Atualmente, mais de 160 vacinas são pesquisadas em todo o mundo para imunizar a humanidade contra a Covid-19. Outra centena de medicamentos são pesquisados para curar pessoas infectadas pelo SARS-Cov-2. A vacina e o medicamento só chegarão a toda população se estiverem livres de patentes.

A Patente é um documento formal expedido por um órgão governamental por meio do qual se conferem e reconhecem direitos de propriedade e uso exclusivo de uma invenção. O registro da patente protege essa invenção ou uma criação industrializável de concorrentes.

A patente é um privilégio concedido pelo Estado ao inventor (pessoas física ou jurídica), detentor do direito de invenção de produtos e processos de fabricação, ou aperfeiçoamento de algum já existente.

Se, por exemplo, você descobrir a vacina para a Covid-19, terá de pedir o registro da fórmula e do nome dado à vacina e do seu fabricante. No Brasil, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é o órgão responsável por analisar e conceder – ou não – a patente requerida, tendo a Lei nº 9.279/1996 regulando direitos e obrigações relacionados à propriedade intelectual.

A patente protege a vacina que você criou de ser fabricada por outra indústria a um custo e a um preço de mercado inferior ao seu. No seu custo deverão estar computados diversos itens, como o tempo levado para a pesquisa da fórmula, outro tempo para os testes em seres humanos para testar suas segurança e eficácia, outro para produzir seu invento.

Esta proteção, concedida pela patente, é regulada nacionalmente. No âmbito internacional, as patentes são protegidas pelo acordo TRIPS (acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual, relacionadas ao comércio, da sigla em inglês), e que criou a Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995.

No entanto, a indústria farmacêutica tem nos descobrimentos científicos seu pote de ouro infinito. Além de seus custos de pesquisa, desenvolvimento e produção, é preciso obter lucro para distribuir a seus acionistas os dividendos de suas ações.

Quando se começou a falar em vacina para a Covid-19, a Organização Mundial da Saúde afirmou que não haverá vacina para todos porque o mundo não tem capacidade de produzir as 8 bilhões de doses em tão pouco tempo. Terão de ser estabelecidas algumas prioridades. Para a OMS, profissionais da saúde, trabalhadores da segurança e de serviços essenciais estão entre as populações prioritárias à imunização.

A OMS também afirmou que a vacina para a Covid-19 deve ser um bem da humanidade. Como não tem o lucro como objetivo, a organização preocupa-se com a saúde da população do planeta. Além disso, há bilhões de dólares, euros, libras esterlinas e reais, inclusive, investidos nas vacinas. Dinheiro público, do contribuinte.

O acordo da Fiocruz, fundação do Ministério da Saúde, com a farmacêutica AstraZeneca para testar a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, ter sua tecnologia transferida a Bio-Manguinhos, da Fiocruz, e produzir 100 milhões de doses da vacina até junho de 2021 – se comprovada sua eficácia – custará ao Brasil 1,8 bilhão de reais (pouco mais de 329 milhões de dólares, cerca de R$ 18,00 a dose). Segundo o Ministério da Saúde, dos R$ 1,8 bi, R$ 522 milhões serão destinados à ampliação da estrutura de Bio-Manguinhos, a unidade produtora de imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz; os R$ 1,3 bi restantes são para despesas com a transferência de tecnologia.

Com quase 212 milhões de habitantes e 100 milhões de doses está claro que cerca de 112 milhões de brasileiros ficarão sem a vacina num primeiro momento? Mas o Brasil tem uma exuberante capacidade de produção industrial e poderia produzir uma vacina livre de patente.

Recente pesquisa do DataFolha resulta que 89% da população brasileira anseiam por uma vacina contra a Covid-19. Na Lei de Patentes brasileira, há alguns pontos que permite que seja decretada a licença compulsória (LC) – que muitos chamam quebra de patentes –, o interesse público e a emergência de saúde pública são apenas dois destes pontos. A atual lei de patentes permite a LC.

O PL 1462/2020 prevê a diminuição de prazos e a desburocratização de procedimentos para o Estado Brasileiro decretar a LC e abreviar o tempo para salvar mais rapidamente milhões de vidas brasileiras.

O PL 1462/2020 declara a LC de quaisquer medicamentos ou vacinas que surgirem para o enfrentamento da Covid-19. Isso facilitaria tanto a produção nacional – o Brasil poderia produzi-la no gigantesco parque industrial instalado – ou, poderia adquiri-la na forma genérica de fornecedores de outros países. Ambas as formas ampliariam o acesso da população brasileira à tão desejada vacina para a Covid-19.

Outros países aprovaram leis semelhantes. Chile, Equador e Peru instituíram a LC por Resolução Parlamentar. Alemanha, Canadá e Colômbia poderão adquirir suas vacinas – quando surgirem – de quem produzi-la e vende-la por menor preço e com a maior eficácia, pois a LC já está em vigor para a Covid-19 nestes países. O Brasil está junto de Espanha e Reino Unido, com reformas legislativas em andamento.

Mas, estamos com dificuldade de aprovar o PL, inclusive de coloca-lo em pauta. O presidente da Câmara dos Deputados, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem segurado este projeto de lei. Se não protege não está protegendo o interesse público de 89% da população brasileira, defende os interesses da indústria farmacêutica. Isso está claro, pois no Programa Roda Viva, da TV Cultura, ele não conseguiu explicar o por quê não coloca o PL em discussão, tangenciando, alegando preocupação com a imagem do Brasil. Se outros países têm leis semelhantes em vigência, a imagem do Brasil será positiva. Imagem positiva, porque a que temos é de um País que avança na destruição da Amazônia e na negação da pandemia de Covid-19.

O PL 1462/2020 é recomendado pela Procuradoria dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, pelo Conselho Nacional de Saúde e pela Fundação Oswaldo Cruz, entre outras instituições, federações nacionais e sindicatos de profissionais de saúde e movimentos sociais de saúde e de defesa do SUS. Finalmente, a Organização Mundial da Saúde, por meio de seu braço nas Américas, a Organização Panamericana de Saúde emitiu parecer técnico sobre o projeto, analisando-o, inclusive sob a luz do Acordo TRIPS, da OMC.

Estamos vivenciando um momento de crise profunda, mas também de solidariedade. É por solidariedade que estamos preocupados com o acesso da população à saúde; preocupados em salvar vidas, por um mundo melhor, onde as vidas tenham mais valor do que financiamento de campanha.

* Rodrigo Pinheiro é presidente do Fórum das ONGs/Aids do Estado de São Paulo.

**Artigo publicado originalmente no site do Foaesp e no site Saúde Pulsando.