Em 2020, o Dia das Mães caiu bem no início da pandemia de Covid-19 no Brasil. Na época, o país tinha cerca de 11 mil mortes confirmadas pela doença e especialistas já alertavam que as pessoas deveriam ficar em casa, sem reuniões familiares.

Um ano depois, com mais de 410 mil brasileiros mortos pelo coronavírus, as recomendações seguem as mesmas. Mesmo com a campanha de vacinação já implementada, os encontros devem ser evitados e as medidas não farmacológicas não podem ser esquecidas: ambientes ventilados, uso de máscaras, distanciamento social e higiene das mãos.

O G1 perguntou a cinco especialistas como eles vão passar o Dia das Mães. Eles também fizeram um alerta sobre a pandemia: não é hora de aglomerar.

‘Encontro na calçada’

Lucia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e professora de epidemiologia, mora com a filha de 25 anos. Os pais moram no mesmo prédio e já estão vacinados. Mesmo assim não haverá encontro com toda a família.

“No ano passado a gente fez só por vídeo e esse ano será a mesma coisa. Toda a família vai se reunir por videoconferência. Eu estarei em casa, com a minha filha. Meus pais já estão vacinados e nós moramos no mesmo prédio, o que diminui a exposição, já que a mobilidade é menor. Vamos nos encontrar na rua, na calçada, de máscara e mantendo o distanciamento para conversar um pouquinho. Vou comemorar com a minha filha em casa e depois vamos encontrar a vó, mantendo a distância.”

“Eu acho bem importante entender que o final dessa pandemia também depende de nós. Usar máscara, manter o distanciamento e cuidar da ventilação são as três coisas que nós podemos fazer. Quando aglomeramos, estamos colocando a mãe em risco. É muito importante que a gente expresse o amor de outras formas, não precisa da presença física. Você pode expressar o amor à distância. Se a gente quer evitar uma piora que está se configurando, eu acho que é muito importante a gente amar à distância nesse Dia das Mães”, diz.

“Como mãe posso dizer que o melhor presente é ter os filhos em segurança.”

A professora de epidemiologia também faz um alerta sobre os idosos que já foram vacinados. “A vacina reduz muito o risco de infecção. Mas como estamos em um contexto de muita transmissão ainda, o vírus está circulando muito, a vacina não reduz o risco para zero. Quem tomou a vacina não está liberado. Às vezes, o idoso fica com a ideia de estar livre para ver a família, os netinhos… Pode ver, mas com os cuidados: máscara, distanciamento, ventilação”, finaliza.

Reencontro após 15 meses

Jamal Suleiman, infectologista do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, perdeu o irmão e a cunhada para a Covid-19. Ele conta que, depois de 15 meses, vai reencontrar a mãe, de 84 anos, neste domingo (9).

“Eu uso todos os EPIs, não circulo e estou imunizado. Minha mãe está isolada desde fevereiro/março do ano passado. Ela recebeu duas doses de vacina e segue mantendo o isolamento. Ela perdeu o filho mais velho, meu irmão, para a Covid-19 e não pudemos estar juntos nesse momento, como em todos os outros. Isso tem sido muito difícil para ela e eu vou ficar com ela esses dois dias. Eu estou deixando a minha mulher, que é avó também, minha neta, que será o primeiro Dia das Mães falando, mas a gente precisa fazer isso”, conta o médico.

“Serão dois dias, mas o suficiente para a gente poder trocar afeto, que é o que interessa.”

“Minha mãe faz tudo o que eu falo. Ela não tira a máscara em hipótese alguma. Ela é uma excelente cozinheira. E desde o ano passado, as amigas todas estão escondidas. Mesmo vacinadas, elas não se encontram. ‘O Jamal fala que é pra ficar aqui’, e elas ficam.”

O infectologista lembra que o Dia das Mães é um evento social, por isso devemos minimizar os riscos.

“As pessoas mais velhas estão sendo imunizadas e isso reduz a chance de doença grave. Mas precisamos considerar que filhos e netos ainda não estão imunizados e é aqui que reside o risco. O Dia das Mães é um evento social, muita gente quer ver o sorriso da mãe, quer dar um beijo na mãe. Nesse contexto, você precisa entender que, se você tirar a máscara, e você for o portador do vírus, sua mãe está em risco.”

“Se você está isolado e sua mãe isolada e imunizada, cria uma situação de mais conforto, risco menor. Não existe risco zero, mas é mínimo. Agora, se você não está isolado, o risco é muito alto. Qualquer aglomeração que coloca duas pessoas em uma proximidade menor que um metro, já é um risco. Você vai falar, comer, rir, cantar. É um encontro social. Isso é um risco grande”, completa Suleiman.

O Dia das Mães pode dar início a uma nova onda de contaminações, diz o infectologista. “Todos os rituais que contam com pessoas representam riscos. Se as pessoas não entenderem a importância dessa mensagem, agora os pais vão passar a enterrar os filhos, que é tudo o que não queremos. Não se trata de restringir por restringir.”

“Precisamos ter responsabilidade. Está com o desejo [de encontrar sua mãe]? Ele é válido. Agora, cuide-se, se organize. Nós já sabemos qual é o período de incubação, qual a margem de segurança para fazer esse encontro. Preste atenção nos detalhes e dá para fazer isso [encontrar a mãe] de maneira adequada”, finaliza o infectologista.

