio anabolizante], mas não a testosterona [hormônio masculino]”, explica o presidente do Departamento de Endocrinologia Feminina, Andrologia e Transgeneridade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Alexandre Hohl”.

Contudo, o especialista salienta que é um “cenário delicado” e que é preciso sempre “colocar a relação custo x benefício antes de se decidir qual hormônio utilizar”.

“Os estudos comprovam que a nandrolona é a menos androgênica, ou seja, ela pode ser usada em crianças, homens e mulheres”, diz o médico, que completa: “É importante frisar que o grande motivo da aplicação do hormônio nesses casos não é o HIV em si, mas sim a caquexia”.

O uso correto do termo “anabolizante”

O termo

O termo “anabolizante” se refere ao uso excessivo do hormônio masculino, a testosterona. Hohl salienta ainda que muitas vezes há um equívoco na utilização do termo “anabolizante”, que nada mais é uma referência ao excesso no aplicação do hormônio masculino – a testosterona – no corpo.

“A testosterona é um hormônio fundamental para o homem, já que ela define questões corporais relacionadas ao sexo masculino, como barba, pênis e ereção, por exemplo. Neste sentido não estamos falando de gênero, mas apenas de estrutura corporal”, explica o especialista, que continua descrevendo que os hormônios fazem duas ações importantes para entender a questão do anabolizante: o anabolismo e o catabolismo.

“O hormônio faz anabolismo [construção de complexos orgânicos no organismo] e catabolismo [processo que quebra compostos complexos para que se transformem em compostos simples]. A palavra anabolizante nada mais é do que uma atribuição ao excesso do uso de testosterona, ou seja, um excesso de anabolismo, de construção de tecidos no corpo”, define.

Assim como a infectologista e nutróloga Erika Ferrari, o médico da SBEM afirma que o uso anabolizante da testosterona sem acompanhamento médico não é recomendado, mas que o hormônio é “fabuloso para tratar doenças, porém apenas quando é aplicado em doses certas”.

Efeitos colaterais

Um estudo realizando pela Universidade de Copenhague, na Dinamarca, com fisiculturistas amadores revelou que homens que utilizam ou fizeram uso de anabolizantes podem ter disfunção testicular por anos, inclusive mesmo em casos que ocorreu a interrupção da substância há mais de dois anos.

Em situações mais graves, a substância levou à infertilidade do atleta. O estudo foi publicado em março do ano passado, no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, e acompanhou 132 homens entre 18 e 50 anos que fizeram ou fazem treinos de musculação de maneira recreativa.

A busca pelo

A médica Erika Ferreira reforça os possíveis efeitos colaterais que o uso excessivo de testosterona, a forma anabolizante, pode trazer para o organismo.

“O primeiro sintoma, que geralmente é o mais comum, é a agressividade. Pode acontecer também queda de cabelo, além da pele ficar oleosa e acabar gerando acne. Pode ocorrer atrofia de testículo também e aumento da libido, mas com ejaculação fraca em homens”, diz.

A especialista ainda explica que, a longo prazo, as inserções de testosterona em altas doses podem fazer com que o organismo pare de produzir o hormônio naturalmente, o que só pode ser desfeito a partir de um tratamento.

“O nosso corpo é inteligente. Quando você injeta doses excessivas de um determinado hormônio que o próprio corpo fabrica, ele entende que não precisa mais produzir a substância e para de fazer. O fato de você interromper o anabolizante não vai fazer o corpo, automaticamente, produzir a substância novamente. Nesse caso é necessário um tratamento para estimular a produção natural novamente”, conta.

A especialista lista também os efeitos mais perigosos: “Alterações no fígado, aumento da pressão arterial, aumento da produção das células vermelhas – que pode aumentar o risco de trombose -, risco de infarto e derrame, diminuição do colesterol bom e aumento do ruim, aumento da mama nos homens e encurtamento nas mulheres e aumento do clitóris das mulheres”, diz Erika, que finaliza informando que a longo prazo há a possibilidade ainda de surgir câncer no fígado.

O site da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) descreve outros efeitos negativos, como “paranoia, alucinações, psicoses, coágulos de sangue, retenção de líquido no organismo, aumento da pressão arterial e risco de adquirir doenças transmissíveis (Aids e hepatite)”.

O portal especifica que, no caso das mulheres, pode haver o “engrossamento da voz e surgimento de pelos além do normal “, além de “irregularidade ou interrupção das menstruações” e “aumento do apetite”. A SBEM ainda salienta que em adolescentes o uso excessivo de testosterona pode ser ainda mais grave.

“Comprometimento do crescimento, maturação óssea acelerada, aumento da frequência e duração das ereções, desenvolvimento sexual precoce, hipervirilização, crescimento do falo (hipogonadismo ou megalofalia), aumentos dos pelos púbicos e do corpo, além do ligeiro crescimento de barba”, informa.

Fonte: IG Queer