Ontem cheguei ao ambulatório do hospital em que trabalho e me deparei com um saguão vazio, com poucos pacientes, algo incomum para aquele espaço sempre cheio de pacientes. Fiquei triste!!

É claro que sabia o motivo, é claro que entendo, e concordo, com as medidas sanitárias necessárias para tentar reduzir o impacto das aglomerações sobre o número de novos casos da covid-19. Mas a tristeza é inevitável ao saber que tantos pacientes terão seus tratamentos interrompidos, que tantas mulheres em busca de acolhimento precisarão esperar mais algum tempo para iniciar, ou dar sequência aos seus tratamentos.

Nestes 14 meses de pandemia vivenciei muitas situações desesperadoras de pacientes em busca de atendimento, em busca do ar milagroso da vida, dos cilindros que oxigênio que proporciona um respirar menos sofrido. Vi gestantes com covid-19 apavoradas por não saber o destino de suas vidas, preocupadas em encontrar um tratamento para elas e para o bebê que carregavam no ventre.

Algumas encontraram, outras infelizmente não. Vivemos a dura realidade dos órfãos da covid, dos viúvos e das viúvas da covid, das famílias destroçadas por este vírus maldito e suas mutações amazonenses, londrinas e outras mais que virão.

E agora, lembrando do saguão vazio, me preocupo ainda mais em garantir às mulheres com câncer, de mama, do útero, do ovário e de tantas outras localizações, a continuidade de seus tratamentos. Pensei então, não podemos correr o risco de, por conta da pandemia e das restrições sanitárias necessárias para combater a mesma, perder vidas para doenças já conhecidas e com tratamentos bem estabelecidos.

Subi apressadamente os 3 andares que me levaram ao ambulatório de ginecologia e lá encontrei algumas gotas de felicidade, naquele mar de sofrimento. Lá vi os médicos e enfermeiras trabalhando como sempre no atendimento das gestantes, no atendimento das mulheres com endometriose, no atendimento das mulheres com câncer de mama, enfim, encontrei um exército de profissionais que, mesmo ansiosos com a pandemia e com seus riscos, não deixaram de cumprir sua missão, não se furtaram em oferecer acolhimento àquelas mulheres tão sofridas e necessitadas.

Por que as doenças, benignas ou não, não deixam de surgir, não deixam de manifestar sua gravidade e suas complicações. Os efeitos do retardamento do tratamento, em algumas doenças, são imprevisíveis e poderão criar um caos pós pandemia. Por isso é tão importante mantermos aberto o atendimento básico à saúde da mulher em todos os níveis da assistência pública e privada. Por isso é tão importante apoiarmos iniciativas de estímulo às práticas de saúde digital e teleconsulta, por isso é primordial viabilizar a manutenção dos aparelhos de atendimento pré natal, oncológico e das emergências ginecológicas.

Naquele dia, ao terminar os atendimentos daquelas mulheres, tive a certeza do dever cumprido, me alegrei ao ver que estávamos colaborando de forma cívica e humanitária para vencermos a crise e a pandemia. Tive uma vontade imensa de abraçar e parabenizar todos os profissionais que estavam ali. Não podia, as normas de distanciamento não permitiam.

Fui embora, falei sozinho com meu Deus, agradeci pela vida de cada um daqueles colegas e pedi que Ele nos ajudasse a levar, mesmo em meio a pandemia, esta alegria do acolhimento e do tratamento a todas as mulheres do nosso país, por que as doenças não param de existir.

* Dr. Paulo Augusto Ayroza Galvão Ribeiro é professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Tem larga experiência na área de Endoscopia Ginecológica, com ênfase em Ginecologia Minimamente Invasiva e Endometriose.

Contato: paulo.ayroza@gmail.com