Vacina não é passe livre para encontros

A infectologista do hospital Sírio Libanês, em São Paulo, Mirian Dal Ben, tem dois filhos e já está imunizada. Mas ela alerta que isso não é passe livre para os encontros. Assim como em 2020, o Dia das Mães desse ano será virtual.

“Minha mãe e minha sogra já tomaram a vacina. Eu estou vacinada, mas as crianças ainda não e estão indo para a escola. A doença está circulando bastante e a gente sabe que a vacina protege contra as formas graves da doença, mas mesmo assim você pode ter Covid assintomática e transmitir. Por isso, a gente vai continuar fazendo esse isolamento social. Vamos passar o Dia das Mães só na nossa bolha, no nosso núcleo familiar”, conta a infectologista.

“Será mais um Dia das Mães sem ver minha mãe pessoalmente.”

“Vamos falar por mensagem. Já encomendei um presente pra ela com recadinho e uma foto das crianças, mas optamos por passar um Dia das Mães um pouco mais seguro e sem dar chance para o vírus ser transmitido, não dar chance para essa cadeia de transmissão se perpetuar.”

Ela alerta que o Dia das Mães em 2021 será em uma situação epidemiológica (os números no Brasil seguem altos) bem mais complicada do que 2020. “Não faz sentido a gente relaxar ainda, mesmo os pais já estando vacinados. Ainda temos que esperar um pouquinho.”

“Se a pessoa fizer questão de ver a mãe, deve tentar minimizar os riscos: ver em um ambiente aberto, respeitando o distanciamento social, usando máscara, ficando distante na hora da alimentação. O risco é maior se você optar por ir ao restaurante, onde tem mais pessoas e, geralmente, o ambiente é fechado. É uma régua do risco: tem o risco menor e assumir o maior. Cabe a nós escolher qual o risco que vamos correr, estar ciente do risco, dentro das possibilidades que temos. Dar uma festa não é correto e nem permitido. Fazer uma festa com 20, 30 pessoas não é permitido”, completa Dal Ben.

Comida de mãe delivery

Ethel Maciel, epidemiologista da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), também vai passar com o núcleo familiar. Ela tem três filhos – dois moram com ela e outro fora do país – e ainda não foi vacinada. Os pais, maiores de 85 anos, já tomaram as duas doses.

Ela conta que a família sempre foi adepta de grandes comemorações, mas que esse ano não será possível. “Sou a caçula de seis irmãos. E eu sou aquela que vai impedindo as pessoas de fazer as coisas. A família pergunta: a Ethel deixou? Não deixou. Cada um vai passar na sua casa.”

“Minha mãe vai fazer o almoço e os filhos vão pegar a comida gostosa da mamãe.”

“Meus pais sempre reuniram toda a família. Minha mãe sempre cozinha, tem 85 anos, mas sempre cozinhou e cozinha. Ela vai fazer o almoço e meus irmãos que moram próximo vão pegar a comida e levar para casa para comemorar com os filhos que moram com eles. É assim que a gente vai passar: sem aglomerar, mantendo o distanciamento físico e buscando a comida de máscara”, diz a epidemiologista.

Maciel diz que é hora de proteger a família, mesmo que todos estejam imunizados. “Precisamos fazer assim [sem aglomerações] para proteger os nossos familiares, mesmo os que estão vacinados. Precisamos continuar com as medidas de prevenção.”

Só o núcleo familiar

A mãe do médico Renato Kfouri, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), faleceu no meio da pandemia de Covid-19. Ele mora com a esposa, a sogra e com uma das filhas. Neste ano, mesmo depois de ter tomado a vacina, a comemoração será só com o núcleo familiar.

“Nós já tomamos as duas doses da vacina [Kfouri, a mulher e a sogra]. Mesmo com a vacinação, não vamos aglomerar. Passaremos minha sogra, minha esposa e minhas duas filhas. Seremos só nós. Nosso núcleo doméstico e minha filha que vai vir, que está bem isolada. Ela é psicóloga e já tomou uma dose da vacina”, conta.

Em outros anos, a reunião familiar era maior. “Minha esposa tem uma irmã, com três filhos que estão na escola. Então não vamos juntar. Se fosse antes, o almoço seria com a família inteira – meu irmão, minha sogra, cunhada. Esse ano ficaremos separados.”

“Nós nos acostumamos com os números. Agora, estão morrendo três mil pessoas por dia. Em 2020, estávamos com 11mil [nessa época].”

Kfouri faz um alerta: não é hora de aglomerar.

“A experiência já mostrou: na hora que você fala ‘podemos voltar a liberar o bar, vamos parar a restrição’, isso é muito mal compreendido pela população. As pessoas enchem o bar, fazem festa, lotam as praias. Não tem uma volta escalonada e as recomendações não são obedecidas. Ainda estamos em um nível [de casos e mortes] muito alto. Daqui a pouco vamos estabilizar em um número perigoso. É muito alto para falar em relaxamento, movimentação. Tememos que o Dia das Mães seja mais um gatilho para outro crescimento de casos.”

Fonte: G1