Recentemente, a comunidade LGBT e, em especial, o público de homens gay garantiram um direito há tempos negligenciado: a de doar sangue. No dia 08 de maio, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 7 votos a 4, pela inconstitucionalidade em considerar este grupo inapto a doar sangue ou impor restrições por um período de tempo.

O julgamento considerado histórico foi iniciado a partir da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5543, que dizia que as regras existentes dão “absurdo tratamento discriminatório por parte do Poder Público em função da orientação sexual, o que ofende a dignidade dos envolvidos e retira-lhes a possibilidade de exercer a solidariedade humana com a doação sanguínea”.

Com isso, não apenas homens gays e bissexuais conquistam tais direitos. As mulheres trans e travestis são beneficiadas por geralmente serem tratadas como homens no momento da doação de sangue.

Essa questão sempre foi uma das grandes discussões no universo de direitos negados a esta população. Doar sangue não é apenas um ato de amor. É aplicação verdadeira de empatia, amor ao próximo e exercício da cidadania.

Ainda, considerando a eterna necessidade dos hemocentros em manter seus estoques de sangue e hemoderivados era inadmissível a negação da doação por parte de um segmento populacional.

De acordo com as regras dispostas na Portaria de Consolidação GM/MS n° 5, de 28/09/2016, que substituiu a Portaria n° 158/2016, no “Anexo IV – do sangue, componentes e derivados” que visam, sobretudo, a segurança transfusional, em seu Item IV do Artigo 64 explicitava a inaptidão temporária por 12 (doze) meses para homens que tiveram relações sexuais com outros homens nos 12 meses anteriores à doação.

No campo teórico, o Parágrafo 3.º do Artigo 2.º do mesmo anexo garantia uma atenção sem preconceito a partir da triagem clínica, impondo a “isenção de manifestações de juízo de valor, preconceito e discriminação por orientação sexual, identidade de gênero, hábitos de vida, atividade profissional, condição socioeconômica, cor ou etnia, dentre outras, sem prejuízo à segurança do receptor”.

Na prática, a subjetividade era o maior termômetro para tal triagem, visto que o impedimento iniciava-se no momento em que um cidadão tivesse a sua aparência, postura ou comportamento atrelado a homossexualidade.

De acordo com o Ministério da Saúde, as diretrizes seguiam as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde), que não havia discriminação por orientação sexual, mas a partir dos dados epidemiológicos nacionais. A OMS inclui homossexuais masculinos sexualmente ativos entre os perfis de alto risco pois têm “19,3 vezes mais chances de terem o vírus HIV” e que, por isso, avalizava a política proibitiva. Porém, em 2018, a mesma organização reconheceu que suas diretrizes sobre os critérios de doação de sangue estavam desatualizadas.

Assim, o critério de seleção estava baseado nas práticas sexuais de risco – que podem atingir toda a população – e não a orientação sexual ou identidade de gênero. Além disso, coibir o direito da pessoa em doar sem ao menos testar seu sangue, é partir do princípio que seu sangue é inapropriado ou, em outras palavras, inseguro.

Ademais, se as normas gerais estão sendo cumpridas não há a necessidade de diferenciação de quem doa o sangue. Com isso, evita-se a prática comum de omissão de informações durante a triagem para doação, como mencionar que são gays ou que tiveram relações sexuais com desconhecidos.

Por fim, com o acompanhamento das mudanças no perfil da epidemia de aids e o avanço das tecnologias para garantir a segurança do sangue conseguimos garantir a qualidade dos hemoderivados.

Com essa decisão favorável, o Brasil fica com um potencial de 18 milhões de litros de sangue ao ano para abastecer os hemocentros do País. Na atualidade, contam com 40% da capacidade.

Com relação ao Covid-19, a doação de plasma para pacientes infectados auxiliará no aumento de oferta deste insumo para o investimento num novo tipo de tratamento que pode dar esperança de sobrevida aos doentes mais críticos.

Agora, para que a alegria seja completa, precisamos nos cuidar para evitar a contaminação pelo Covid-19. Respeitemos o chamado e alerta das autoridades: Fiquemos em casa. Assim, ao final dessa pandemia, brindaremos posteriormente esta vitória com uma lição de cidadania. Unidos, doaremos nosso precioso sangue com muito orgulho de ser quem somos !

* Luiz Eduardo dos Santos é mestre em Ensino em Ciências da Saúde pela UNIFESP/SP. Consultor Técnico do Instituto Joana d’Arc (Guarujá/SP). Especialista em Gestão de Políticas Pública pela ENAP (Brasília/DF). Militante e Consultor em Aids, Sexualidade, Direitos Humanos e Cidadania.