Milhões de pessoas elegeram São Paulo como a cidade do coração, inclusive eu, que vivo nesta selva de pedras desde 1970. Assim como o Brasil, a cidade é marcada pela mistura de diferentes povos, que formam a identidade do povo paulistano. Quem elegeu a Terra da Garoa com Lar sabe bem que somos referência em diversas áreas, inclusive na mobilização de questões sociais, em especial na área da saúde. Temos excelentes centros de referência, hospitais de ponta, bons médicos. Mas as desigualdades no acesso as políticas públicas de saúde são gritantes e isso inclui questões relacionadas a prevenção e ao tratamento das ISTs/aids.

Por aqui, felizmente, temos um controle social atuante, com ativistas comprometidos na luta contra aids, o nosso Programa governamental de DST/Aids funciona, temos serviços especializados (mesmo que insuficiente) em todas as regiões e acesso a um leque de possibilidades de prevenção ao HIV – como a PrEP (profilaxia pré-exposição ao HIV), a PEP (profilaxia pós-exposição ao HIV), os preservativos, testagem, entre outros.

Neste aniversário de 466 anos, comemoramos a queda dos novos casos de HIV. Em 2018, foram notificados 3.145 casos de HIV contra 3.826 em 2017, uma redução de 17,8%. Entre 2016 e 2017, a queda foi de 1,4%. Outro ponto que vale destaque é que a cidade foi certificada, no final do ano passado, pelo Ministério da Saúde, como município que eliminou a transmissão vertical do HIV, que é aquela de mães que vivem com o vírus para seus bebês.

No entanto, nem tudo são flores: falta a São Paulo o salto decisivo para levar a igualdade de acesso às políticas públicas de bairros como os Jardins, Morumbi e Pinheiros a todos os rincões do município, como Brasilândia e Sapopemba, Jardim Nordeste e Itaquera.

É preciso repensar e avançar na luta a favor das pessoas que vivem com HIV/aids. Estamos na UTI quando o assunto é aids e população negra. As mulheres pretas e periféricas continuam morrendo. A população da cracolândia está abandonada e agoniza. As pessoas em situação de rua ainda são afetadas brutalmente pela tuberculose. 25% dos nossos jovens gays vivem com HIV e esse número pode aumentar ainda mais, pois existe uma força política no país pregando abstinência. Nem todos nossos serviços estão preparados para atender as travestis e mulheres e homens trans. Sem contar a população idosa, única, entre os adultos, que aumentou em 15% os casos de HIV, passando de 92, em 2017, para 106 em 2019, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde.

A aids não deixou de ser um problema de saúde pública, mas é também um problema social. Dificilmente vamos vencer essa doença se não tivermos acesso a política pública integral, com o envolvimento de todas as Secretarias Municipais. Precisamos urgentemente de uma política intersetorial. O crescimento da aids entre jovens também é problema da educação. Como falar em prevenção, ofertar novas tecnologias e não abortar a sexualidade e as questões de gênero? Como evitar novas infecções de HIV na população LGBTI+ sem atuar nas especificidades deste público? Como avançar no tratamento contra a aids e invisibilizar o combate ao estigma e a discriminação?

Não temos respostas para tudo, o que sabemos é que não existe uma única fórmula para vencermos a aids, só é possível afirmar que estaremos cada vez mais distantes desta vitória enquanto não tivermos o respeito aos direitos humanos e o envolvimento efetivo de todos os atores: governos, sociedade civil, agências da ONU, universidades, pesquisadores…

Estamos em ano de eleição municipal e não podemos nos esquecer que temos muitos desafios pela frente. É preciso reforçar os laços para manter e ampliar a política de aids. Queremos a reposição dos profissionais de saúde aposentados, a readequação dos  SAEs e CTAs, a democratização da informação e o acesso à PrEP, precisamos manter e melhorar a vinculação e retenção, visibilizar ainda mais a prevenção combinada, reduzir as infecções sexualmente transmissíveis, a coinfecção HIV/tuberculose e diminuir os casos de morte por aids.

Para o Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra Aids), 2020 será um ano de expectativas para interlocução e ações conjuntas com as Supervisões de Assistência Social (SAS), Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Serviço de Assistência Social à Família (SASF) e Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SMDH).

São Paulo não para, mas no seu aniversário é preciso parar, pensar e avançar frente a tantos desafios. Parabéns Selva de Pedras!

*Américo Nunes Neto vive com HIV/aids há mais de 20 anos, é diretor do Instituto Vida Nova e coordenador do Mopaids.