Em conversa moderada pelo Juiz Oscar Krost, os doutores Patrick Maia Merísio e Raphael Miura discutiram perspectivas sobre a evolução da legislação trabalhista no brasil antes e durante a atual pandemia da Covid-19. A conversa “Burlando os Direitos do Trabalhador em Tempos de Pandemia”, aconteceu como parte de uma série de painéis no tema “Sobre Mitos e Fatos: Ciência, Ficção e Fake News em Tempos de Pandemia, durante a Conferência Repensando Tudo – Covid nas Américas, promivida pela Aids Healthcare Foundation.

O juíz Oscar Krost destacou que antes da reforma trabalhista no Brasil, que aconteceu em 2017, o país tinha aproximadamente 8 milhões de pessoas desempregadas, após a reforma esse número cresceu para 13,7 milhões, e chegou no meio da pandemia a 14,6 milhões. “O fato de a diferença ter sido relativamente pequena após o início da pandemia, mostra que a geração pura e simples de empregos pode esconder uma precarização do trabalho com contratos mais leves, baixos salários e altas cargas de trabalho”, explica.

“Com a pandemia, a economia entra em um período recessivo. Apenas em Minas Gerais, por exemplo, tivemos média de 100 empresas fechando por dia. Podemos dizer crítica da situação dos trabalhadores teve um novo capitulo chamado pandemia”, defendeu o juíz.

“A pandemia exigiu um esforço coletivo praticamente em termos de guerra, ou seja, o enfrentamento de um inimigo comum que coloca em risco a vida da população. Em 2020 nós tivemos mais de 45 novas regras entre medidas provisórias, decretos, resoluções, é impossível obter o minimo de previsibilidade e segurança onde a gente tem praticamente uma nova lei e meia por dia.”

Oscar ainda acrescentou que “há quem defende que estamos diante de um novo direito ao trabalho. O cenário de incerteza cria litiogiosidade, além do saldo histórico que os tribunais têm para resolver, passam também a enfrentar questões que o poder público traz e que antes não havia. Isso acaba por impactar mais a economia do que o próprio vírus. É importante que a sociedade civil se articule busque tomar decisões que impactem proporcionalmente a todos.”

Saúde do trabalhador

O Procurador do Trabalho de São Paulo, Patrick Maia Merísio, defende que a degradação do trabalho vem de leis que datam desde 2005 e tem se intensificado nos ultimos anos. “O desafio é saber como ter uma ação social que reverta essa precarização e está condenando pessoas a perderem sua qualidade de vida e sua saúde.”

Por sua vez, o advogado e professor da Universidade de São Paulo, Raphael Miziara, defendeu que a pandemia potencializou as consequências de decisões ruins feitas no âmbito das políticas públicas. Ele mencinou o fato de que em épocas de crise econômica o direito do trabalho é um dos primeiros campos a serem precarizados. “Também nesse caso estamos falando do acesso à saúde do trabalhador. O fato é que por incrível que pareça, exatamente agora, quando as medidas de fiscalização do ambiente do trabalho deveriam ser postas em prática, o governo federal expediu medidas afrouxando essa fiscalização, dizendo que agora as empresas não teriam condições de atender às demandas da saúde do trabalhador.”

Raphael lembrou ainda a saída de importantes empresas do Brasil, o que já é responsável por impactar de maneira severa a economia nacional. “Se a reforma trabalhista realmente tivesse gerado empregos, as empresas entrariam no Brasil e não evadindo, como o caso da Ford, por exemplo.”

 

Impacto da Pandemia

Nesse sentido, Patrick chamou a atenção para o dado que mostra que o continente americano já tem um milhão de mortes por Covid-19. “De fato a pandemia é uma tragédia, porque muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas com investimentos e medidas na saúde pública, mas ela foi sucateada e restringida e essa conta hoje se apresenta claramente em nosso país.”

“Ainda vivemos um sistema caótico, muita coisa poderia ter sido evitada. Agora com uma esperança na vacinação, mas  já vemos, por exemplo, as pessoas que furam filas. O Brasil vive uma situação tão grande de pobreza que é resultado de ações e políticas sociais erradas, vindas de décadas”, defende Patrick.

“Vivemos um momento de expectativas ruins para a pobreza. Não podemos deixar de destacar que as situações de precarização tem crescido. A necessidade de proteção à saúde, bem estar também. A proteção da saúde passa pela saúde física e mental, e não conseguimos construir ambas as proteções. Estamos em uma sociedade muito dividida e conflituosa, o que leva a própria sociedade a se desagregar. A pandemia está conseguindo ainda mais a diluir esses laços sociais”, disse ao citar como exemplo o direito ao teletrabalho.

Para Patrick o trabalho remoto deveria ter sido melhor explorado no Brasil, inclusive como mecanismo para manter a economia e ainda salvar vidas. “O Brasil está atrás do Chile , por exemplo, porque não tem condições de converter suas atividades para o teletrabalho. Talvez algumas vidas poderiam ter sido salvas e ainda teríamos preservado a questão econômica se isso tivesse sido feito. Nem todas as atividades são conversíveis ao teletrabalho, mas o Brasil tem muito mais potencial para isso. Existem pessoas que não podem fazer o teletrabalho porque moram em lugares onde não tem internet. Então a conta da desigualdade social está impedindo nosso desenvolvimento econômico.”

“A grande esperança é a ação da sociedade civil e de instituições democráticas na defesa dos direitos humanos, da vida, do diálogo.”

Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)