Felipe Martins defendeu pesquisa para graduação em Serviço Social, do campus santista da Unifesp
Trazer à tona a importância do resgate da memória da participação da sociedade civil no enfrentamento da epidemia de HIV/Aids, tornou-se o objeto principal de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), defendido por Felipe Soares Martins, junto à Faculdade de Serviço Social, do campus santista da Universidade Federal de São Paulo. O estudo recebeu o título “A participação popular na luta contra a epidemia de HIV/Aids: O papel do Grupo de Apoio à Prevenção à Aids na Baixada Santista (1988-1993)” e teve apoio e reconhecimento da instituição.
“A intenção era mostrar o papel ativo que a população na conscientização e luta pelos direitos das pessoas vivendo com HIV/Aids, especialmente em um período marcado pelo estigma, pânico moral e exclusão social, que afetavam – e ainda afetam – as populações-chave”, diz o agora assistente social Felipe. Segundo ele, a ideia era destacar que há histórias de atores sociais que participaram dessa luta e que, muitas vezes, não são contadas ou acabam sendo esquecidas. “A mensagem que eu quis passar é a do valor dessas memórias e, ao mesmo tempo, instigar a curiosidade para que novas pesquisas sejam realizadas, mostrando outras histórias que também merecem ser lembradas”.
Embora Felipe não tenha vivenciado o auge da epidemia nos anos 1980, muitas questões daquela época persistem, como o estigma social, a falta de acesso universal a tratamentos – especialmente em regiões onde não há Centros de Testagem e Aconselhamento ou Serviços de Atenção Especializada – e as desigualdades no cuidado de populações mais vulneráveis. “Essas populações, muitas vezes pela falta de informação ou por sorofobia, incluindo a internalizada, não chegam às estratégias de cuidado em saúde”, comenta o pesquisador.
Durante um estágio que realizou, Felipe acompanhou um caso que refletia essa realidade, marcado pela desinformação e pelo preconceito em relação à convivência com o HIV. “Apesar dos avanços no tratamento antirretroviral, que permitem que pessoas vivendo com HIV atinjam a carga indetectável e, portanto, se tornem intransmissíveis, ainda existem barreiras para romper o estigma em torno do vírus”, explica. Essa experiência reforçou o interesse pelo tema e o desejo de atuar na saúde pública, contribuindo para a luta contra o preconceito e discriminação que acompanham o tema.
Na pesquisa, essa premissa ficou ainda mais clara em relação à sua determinação sobre o tema. “Como um homem gay, ouvi de pessoas próximas associações entre a minha orientação sexual e o vírus HIV, ligando-o à ideia de morte, numa visão ultrapassada e equivocada, que não diferencia o vírus HIV da Aids e ignora os avanços médicos. Essa estigmatização afetou pessoas que conheci ao longo da vida, algumas vivendo com HIV; pude ver de perto o impacto que a discriminação têm sobre suas vidas”, descreve o assistente social.
“Enquanto crescia e me entendia como um homem gay, senti a falta de referências e acolhimento, o que me levou a buscar respostas por meio dos estudos. Foi explorando a história do movimento LGBT+, que me deparei com a epidemia e seu profundo impacto nessas populações, usuários de drogas injetáveis, hemofílicos, haitianos e trabalhadores/as do sexo, todos historicamente marginalizados. A epidemia trouxe uma contradição: ao mesmo tempo que gerou estigmatização e discriminação contra populações mais vulneráveis ao HIV, também impulsionou – graças à pressão de movimentos sociais, grupos e ativistas – mudanças importantes nas políticas de saúde pública e direitos humanos”, salienta.
Durante mais de três meses Felipe Martins mergulhou nos arquivos do Gapa, buscando dados e situações que ilustrariam o TCC. Desde o 6º semestre da graduação em Serviço Social, quando cursava a disciplina eletiva de “Saúde LGBTI+: Cuidados Interdisciplinares”, ministrada pelo professor André Dalben (que na sequência se tornou o orientador da pesquisa), o tema foi se desenhando. Em uma das aulas, discutindo sobre o histórico da epidemia e a situação epidemiológica atual no Brasil, surgiu a ideia inicial de analisar as notícias, no passado e no presente, até chegar a um recorte que mantivesse o foco original.
“Foi nesse momento que meu orientador mencionou o Gapa e a história de Santos no enfrentamento da epidemia de HIV/Aids. Esse novo enfoque me interessou e, aos poucos, fomos moldando a pesquisa até chegarmos à proposta final: revisitar a memória da participação popular no combate à epidemia em Santos, por meio da imprensa periódica, com foco no trabalho da entidade, que até hoje atua na prevenção do HIV”.
Esse recorte abrange desde a fundação da entidade até o momento em que foi reconhecido como de utilidade pública. “O Gapa teve um papel ativo e de grande relevância nessa luta, sobretudo para a formulação de políticas públicas e conscientização da sociedade civil. Suas ações (como campanhas, oficinas e treinamentos) foram fundamentais para a ampliação do debate sobre a epidemia, assim como para reivindicar, alimentar e complementar as ações instituídas pela Prefeitura de Santos”, relata o TCC.
Ao mesmo tempo em que pesquisava, o então estudante também resgatava a própria memória da entidade, resultando em trabalho elogiado pela presidente Nanci Alonso: “Felipe realizou um trabalho muito bom, de extrema importância para nós e a sociedade. Nunca vi nada tão bem feito, que mostra fielmente a trajetória da entidade e sua prestação de serviços desde sempre, de fato um grande relato histórico do período retratado. O Gapa foi o grande articulador do noticiário; conseguimos fazer isso sensibilizando a imprensa e, assim, chamamos a comunidade para o enfrentamento da epidemia”, conclui Nanci.
Antonio Marques Fidalgo
Assessoria de Imprensa
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