A Organização Mundial da Saúde (OMS), há quatro anos instituiu a data de 04 de março como efeméride em apoio à conscientização de um problema de saúde pública planetário, que é a obesidade. Segundo a OMS, o mundo tem cerca de 1 bilhão de obesos, 650 milhões são adultos, 340 milhões adolescentes e 39 milhões são crianças, o que torna a conjuntura ainda mais preocupante. As causas da obesidade, segundo inúmeros estudos que vêm sendo realizados há décadas, são compostas por múltiplos fatores, que vão desde a questão genética até as ambientais.
O peso do estigma
A falta de uma visão sistêmica em torno do problema, inclusive das redes de cuidados com a saúde, é um dos pilares para outro problema, que vem compondo o ecossistema da obesidade, na conjuntura social. Trata-se do estigma, espécie de ‘selo desqualificante’ socialmente e que vê a obesidade uma questão individual, sem levar em conta os demais fatores já identificados nos estudos. O encadeamento desses elementos, somado à estigmatização dos indivíduos, pode elevar em 32% o risco de desenvolvimento de uma depressão, se comparados a pessoas que não são classificadas como obesas.
Um estudo recente da Current Obesity Reports (2023), periódico focado nos temas em torno da questão da obesidade planetária, aponta que os efeitos do estigma, do preconceito e da desinformação em relação à obesidade causam muitos transtornos psicológicos às pessoas desse grupo.
A Uma grande meta-análise recente sintetizando 105 estudos, incluindo dados sobre 59.000 participantes, descobriu que o estigma percebido da obesidade entre os indivíduos foi associado significativamente à piora de saúde mental, sugerindo que os efeitos da estigmatização sobre o obeso são mais insidiosos mentalmente, do que a obesidade, em si. O efeito é maior sobre as pessoas mais pobres ou menos favorecidas intelectualmente. A questão comportamental e no contexto social também afetam a autoimagem do obeso, que muitas vezes criam uma espécie de auto estigma, impactando ainda mais, sua saúde mental e por consequência, a física. Ansiedade, autoestima baixa, auto depreciação, por exemplo, podem ser “gatilhos” emocionais para que um obeso desconsidere os cuidados com sua saúde e some mais esses problemas à cadeia produtiva da obesidade, que, reitero, é multifatorial, incluindo causas genéticas e sociais.
Estigma em dose dupla
A prevalência do sobrepeso e obesidade também afeta as pessoas que vivem com HIV nos dias atuais. Isso ocorre por causa da heterogeneidade da população mundial. No início da epidemia, entretanto, a perda de peso era associada à infecção e havia o estigma sobre o indivíduo de aspecto “fraco e magro”. Também aqui as questões emocionais, o estigma ou a auto estigmatização podem ser fatores associados à obesidade e sobrepeso desse público. O uso dos antirretrovirais, questões emocionais ligadas a este recorte social, como a falta de uma orientação nutricional adequada e sem exercícios físicos, bem como a longevidade conquistada com os avanços no tratamento da infecção, são fatores que contribuem para o aumento da gordura corporal. Estudos pontuais revelam percentuais entre 15,9-42% de sobrepeso e 0-24% de obesidade em diferentes continentes entre os que fazem uso dos medicamentos classificados como antirretrovirais. Esses múltiplos fatores trouxeram, com o aumento da expectativa de vida, o aparecimento das comorbidades típicas do envelhecimento, além da possibilidade de alterações lipídicas e glicídicas que favorecem as alterações no peso corporal.
Estigma zero é a meta
A síntese da pesquisa é a de que haveremos de olhar para esses tempos com vergonha do que fizemos em relação aos reforços no estigma sobre o obeso. Preconceitos, discriminação ou segregação são comportamentos derivados de uma sociedade sem educação para entender as diferenças entre indivíduos. Certamente devem ser combatidos com informação, educação e inclusão. A empatia é a amálgama para quaisquer circunstâncias, e serve muito bem no contexto da vida de pessoas com o diagnóstico da obesidade.
Minha mensagem neste dia é que tenhamos esse acolhimento e muita empatia, para que no futuro, possamos ter superado a conjuntura planetária, as questões genéticas mas com a alegria de viver, independentemente do seu peso.
* Alexandre Gadducci, professor de educação física, pesquisador e doutor em Ciências da Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da USP, especializou-se nos cuidados a pessoas com obesidade no pré e pós cirurgia bariátrica.