São Paulo foi palco da 4ª Edição do Prêmio José Araújo Lima Filho de Ativismo e Direitos Humanos, realizado pelo Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids (Mopaids). O evento homenageou iniciativas que promovem a inclusão, combatem o estigma e fortalecem os direitos humanos, inspirados pelo legado de José Araújo Lima Filho, ícone na luta contra o HIV/aids.

A abertura contou com discursos emocionados de Lu Marinatti e Pericles Formigoni, mestres de cerimônia. Eles relembraram a trajetória de José Araújo, destacando sua incansável dedicação à promoção da dignidade e igualdade. “Araújo foi um exemplo de luta e dedicação, um verdadeiro símbolo de resistência e esperança para todos nós”, afirmou Marinatti.

“Após cinco anos da ausência física de Araújo, sua trajetória continua a inspirar e reforça a necessidade de mantermos constante vigilância para que não retrocedamos nas conquistaS e, que possamos avançar muito mais em direção a políticas mais inclusivas e equânimes. A premiação de inciativas e pessoas reforça a necessidade de estarmos juntos, valorizando as fortalezas e construindo pontes para atingir maiores resultados. A aids continua a ser um grande desafio, o estigma e discriminação ainda se fazem presente. O viver com HIV e aids é singular e o cuidado também deve ser. As experiências premiadas, bem como as homenagens trazem esta diversidade das nossas ações, que como Araújo podem ser nossas motivadoras para seguirmos fortes”, disse Eduardo Barbosa, coordenador do Mopaids.

Prêmios e categorias

O prêmio, criado em 2019, reconheceu ações inovadoras e impactantes na prevenção, educação, suporte psicossocial e acesso ao tratamento. Confira a seguir os vencedores:

Na categoria Programas de Prevenção, os premiados foram o projeto Prevenção Para Todxs, que atua na Brasilândia distribuindo insumos preventivos e promovendo educação em saúde, e o Minha Quebrada Prevenida!, iniciativa do Projeto Bem-Me-Quer que alcançou 1,5 milhão de jovens periféricos com conteúdos dinâmicos sobre prevenção de ISTs e HIV.

Em Pesquisa e Inovação, o reconhecimento foi para Paola Alves, da Casa da Pesquisa do CRT/Aids, destacada por sua atuação com a população trans e por liderar estudos relevantes que promovem a inclusão no acesso à saúde. O prêmio, segundo Paola, não é apenas dela, mas também das muitas pessoas que contribuíram para o avanço da luta. “Dedico este reconhecimento a Fabiola, Cecília, Will e tantas outras que construíram este trabalho junto comigo. Aprendi com a filosofia africana que, quando alguém caça na mata, o alimento é dividido com a comunidade. Essa conquista é coletiva”, disse, emocionada.

Ela também homenageou figuras históricas e colegas de luta cujas vidas foram interrompidas pelo que chamou de “terror cisnormativo e colonial”. Nomes como Amanda Marfree, Elisa Coelho, Brunna Valin, Thais de Azevedo e tantas outras foram lembradas, reafirmando o compromisso de manter viva a memória e as ações iniciadas por essas pioneiras.  “Enquanto estivermos aqui, lembraremos delas. Elas vivem em nossa memória, em nossas ações e na nossa luta por um mundo onde ser trans não seja sinônimo de resistência, mas de celebração, dignidade e igualdade”, declarou.

Na categoria Acesso ao Tratamento, os homenageados foram o projeto Consultório na Rua e SAE Lapa, que oferece tratamento e exames para populações vulneráveis, com ênfase na prevenção da transmissão vertical do HIV; o Dr. Mateus Ettori Cardoso, reconhecido por sua abordagem humanizada no cuidado à comunidade LGBTQIA+; e o 50+ Vida PositHIVa, do Instituto Vida Nova, que promove saúde integral para pessoas vivendo com HIV acima de 50 anos.

