Se você está vivo nesse mundo e minimamente atento às notícias, deve estar preocupado com a pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2. Por se tratar de um vírus muito novo, cientistas e autoridades de saúde pública ainda estão aprendendo as características, quadros clínicos e formas de transmissão dessa infecção. Entretanto, as experiências da China, Itália e Coreia do Sul já nos permitem diversas conclusões.

Nesse texto pretendo discutir o que já se sabe sobre a interação da nova pandemia de coronavírus com a pandemia de HIV, que já circula pelo nosso planeta desde o início da década de 1980.

Em primeiro lugar, estou vendo com frequência dentro das recomendações gerais sobre o coronavírus, a classificação da infecção por HIV como situação com risco aumentado de progressão para quadros respiratórios mais graves.

Acredito que essa recomendação deva vir da experiência acumulada com os outros vírus respiratórios, como é o caso do influenza. Mas, segundo os dados publicados até o momento, em nenhum país a infecção por HIV foi associada a formas graves de covid-19 ou à maior chance de morte.

Isso não significa, no entanto, que pessoas com HIV não precisam se preocupar com a pandemia atual, mas sim que devem seguir as recomendações das autoridades de saúde pública e ter as mesmas precauções que todo o resto da população. Principalmente se tiverem ainda com a imunidade baixa.

Outra coisa que meus pacientes têm perguntado diariamente é sobre o possível efeito dos medicamentos antirretrovirais no novo Coronavírus, sejam eles usados no tratamento do HIV ou na Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). De fato, desde a primeira epidemia de coronavírus em humanos, em 2002, os antirretrovirais têm sido testados em pesquisas clínicas para tratamento das formas graves da doença.

Não temos ainda resultados conclusivos que recomendem o seu uso, mas, na epidemia atual, já temos ao menos dois relatos de casos bem-sucedidos do uso dessas medicações como tratamento. O primeiro foi na Coreia do Sul e o segundo, na China. Nos dois casos houve melhora dos sintomas e recuperação dos pacientes. Por outro lado, em outros casos o uso do antirretroviral não trouxe melhora clínica, como no trabalho publicado na última quarta-feira, testando o antirretroviral lopinavir/ritonavir (Kaletra). Por isso, mais estudos encontram-se em andamento com o objetivo determinar o real benefício dessa intervenção.

Enquanto a ciência não encontra a melhor maneira de tratar os doentes com covid-19, além das recomendações já divulgadas pelo Ministério da Saúde para evitar a transmissão do coronavírus, as pessoas que vivem com HIV precisam também manter boa adesão ao seu tratamento antirretroviral e ter sua carteirinha de vacinação em dia. A vacinação para gripe esse ano foi antecipada e se iniciará agora no final de março. Além da gripe, pessoas que vivem com HIV devem receber também gratuitamente pelo SUS a vacina antipneumocócica.

Com o objetivo de reduzir a circulação de pessoas nos serviços de saúde especializados em HIV, a Coordenação de HIV/Aids do Ministério da Saúde publicou na última terça-feira um ofício orientando esses serviços em todo Brasil a aumentarem a quantidade de medicamentos antirretrovirais dispensados em cada atendimento de farmácia, chegando a três meses, para as pessoas que vivem com HIV em tratamento, e quatro meses, para as pessoas em PrEP.

Segundo Adele Benzaken, que foi diretora do Departamento de HIV/Aids do Ministério da Saúde entre 2016 e 2019, sendo exonerada do cargo no início do ano passado, e atualmente Diretora Médica do Programa Global da AHF (Aids Healthcare Foundation), “o fechamento dos serviços especializados em HIV por pânico com o coronavírus e a redução nos programas de testagem para HIV no Brasil poderiam levar ao aumento do número de pessoas com HIV não diagnosticadas e, assim, ao crescimento não desejado de novos casos de infecção por HIV e de mortes por aids”.

Essa reflexão aponta para a importância de se garantir a manutenção não só da distribuição dos medicamentos antirretrovirais, mas também de todo o contínuo de prevenção e diagnóstico de HIV e outras ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) durante o período de enfrentamento da pandemia de coronavírus. Isso inclui, por exemplo, o oferecimento gratuito de preservativos e testagem rápida para HIV e sífilis, especialmente no contexto de uma quarentena que vai durar por um período ainda desconhecido.

A gestão de uma crise de saúde pública como essa é complexa, mas deve evitar ao máximo provocar prejuízos aos outros programas que já se encontravam em andamento antes da pandemia. A melhor maneira de se conseguir isso é ter um corpo de profissionais tecnicamente capacitados, basear as ações no melhor conhecimento científico acumulado até o momento e contar com a colaboração de toda população.

Faça sua parte.

Fonte: UOL