Mais uma vez a história do clube do carimbo ganha o noticiário nacional e, não por plena coincidência, surge no mesmo momento em que o presidente responsabiliza as pessoas com HIV pelo “pouco avanço” na resposta a aids por conta de “comportamento sexual diferenciado”.

O que está por traz dessa questão? Por que insistem em nos criminalizar associando a grupos que supostamente estão comentando crimes? É claro que transmissão de qualquer infecção de forma intencional (como não usar máscara em público sabendo que se está com COVID-19) é crime e deve ser levado a justiça. Mas ao se tratar de HIV a questão da criminalização ganha ares de pânico e dissemina ódio contra todos nós.

Historicamente pagamos o pato dos estigmas gerados por notícias sensacionalistas como a que ocorreu em 2015 quando acusavam um grupo de fazer exatamente isso: transmitir o HIV intencionalmente. Naquela ocasião, a pessoa entrevistada pelo fantástico tomava remédio há muitos anos e possivelmente estava indetectavel e não transmitiria o vírus. Ou seja, a geração de pânico era muito maior do que qualquer tentativa de noticiar com embasamento científico. Não é incomum após notícias como esta as pessoas perguntarem se nós que vivemos com HIV participamos de clube do carimbo e nos olharem como criminosos apenas por vivermos com HIV. É importante lembrar que a temática da criminalização de pessoas com HIV tem um triste histórico de retrocessos, com restrição de entrada em alguns países, obrigação de divulgação da sorologia em outros.

Não me surpreende esse fato vir seguido do comentário do presidente de que a culpa é dos que tem “comportamento diferenciado”. É mais um ataque gratuito à todas as pessoas com HIV, especialmente as LGBTQIA+, trabalhadoras do sexo, ou outros grupos classificados como promíscuos ou condenáveis sexualmente.

Claro, que se alguém tiver cometendo um crime  de transmissão intencional deve ser punido. Mas pelo histórico que já vimos nesse anos de ativismo, mais uma vez o pânico moral conduz a pauta e esse processo, como uma flecha, atinge em cheio, os nossos corações. Precisamos constantemente relembrar para a população que nosso sucesso na resposta ao HIV foi a defesa dos direitos humanos e a aprendizagem de que a solidariedade tem vertente individual, social e política como nos ensinou Betinho e grandes ativistas desde o início da pandemia de HIV/aids. O retrocesso do HIV vem justamente do pânico moral, do estigma e da discriminação. Que venha a expansão da solidariedade. Após a tormenta, vem o sol!

* Salvador Corrêa é escritor, sanitarista e membro da Rede Nacional de Pessoas Vivedo com HIV/Aids no Rio de Janeiro.