O Papa Francisco tem um histórico de estar resgatando a filosofia cristã do amor a todos os próximos, não somente aos “homens de bem”.

Em pelo menos três ocasiões, o Papa já falou diretamente sobre a comunidade LGBTI+ de maneira positiva:

“Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la? O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados, mas integrados à sociedade. O problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser como irmãos”.

“Você tem que ser feliz com quem você é. Deus o fez assim e o ama assim, e o Papa te ama assim.” (falando para um gay que foi vítima de abuso sexual por um clérigo chileno).

E a mais recente, que gerou muito alvoroço, tanto nas alas conservadoras como nas alas progressistas da igreja católica:

“As pessoas homossexuais têm direito de estar em uma família. Elas são filhas de Deus e têm direito a uma família. Ninguém deverá ser descartado ou ser infeliz por isso.”

Posteriormente, o Vaticano contextualizou este último posicionamento, afirmando que o Papa estava se referindo a legislação civil sobre união estável entre pessoas do mesmo sexo, e não ao reconhecimento desta forma de união dentro da igreja católica. Mesmo assim, demonstra a sensibilidade do Papa para com o tema.

No caso do Brasil, a comunidade LGBTI+ já teve o direito à união estável e ao casamento civil reconhecido pelo Judiciário, embora não pelo Legislativo. O Estado brasileiro é laico, porém é governado por pessoas que podem ter religiões. Por isso é importante a vigilância da sociedade sobre o Estado que legisla e devemos ser intransigentes na defesa da laicidade do Estado para que as convicções religiosas não interfiram na universalidade dos direitos.

Eu também, enquanto gay, já recebi uma mensagem positiva do Vaticano. Tenho três filhos que eu e meu marido adotamos quando tinham 8, 10 e 11 anos de idade. Como uma pessoa criada na cultura católica, senti a necessidade de batizar os filhos nesta fé. Tivemos a resistência de quatro padres de paróquias diferentes, mas encontramos a compreensão do Arcebispo Dom José Antonio Peruzzo e os filhos foram batizados na catedral de Curitiba em 2017. No mesmo ano, fomos para a Itália em família e antes de viajar fizemos um ‘dossiê’ sobre o batizado e enviamos para o Papa solicitando uma audiência no Vaticano. Em resposta, recebemos uma carta personalizada da Secretaria de Estado do Vaticano que disse “o Papa Francisco lhe deseja felicidades, invocando para sua família a abundância das graças divinas, a fim de viverem constante e fielmente a condição de cristãos, como bons filhos de Deus e da Igreja…”

A igreja católica é uma instituição milenar. Cometeu vários erros ao longo da história. As pessoas LGBTI+ eram queimadas na fogueira na Inquisição. Foram expulsas e excomungadas. Eu mesmo, quando adolescente aspirante a padre, fui convidado a sair da igreja quando assumi a minha homossexualidade.

Porém, vejo nessas declarações do Para Francisco uma fresta para a entrada de luz no coração cheio de ódio de alguns setores cristãos. Não devemos reclamar da escuridão. Vamos acender uma vela. O santo Papa está contribuindo para uma lenta mudança na sociedade e na própria igreja. Posicionamentos como os do atual Papa nos ajudam a resgatar a dignidade humana, baseado no verdadeiro fundamento do cristianismo, o amor ao próximo, independente de quem seja:

“Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e dos anjos, se eu não tivesse amor, seria como sino ruidoso ou como címbalo estridente. (…) O amor é paciente, o amor é prestativo; não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba.” (I Coríntios 13)

Como já dizia também o poeta Fernando Pessoa, “O amor é que é essencial. O sexo é só um acidente. Pode ser igual. Ou diferente.” Respeitar a todas as pessoas independente de serem cristãos, não cristãos ou ateus. E, se possível, amar dentro das possibilidades e circunstâncias.

 

*Toni Reis é diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI+ e pós-doutor em Educação, casado há trinta anos com David, pai de Alyson, Jéssica e Filipe

 

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Toni Reis

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