O projeto SOS Dignidade foi criado pelo Dr. Barry Michael Wolfe, no ano de 2007 e, a partir de 2008, em parceria com o Instituto Cultural Barong, desenvolve trabalhos jurídicos de caráter pró-bono na defesa dos direitos humanos das pessoas LGBTQIAP+.
Pioneiro, o projeto representou as pessoas transexuais, à época, ainda em ações judiciais de retificação de registro civil para fins de adequar o nome e o gênero nos documentos à identidade de gênero das pessoas transexuais.
A partir da análise dos impactos na qualidade de vida das pessoas que tiveram assegurados pelo Judiciário seu direito à dignidade consubstanciado na adequação dos registros (nome e gênero) à identidade de gênero, foi realizado estudo apresentado na Conferência Internacional de Aids, em Washington (2012), comprovatórios da melhoria da qualidade de vida e diminuição de ansiedade para a realização de procedimentos de redesignação sexual.
No ano de 2018, com o julgamento pelo Supremo Tribunal federal da ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4275, ficou reconhecido o direito das pessoas transexuais a retificação de nome e gênero sem, necessariamente, precisar oferecer ação judicial para esse fim, podendo, portanto, realizar a retificação do registro de nascimento de forma administrativa, diretamente nos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais, decisão esta posteriormente regulamentada pelo Provimento nº 72/2018 do CNJ – Conselho Nacional de Justiça.
Desde a regulamentação dos procedimentos administrativos de retificação de registro civil, fulcrada no Provimento nº 72/2018 do CNJ, que, em seu artigo 4º, § 6º, dispõe acerca dos documentos de apresentação obrigatória, em especial quanto ao RG consignado no inciso III do referido artigo, o Instituto Cultural Barong/SOS Dignidade percebeu que as pessoas transexuais mais vulneráveis acabam não tendo acesso ao direito de retificação de registros civis de forma administrativa por carecerem de documentos básicos, como a identidade – RG.
Em 11 de janeiro de 2023, a Lei nº 14.534 foi sancionada para adotar número único para os documentos indicados no texto legal e para estabelecer o CPF – Cadastro de Pessoas Físicas como número suficiente para identificação do cidadão nos bancos de dados de serviços públicos.
Em outras palavras, o número do CPF será o único número que servirá para identificação do indivíduo, facilitando muito a vida das pessoas mais vulneráveis que há muito perderam seus documentos e não têm ideia de como reavê-los, caracterizando população que necessita de especial atenção da sociedade civil e do Estado.
O artigo 3º, § 2º, da Lei nº 14.534/2023 dispõe que “Será adotado, nos documentos novos, para o número único de que trata este artigo, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF)”.
Segundo o disposto no artigo 2º, § 2º, da Lei nº 14.534/2023, “Os órgãos emissores de registro geral deverão realizar pesquisa na base do CPF, a fim de verificar a integridade das informações, bem como disponibilizar dados cadastrais e biométricos do registro geral da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil”.
O artigo 5º da Lei nº 14.534/2023 veda a exigência de apresentação de qualquer outro número para fins de identificação das Brasileiras e Brasileiros, bastando o número do CPF para esse fim.
Ainda que a lei entre em vigor na data da publicação, os órgãos e as entidades têm 12 (doze) meses para se adequarem aos termos da nova lei e passarem a adotar o número de CPF como único número de identificação, além de 24 (vinte e quatro) meses para que órgãos e entidades adequem seus cadastros para identificarem as pessoas a partir do CPF, a lei se apresenta como uma boa notícia para as pessoas mais vulneráveis que enfrentam verdadeiros desafios para emissão e localização de documentos básicos.
Os benefícios desse cruzamento de dados e adoção de um único número de identificação das pessoas trará reflexos positivos para as pessoas transexuais mais vulneráveis, pois certamente facilitará o acesso delas ao efetivo exercício do direito à retificação administrativa de nome e gênero, representando atuação do Estado fulcrada no exercício da cidadania.
O número do CPF deverá constar dos seguintes documentos, a serem emitidos a partir de 11 de janeiro de 2024:
I – certidão de nascimento;
II – certidão de casamento;
III – certidão de óbito;
IV – Documento Nacional de Identificação (DNI);
V – Número de Identificação do Trabalhador (NIT);
VI – registro no Programa de Integração Social (PIS) ou no Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep);
VII – Cartão Nacional de Saúde;
VIII – título de eleitor;
IX – Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS);
X – número da Permissão para Dirigir ou Carteira Nacional de Habilitação (CNH);
XI – certificado militar;
XII – carteira profissional expedida pelos conselhos de fiscalização de profissão regulamentada;
XIII – outros certificados de registro e números de inscrição existentes em bases de dados públicas federais, estaduais, distritais e municipais.
* Karen Schwach é conselheira jurídica e advogada do SOS Dignidade.