“O legado de José Araújo Lima Filho segue vivo, e receber este prêmio é uma reafirmação de que estamos trilhando o caminho certo. Nosso projeto trouxe visibilidade para as pessoas acima de 50 anos que vivem com HIV, destacando a importância de promover o envelhecimento com longevidade e qualidade de vida. Somos profundamente gratos por esse reconhecimento e ao Fundo Positivo, que apoia a iniciativa”, disse o ativista Américo Nunes Neto, presidente do Instituto Vida Nova.

A categoria Suporte Psicossocial premiou o projeto Tirando o Manto da Invisibilidade, do Instituto Barong, que empodera pessoas trans e travestis vivendo com HIV através de capacitação e inclusão social, e o Chá Positivo, iniciativa do Grupo Pela Vidda SP, que há 35 anos promove acolhimento, escuta e ativismo contra o estigma e a discriminação.

Em Educação e Mobilização Comunitária, os destaques foram a comunidade online Posithividade, que conecta pessoas vivendo com HIV por meio de encontros, campanhas educativas e ações de acolhimento, e o Senac São Paulo, reconhecido por integrar a temática do HIV/aids em seus processos educacionais e apoiar iniciativas sociais ligadas à prevenção e direitos humanos.

“É uma grande honra para nossa instituição receber esta homenagem, que reforça nosso compromisso com a promoção da saúde e dos direitos humanos. Agradecemos ao Movimento Paulistano de Luta Contra a AIDS pela distinção e por destacar a relevância das ações que desenvolvemos em parceria com a Agência de Notícias da Aids. A iniciativa de abrir nossas unidades para palestras e debates sobre HIV, prevenção e direitos humanos tem sido fundamental para levar informações de qualidade aos nossos alunos. Acreditamos que a educação é um pilar essencial nessa luta”, agradeceu Rosana de Moraes, da Gerência de Comunicação e Relações Institucionais do Senac São Paulo.

Homenagens

A cerimônia também prestou homenagens a personalidades como Cristina Abbate, coordenadora de IST/Aids em São Paulo, e Carolina Iara, co-deputada estadual e ativista pelos direitos das pessoas vivendo com HIV.  As menções honrosas reconheceram figuras e equipes que têm transformado a luta contra o HIV/aids em um exemplo de compromisso com a inclusão, saúde pública e justiça social.

Liderança transformadora em saúde pública 

À frente da Coordenadoria Municipal de IST/Aids de São Paulo, Cristina Abbate recebeu destaque por sua abordagem inovadora, que tornou a cidade referência nacional no combate ao HIV/aids. Sob sua gestão, foram impulsionados avanços como a ampliação do acesso à PrEP e a eliminação da transmissão vertical do HIV.

“A cidade é o lugar das pessoas, do encontro e do cuidado. Enquanto os outros entes da federação são cruciais na formulação de políticas públicas, as cidades estão no espaço da vida. É nelas que as políticas ganham sentido e chegam diretamente à população,” afirmou a homenageada, destacando a importância de fortalecer as redes municipais de saúde.

Com uma trajetória de 34 anos na Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, a gestora compartilhou sua escolha por permanecer no sistema público da cidade. “Nunca tive o desejo de sair dessa estrutura. Sempre quis estar perto das pessoas que vivem com HIV, de nossos usuários e usuárias. Este trabalho é sobre cuidar, ouvir e construir soluções para quem precisa,” disse.  “Hoje, em nossas unidades, temos preservativos, géis lubrificantes, e PrEP à disposição, com acesso facilitado nas UBS, unidades 24 horas e até em máquinas dispensadoras. Estamos empenhados em ampliar o acesso a todos os métodos preventivos para quem precisa.”

Apesar dos avanços, o discurso também apontou para a urgência de novos desafios. “Não vamos sossegar enquanto houver uma pessoa morrendo por aids. Nossa meta é eliminar o HIV como uma questão de saúde pública em São Paulo,” declarou com firmeza.

