O medo. Medo de morrer. De adoecer. De sofrer. De repente parece que todos aqueles problemas  cotidianos que você tinha desaparecem e se transformam em apenas uma única palavra naquela folha de exame: reagente.

O que vou fazer da vida agora? Como as pessoas vão reagir? Como vou contar para minha família? Meu namorado? Meu Deus! Será que ele tem o vírus também? Será que eu o infectei? Ou foi ele quem me passou?

Estou sem ar. Zonzo. Acho que vou vomitar.

Essa cena se repete várias vezes, dia após dia, nos centros de testagem do país,  há vários anos, desde o início da epidemia de HIV em meados da década de 80. Descobrir-se soropositivo dá com certeza um grande choque inicial, que revela inseguranças e medos que na maior parte do tempo procuramos esconder e traz à tona questões que sequer vislumbrávamos antes do diagnóstico.

É uma barra. É um beco com saída, graças aos avanços da medicina, a realidade de quem vive com HIV/aids mudou drasticamente nos últimos anos: medicações eficientes e bem toleradas, diagnósticos precoces, diminuição do estigma e existência de políticas de saúde eficientes.

Ninguém opta por viver esta realidade, mas já que ela existe, é possível vivê-la da melhor maneira possível e com muita qualidade de vida.

Meu conselho? Chore. Esperneie. Revolte-se (sem se machucar). Liberar toda a  raiva, frustração e medo após o diagnóstico faz parte do próprio tratamento.

Não reprima suas emoções.

Há uma espécie de luto inicial que se assemelha àquelas célebres fases de Kubler-Ross (negação, raiva, barganha, depressão e aceitação) na vida do soropositivo recém-diagnosticado.

Por que foi acontecer logo comigo? O que eu fiz para merecer isso? Meu Deus, o que eu posso fazer para acordar desse pesadelo? Mas todas essas fases sempre passam. Vão passar. Assim como já  aprendemos em outros momentos de nossas vidas, como por exemplo na autoaceitação de nossa orientação sexual: it gets better (melhora!).

Pare tudo. Respire fundo. Procure ajuda especializada para tirar todas suas dúvidas. Psicólogos, infectologistas e demais profissionais capacitados estão preparados para respondê-las.

Procure um ombro amigo (mesmo que de uma única pessoa que seja) e se abra.  Ao compartilharmos nossos medos, eles se tornam menores. Há o risco da rejeição? Sim. Pela família inclusive? Infelizmente. Mas você pode e é mais forte que isso.

O HIV é uma chance de você retomar o contato consigo mesmo, fazer um contrato de amor-próprio e autocuidado vitalícios e sair muito, muito mais forte.

Um outro aspecto comum é tentar achar o culpado, querer saber quem transmitiu o vírus e quando isto ocorreu. Caminho errado. Não se torture. Todos nós estamos correndo riscos. Há sim situações com maior ou menor grau de exposição. Mas estamos no mesmo barco. Dentro dos casamentos a situação é ainda mais delicada, por isto toda calma e bom-senso devem ser utilizados. Se alguém que você teve envolvimento recente foi exposto, oriente-o.

Informar não custa nada. E pode impactar no ciclo de transmissão. Mas não alimente mágoas, remorsos e ódio por alguém. Somos todos humanos. Aprendemos juntos.

Vivi essa situação com amigos bem próximos, vejo-a nos consultórios todos os dias, pessoas das mais variadas classes, credos, etnias, orientações e identidades sexuais. Todos trêmulos no início. Mas inabaláveis algum tempo depois.

O medo continua, mas fica pequeno, guardado, controlado, apenas como um instinto de autopreservação. À medida que a pessoa inicia o tratamento e começa a melhorar (quando o diagnóstico é tardio e na ocasião do diagnóstico já apresentava sintomas), toda força e motivação aumentam exponencialmente. A primeira carga indetectável é um misto de satisfação, alegria e sensação de dever cumprido. É uma prova concreta de que tudo pode terminar bem.

