Lúcia Maria Silva de Melo é do tempo em que profissional de saúde não usava luvas. Auxiliar de enfermagem durante 30 anos, ela acompanhou as mudanças nos protocolos que hoje ajudam a impedir a transmissão de inúmeras doenças. No entanto, antes que houvesse tempo de se prevenir, ela contraiu hepatite C.

“Nem passava pela nossa cabeça, a doença nem era conhecida. Às vezes não usava nem luva de procedimento, era tudo na raça mesmo. Como sempre trabalhei em emergência e pronto socorro, lidava com muito sangue”, relembra.

Assim, Lúcia descobriu a hepatite no ano de 1999, quando foi doar sangue. “Não tinha o que fazer. Entrei para o Grupo Esperança porque não sabia nada sobre o vírus. Me aliar ao grupo me ajudou muito durante o tratamento.”

Foi justamente o tratamento o maior desafio de Lúcia. Contrariando a sorte, as injeções semanais de interferon peguilado aliado à ribavirina não fizeram o efeito desejado. Na época, a eficácia do tratamento girava em torno de apenas 40%. “A maioria das pessoas que tentavam era como eu, não conseguia negativar os exames. Fiquei afastada do trabalho, tive muita irritabilidade, insônia, emagreci, o cabelo caía, ficava liso e caía. Era como se fosse uma quimioterapia oral. Mas o médico dizia apenas que precisava tomar o remédio e pronto.”

Pioneira

Não bastasse as dificuldades para enfrentar os incontáveis efeitos colaterais, Lúcia também precisou lutar para fazer com que exames básicos entrassem na cobertura de seu plano de saúde. “A gente precisava pagar uma fortuna porque o plano não cobria nem uma simples testagem.”

Após anos tentando, sem sucesso, se manter no tratamento, a auxiliar de enfermagem se deparou com mais um desafio, um tumor no fígado. O câncer serviu de alerta para que a equipe médica entendesse a gravidade do estado de saúde de Lúcia. Em 2014 ela foi submetida a uma cirurgia para a retirada do tumor.

Ela só não imaginava que no ano seguinte, as promessas de um novo medicamento, sem efeitos colaterais e com 90% de chance de cura, chegaria, de fato, ao Brasil. Muito menos que ela seria uma das primeiras a terem acesso à essa inovação. “A gente ouvia o médico falar, mas parecia distante.” Assim, Lúcia finalmente encontraria a solução para a saúde de seu fígado. No ano de 2015, chegou ao país o sofosbuvir, considerado o melhor medicamento para tratar a hepatite C. Devido à gravidade de seu estado de saúde e a seu trabalho ao lado do Grupo Esperança, Lúcia foi a primeira mulher da baixada santista a conseguir o medicamento.

“Nossa, quando peguei o remédio foi lindo. No início a gente ficava meio desconfiado, sem acreditar que realmente iria dar certo. Mas já no início percebi a diferença: não senti nada. O outro a gente tomava a injeção e a reação era quase imediata. Foi um grande júbilo! Quem tomou os remédios de antes sabe. Esse novo é maravilhoso, faço questão de falar. Pode tomar sem receio.”

Futuro 

Agora, aos 73 anos, Lúcia precisa dar conta de outras partes de seu corpo, mas o fígado já não é mais problema. “Eu agora, estou com dores na coluna, então fico em casa cuidando disso.

Mas ela sabe que ainda há muito por fazer pelas hepatites no Brasil. “Já melhorou muito, mas ainda não temos, por exemplo, um hospital de referência, um atendimento especializado para hepatite C. Assim como eu não sabia muita coisa, até hoje tem muito médico que não sabe nada sobre hepatite. As pessoas são mal informadas e isso também faz com que ainda exista muito preconceito. Tem gente que, até hoje, acha que não pode beber no mesmo copo que a gente.”

“Mas para as pessoas que descobrirem a hepatite C agora, não tenha receio de se tratar, não tenha preconceito. Se sintam abençoados de terem recebido o diagnóstico porque hoje a medicação funciona mesmo. A gente só tem a lamentar pelas pessoas jovens que se foram. Somos sobreviventes.”

 

Dica de entrevista

Grupo Esperança

Site: www.grupoesperanca.org.br

 

Essas histórias farão parte de um exposição realizada pela Agência de Notícias da Aids que será realizada nos dias 21 e 22 de setembro, durante a Feira da Primavera, Saúde, Prevenção e Arte em Toda Parte, com apoio da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, da Gilead Scienses, Aids Healthcare Foundation – AHF, Centro de Referência e Treinamento (CRT-São Paulo), Instituto Cultural Barong e da Associação Brasileira dos Portadores de Hepatite (ABPH). 

 

Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)