Devido a pandemia do novo coronavírus, o Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra Aids) realizou, na última quinta-feira (28), mais uma reunião ordinária online. O grupo falou sobre os desafios da sociedade civil frente a pandemia, conheceu o campo de atuação da Aids Healthcare Foundation (AHF) na cidade de São Paulo, se atualizou sobre os resultados da pesquisa sobre PrEP injetável e debateu os desafios no enfrentamento da tuberculose.

O diretor AHF no Brasil, Beto de Jesus, explicou que a ONG trabalha para acolher pessoas em situação de vulnerabilidade social, na ampliação do diagnóstico precoce do HIV, no início imediato do tratamento e na prevenção das ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), a instituição acompanha o atendimento de mais de 57 mil pessoas pelo Brasil.

Em São Paulo, em parceria com os Programas Estadual e Municipal de DST/Aids e a Faculdade de Medicina da USP, a instituição atua no projeto de pesquisa sobre vinculação e retenção em serviços públicos de saúde. “Essa pesquisa, que vai até 2022, quer identificar qual é a frequência dos usuários nos serviços de aids de São Paulo e queremos saber se há barreiras de acesso”, disse Beto.

De acordo com o militante, “a vinculação e a retenção de pessoas vivendo com HIV no seguimento clínico influenciam diretamente a efetividade dos antirretrovirais. No Brasil, estima-se que cerca de 20% das pessoas recém infectadas demoram mais de 6 meses para iniciar a terapia antirretroviral após o diagnóstico e 52% que já conhecem o diagnóstico não estão em uso da terapia antirretroviral”, explicou.

A pesquisa na cidade acontece em 9 serviços de DST/Aids: no CRT (Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids), que é do Estado, e nos SAEs (Serviços de Atenção Especializada em DST/Aids) Betinho, Campos Elíseos, Cidade Líder, Lapa, Freguesia do Ó e Cidade Dutra, além dos Centros de Testagem e Aconselhamento Santo Amaro e Henfil, todos administrados pela Prefeitura. “Já temos quase 25 mil pessoas vivendo com HIV/aids sendo acompanhadas pelos nossos médicos e enfermeiros.”

No Recife, a AHF é responsável pela Clínica do Homem. Com dois anos de funcionamento, a ONG atendeu mais de 15 mil pessoas apenas no primeiro ano de funcionamento. “Registramos 1.700 casos de sífilis e 500 de HIV/aids”, afirmou Beto. O serviço foi o primeiro inaugurado no Brasil pela AHF, instituição com atuação em 45 países e sede nos Estados Unidos.

Beto contou que São Paulo também vai ganhar uma clínica. Prevista para ser inaugurada no segundo semestre de 2020, o serviço já tem endereço: Praça da República. O local vai ofertar testagem e tratamento para ISTs. Diferente do Recife, o serviço não será direcionado apenas para homens, a clínica vai acolher a população vulnerável: gays, homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, pessoas trans, população em situação de rua e imigrantes.

A AHF não ficou de fora do acolhimento dos mais necessitados frente a pandemia do novo coronavírus e doou R$ 1 milhão para ações emergenciais de distribuição de alimentos e produtos de higiene. De acordo com Beto, estes produtos estão sendo entregues em diferentes lugares do Brasil a pessoas que vivem com HIV/aids, usuários de drogas, população em situação de rua e LGBTI+ vulneráveis, especialmente travestis.

Atualmente, a AHF oferece serviços e/ou tratamento médico para mais de 1,5 milhão de pessoas no mundo todo. No Brasil, a ONG também atua contra aids no Amazonas, Rio de Janeiro e está chegando em Porto Alegre.

Questionado sobre a atuação da AHF no campo do advocacy, Beto garantiu que a ONG atua nesta área e se comprometeu estar mais perto do Mopaids e de outras instituições.

Os ativistas perguntaram ainda sobre o trabalho da AHF com a população em situação de rua. “Há muitas pessoas vivendo com HIV/aids que vivem nas ruas de São Paulo. Aqui na zona leste, por exemplo, em torno do SAE Líder temos muita gente na rua. Qual é a possibilidade da instituição fazer um projeto piloto para levar aos serviços essas pessoas que vivem em situação de extrema vulnerabilidade social e muitas vezes tem além do HIV, tuberculose e outras ISTs”, disse Américo Nunes Neto, coordenador do Mopaids. Beto gostou da proposta e falou que ia levar a ideia para instituição.

Cabotegravir

O pesquisador Jorge Beloqui, do GIV (Grupo de Incentivo à Vida), participou da reunião e levou para o grupo informações sobre a pesquisa de PrEP injetável.

O resultado, segundo Jorge, foi de que o cabotegravir injetável de ação prolongada é seguro e eficaz na prevenção do HIV entre gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH) e mulheres trans. A droga foi testada em comparação à medicação oral conhecida como tenofovir/emtricitabina.

Os dados foram divulgados no último dia 18 pela Rede de Teste de Prevenção ao HIV (HPTN, na sigla em inglês). De acordo com Beloqui, a pesquisa testou os medicamentos em 4570 homens cisgênero e mulheres transgênero que fazem sexo com homens, em diversos países: Argentina, Brasil, Peru, Tailândia, Estados Unidos, Vietnã e África do Sul.

O grupo analisou a segurança e a eficácia da droga. O cabotegravir reduziu a incidência de HIV entre homens cisgênero e mulheres transgênero que fazem sexo com homens. No total, 50 infecções por HIV ocorreram durante o estudo — 38 delas no grupo que utilizou tenofovir/emtricitabina e 12 no que utilizou o cabotegravir.

“A pesquisa ainda não terminou, mas aqui no Brasil questionamos muito o fato de mulheres trans, com silicone no bumbum, não participarem do estudo. Essa população está entre as mais vulneráveis ao HIV”, disse a ativista Patrícia Perez.

O grupo também quis saber sobre a possibilidade do medicamento ser incorporado ao SUS. “Hoje o cabotegravir é usado apenas como terapia de manutenção no Canadá. O medicamento ainda está em estudo”, finalizou Jorge.

Covid

O empobrecimento da população diante da Covid-19 tem tirado o sono de quem trabalha com políticas sociais no Brasil. Diferente das pessoas com HIV, que conseguem retirar medicamentos para dois ou três meses, quem vive com tuberculose sente na pele o que é se submeter a ir ao serviço de saúde pelo menos uma vez ao mês. De acordo com o professor José Carlos Veloso, a sociedade civil está atenta a situação e vem cobrando diariamente do poder público uma solução. “Estamos coletando dados para entender como os estados se organizaram para acolher os pacientes com tuberculose. Em breve teremos o resultado.”

As ONGs que atuam contra a aids na cidade de São Paulo garantiram a falta de recursos tem atingido até pessoas que são acolhidas por essas instituições. “Estamos atendendo online, mas alguns usuários têm nos solicitado até cobertores”, contou Renata Goldinho da Anima. No GIV, segundo Alisson Barreto, os grupos também estão acontecendo online. As pessoas que malham no Vida Nova estão recebendo orientações via aplicativo e há ainda distribuição de cestas básicas. Outra ONG focada na distribuição de alimentos é o Projeto Bem-Me-Quer.

A reunião durou três horas e mais de 20 pessoas participaram.

 

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

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