O SUS está na minha vida desde o nascimento, e por um feliz acaso, quando me tornei mãe. Em 1986 quando foi realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde eu estava grávida do meu primeiro filho e 1988, quando SUS foi inscrito na nossa constituição, nasceu a minha segunda filha.

Fiz parte, primeiro como estudante de medicina e depois como médica sanitarista, do movimento sanitário que gestou a 8ª Conferência Nacional de Saúde, que escreveu a base do que seria inscrito no capítulo de saúde da nova constituição. Me orgulho muito de ter trabalhado diretamente no SUS como médica sanitarista, em Pernambuco e em São Paulo, nas secretarias estaduais e municipais, de ter atuado desde uma USB a hospital terciário (Instituto de Infectologia Emílio Ribas).

Um sistema de saúde que tem a saúde como um direito, que reconhecendo a imensa desigualdade socioeconômica que atravessa nossa história estabelece como liares a universalidade, basta ser um ser humano e está incluído e principalmente a equidade, que sabe ser necessário corrigir as desvantagens a que grupos populacionais estão sistematicamente submetidos; que entende saúde de modo holístico e prevê a integralidade do cuidado. Que instituiu o controle social em todos os níveis, reconhecendo a importância não só da população ser ouvida, mas ter poder de definir as prioridades, de fiscalizar o uso dos recursos

Como docente procuro inserir os exemplos do SUS, espero poder inspirar meus/minhas alunos/as a conhecer, se engajar e cuidar do SUS, além de reconhecer esta como uma política pública desenhada para atender às necessidades da população, como deve ser.

O SUS tem vários programas de sucesso, a estratégia de saúde da família, é um deles. Mas o meu carinho muito especial é por dois outros. programas, que na minha opinião são exemplos das melhores possibilidades do sistema, as vacinas e a resposta à epidemia do HIV/aids.

O programa nacional de imunizações, o PNI foi criado em 1973 e é considerado uma referência internacional de política pública de saúde. Com um número muito grande vacinas distribuídas de forma gratuita para a população, o país foi capaz de manter altas coberturas vacinais e com isso erradicar doenças tão importantes como a poliomielite e a varíola.
As imagens de vacinas viajando de barcos pelos rios amazônicos para assegurar que as populações dos locais mais remotos do Brasil pudessem ser vacinadas é emblemática.

O que conheço melhor, onde pude dar uma contribuição mais significativa, nos diversos espaços que pude ocupar, foi na política de enfrentamento da epidemia de HIV/aids.

A resposta brasileira foi estruturada de forma ampla, em um tripé, entre governo (níveis federal, estaduais e municipais) pesquisadores e a sociedade civil organizada. Não por acaso, desde 1992 na instância ministerial responsável por coordenar o programa brasileiro de HIV/aids há um setor responsável por coordenar a interlocução com a sociedade civil, em um reconhecimento da necessidade de que qualquer resposta a um problema de saúde pública é melhor se construída em parceria com a comunidade.

A resposta foi estruturada com base no respeito aos direitos humanos e a não discriminação; da prevenção aos cuidados às pessoas vivendo com HIV, incluiu a vigilância epidemiológica e a produção de conhecimento. As diretrizes do programa conseguiram ser atualizadas de acordo com as melhores evidências científicas.  Comitês técnicos com representantes da academia e de pessoas vivendo com HIV assessoraram a vigilância, a pesquisa e as decisões relativas ao tratamento.

O resultado é que durante décadas fomos reconhecidos internacionalmente como um modelo de resposta pública exemplar à epidemia.

Nos 1os meses de 2020 a pandemia do COVID-19 chegou ao Brasil e apesar de muitas diferenças quanto ao agente etiológico, o modo de transmissão, observamos também muitas semelhanças com os primeiros anos do HIV, desconhecimento sobre a doença, falta de tratamento, dificuldades no diagnóstico….a cada dia uma nova descoberta.

Onde está o SUS que para estruturar uma resposta à altura do problema, que poderia ter mobilizado os elementos que caracterizam suas respostas de sucesso, articular governo, ciência e sociedade?

O SUS é nossa única e melhor possibilidade. O sistema que inscrevemos na constituição cidadã, que inscreveu a saúde como direito de todos e dever do estado, nunca foi completamente implementado, foi sempre subfinanciado, mas responde quando há vontade política e mobilização da sociedade.

O contexto político é desolador, as lideranças não poderiam ser piores. Mas em breve teremos a chance de escolher novos executivos para as cidades.

Que tal colocar a saúde como pauta prioritária?

* Dra. Maria Amélia de Sousa Veras é professora Adjunta do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da FCMSCSP. Coordena grupo de pesquisa NUDHES (Saúde, Sexualidade e Direitos Humanos da População LGBT+). Membro da Coordenação da Red Ibero-Americana de Estudion en Hombres Gay y Otros Hombres que Tienen Sexo con Hombres y Personas Trans (RIGHT), Membro da International AIDS Society e da International Epidemiological Association. Bolsista de Produtividade II do CNPq.