Tomar remédio todo dia? Que horrível! Peraí, mas quantas pessoas que você conhece tomam? Hipertensão, diabetes, bronquite, tumores. Todos tomando cinco, dez, vinte comprimidos ao dia, mas resilientes, firmes e dedicados. Hoje em dia o tratamento do HIV pode ser com apenas um comprimido ao dia, o 3 em 1, que facilita muito a adesão dos pacientes.

Ah, mas eles acabam com a pessoa! Lesam outros órgãos, deformam. Não! Nem sempre. Há inúmeras classes de drogas disponíveis hoje em dia, cada qual direcionada para um tipo de paciente e quando há compromisso com o tratamento, um único esquema terapêutico pode ser mantido por anos a fio, com o mínimo de efeitos colaterais. E caso haja algum, seu infectologista estará pronto para agir. Ou o Doutor Maravilha aqui.

Nunca poderei me relacionar com mais ninguém? Claro que vai. Essa com certeza é uma das perguntas que mais me entristece mas que no fundo me esforço e consigo de fato entender. Há preconceito no mundo? Sim. Muito. Mas há afeto. Amor. Aprendizado. Viver com HIV nunca foi e nem nunca será sentença de solidão para ninguém. Quem se afastar na verdade estará fazendo um favor a você, pois não consegue ter a empatia, a vulnerabilidade e a integridade que qualquer pessoa de bem teria. Mas não julgue. Não brigue. Espere o tempo passar. O medo do outro na verdade é o medo de si próprio. As pessoas podem guardar  obscuridades em suas almas, mas que o amor e o respeito conseguem iluminar e afastar com o tempo. Portanto amor, sexo, tesão, envolvimento, casamento, são palavras que continuarão muito presentes na vida de quem é soropositivo. Com os cuidados de sempre, uso de preservativos, medicações e lealdade, tudo pode transcorrer muito bem.

Vou transmitir o vírus? Não! Hoje vivemos a realidade do I=I, indetectável = intransmissível, em que estudos como o Partner, Opposites Attract e HPTN052, demonstraram que uma pessoa com carga viral indetectável não transmite o HIV por via sexual para seus parceiros e parceiras. E temos a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) em que um comprimido ao dia previne a chance de infecção em mais de 90%! Isso impactou diretamente na autoestima, no planejamento familiar e nos relacionamentos das pessoas vivendo com HIV.

Vou ter de ir ao médico sempre? No começo todo mês, depois semestralmente, depois quem sabe até anualmente. Sabe o resultado disso? PVHA (Pesssoas vivendo com HIV/aids) chegando  hoje em dia a viver mais que a média da população geral, pois vão mais aos médicos, cuidam-se mais, exercitam-se mais.

Preciso contar para todo mundo? Não. Ninguém precisa saber de uma condição que é apenas sua e que não irá impactar de nenhuma maneira na vida dela. Compartilhe apenas com quem acha que deva compartilhar, mas não por medo, mas por tratar o fato de ser HIV positivo somente como mais uma característica sua. Quando a pessoa se descobre gay ou lésbica ela precisa sair contando a boa-nova para todo mundo? Não. Mesmo que seja super bem resolvida com isso. É apenas desnecessário e infrutífero.

Viver bem com HIV hoje em dia é possível. Não digo que seja trivial, mas digo que é incrivelmente mais fácil do que já foi. O preconceito está sendo desbancado a cada dia, o tratamento evolui a passos firmes e temos ainda o horizonte da cura. Esta não deve ser uma fixação mental, pois pode demorar e ainda há muitas incertezas científicas, mas concordo que manter certa esperança neste sentido conforta e recarrega as energias.

Problemas? Todos nós temos. Morte?  Apenas uma questão de tempo. Mas para todos. Com ou sem HIV.

Já a vida? Nosso maior presente. Pode ser maravilhosa. Agora.

* Marcos Vinicius Borges Tadeu é infectologista formado pelo Hospital das Clínicas/UFMG. Atualmente trabalha no ambulatório de HIV e IST’s da prefeitura de Palmas (TO).  Idealizador do canal Doutor Maravilha: saúde LGBT (YouTube, Facebook e Instagram)