Pauta na mídia

A jornalista Roseli Tardelli e a equipe da Agência Aids foram reconhecidos pelo impacto do jornalismo na conscientização e mobilização social. Por meio de reportagens e iniciativas solidárias, a Agência de Notícias da Aids mantém a pauta viva na mídia, mesmo em tempos de silenciamento, reafirmando diariamente seu compromisso com dignidade e justiça social para pessoas vivendo com HIV/aids.

“Araújo era irreverente, inconformado e cheio de emoção. Ele era corinthiano, e eu sempre brincava com ele quando o time perdia. Mas o que realmente importa é que o compromisso dele com as pessoas segue vivo em nós”, disse Roseli

No entanto, a fala da diretora da Agência Aids também trouxe críticas. Um exemplo foi o centro de reabilitação  que, apesar dos recursos disponíveis, ainda não saiu do papel. “Da última vez que estive aqui no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, o Senac São Paulo e a AHF se comprometeram a doar os equipamentos para um centro que levará o nome do meu irmão. Até hoje, nada aconteceu. O dinheiro está parado e as vidas que poderiam ter sido beneficiadas seguem à espera.”

O recado foi direto: “Precisamos retomar essa conversa. E, se necessário, vamos até o palácio cobrar ações. Não podemos mais aceitar um estado que poderia fazer mais, mas tem feito menos. Isso não é só uma crítica ao governo estadual, mas também ao presidente que elegemos. A urgência das respostas aos desafios do HIV exige compromisso e atitude.”

O discurso ainda lembrou o estilo combativo de Araújo: “Se ele estivesse aqui, já teria organizado uma manifestação para cobrar mudanças. Talvez seja hora de retomarmos essas formas de atuação.”

Parlamentar e ativista

A co-deputada estadual pelo PSOL, Carolina Iara, fez história ao se tornar a primeira parlamentar brasileira a declarar publicamente sua sorologia positiva para o HIV. Seu ativismo vai além da visibilidade, abrangendo pautas feministas, antirracistas e de justiça social. Carolina é um símbolo de resistência e inspiração na luta contra o estigma. “Receber este prêmio é uma honra imensa e uma confirmação de que estou no caminho certo. O ativismo é, para mim, um compromisso de vida, e espero seguir o exemplo de todas e todos que já passaram por aqui. Que possamos alcançar longevidade no movimento de HIV/aids, mantendo viva a luta por direitos e dignidade.  No entanto, precisamos pensar seriamente sobre a política de HIV/aids. Quem vive com HIV tem recebido muitas promessas e gestos simbólicos, mas, infelizmente, algumas ações essenciais ainda não estão acontecendo, tanto em âmbito federal quanto estadual. É fundamental que essas questões avancem para que possamos garantir o cuidado integral e o respeito que merecemos”, disse Carolina Iara.

Cuidado integral como missão

A equipe do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids de São Paulo foi homenageada pelo trabalho essencial de apoio psicossocial a pessoas vivendo com HIV. Com um modelo de atendimento multidisciplinar e acolhedor, os profissionais ajudam pacientes a superar barreiras emocionais e sociais, promovendo qualidade de vida e adesão ao tratamento.

Além das premiações, momentos culturais enriqueceram a noite, como a apresentação de Donatella Vogue, transformista que celebrou a memória de José Araújo e reforçou a luta por direitos da comunidade LGBTQIA+.

Encerramento com esperança

O evento terminou com a exibição do curta-metragem Longevidade PositHIVa, que aborda o envelhecimento com HIV de maneira otimista, seguido por um coquetel. “Que o legado de José Araújo continue nos inspirando a lutar por uma sociedade mais justa e livre de preconceitos”, concluiu Pericles, reforçando a importância da união na luta contra a aids.

A 4ª Edição do Prêmio reafirmou o compromisso de São Paulo com a inclusão, o respeito e a dignidade de pessoas vivendo com HIV/aids, celebrando as conquistas de quem transforma vidas e promove esperança.

Redação da Agência de Notícias da Aids

 Dica de entrevista

Mopaids

Site: www.mopaids.org.br