“A violência é um problema de saúde pública”, defendeu a cientista social Fabiana Cristina Oliveira durante o VII Encontro Estadual de Mulheres Vivendo com HIV/Aids, nessa sexta-feira (14). Ela afirma que a violência também também acontece nos serviços de saúde, “quando buscamos ajuda e recebemos atitudes e comportamentos que nos colocam ainda mais para baixo, por exemplo. Quantas foram expostas à discriminação, constrangimento que causa sofrimento emocional? E o que dizer sobre a necessidade de ceder a uma relação sexual sob coerção pela necessidade de estar disponível para o parceiro, ou sobre a exposição a outras ISTs porque o parceiro se nega a usar o preservativo, mesmo o feminino? Quantas vezes fomos maltratadas nos postos de saúde? Quantas vezes a sorologia foi exposta?”, diz ao se referir às diferentes formas de violência que são relatadas pelas mulheres que vivem com HIV/aids.

Para Fabiana, a maioria das mulheres acabam não denunciando essas atitudes por acreditarem que não se trata de uma forma de violência. “Ou porque achamos que não temos o direito de fazer com que essas pessoas nos respeitem.”

A cientista social também destacou a ausência de dados sobre violência contra a mulher que vive com o vírus. “Nós temos que nos apropriar do conhecimento, entender o que são essas violências, como elas acontecem. Temos que buscar em nós o empoderamento, porque somente empoderadas nós vamos dar um basta em todas essas violências.”

Para a promotora de justiça Maria Gabriela Mansur, as mulheres não denunciam “porque tem medo de sair do padrão, de parecerem loucas.” Ela ressaltou a importância de não usar um discurso que possa enfraquecer a lei Maria da Penha. “Está enfraquecido não porque a lei é fraca, mas porque o sistema de justiça não aplica a lei corretamente”, disse ao explicar a relevância da existência de canais específicos para denúncias de violência contra mulher.

“Se as delegacias atuassem como devem, as medidas protetivas deviriam ser concedidas ali mesmo. Além disso, a fiscalização das protetivas não pode estar na mão da mulher. É papel da segurança pública.”

Para Maria Gabriela, o empoderamento econômico de mulheres é uma das saídas para a diminuição da violência doméstica. “Há aquelas que acabam voltando para o relacionamento, porque não tem dinheiro e não tem auto estima.” Nesse sentido, a ressocialização do agressor não se trata de passar a mão na cabeça desse homem. Mas sim, fazer com que, quando esse homem sair da cadeia, a mulher não correr riscos cada vez mais graves.

 

Violência contra mulheres transexuais

A Dra. Maria Amelia de Sousa Veras, do Núcleo de pesquisa em direitos humanos e saúde LGBT+, destacou a situação de violência e bem estar psicológico entre travestis e mulheres transexuais no estado de São Paulo. “Para mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais é quase impossível viver sem passar por algum tipo de violência, uma vez que essa começa dentro de casa.”

A médica exemplificou que a maior preocupação dos pais ao se fazer ultrassom de um feto, se trata de logo saber o sexo da criança. Isso faz com que os pais já comecem a decidir as roupas, a decoração do quarto e tomar uma série de decisões que correspondem ao sexo já supostamente definido. “Ou seja,  gente começa a conformar e estabelecer padrões de maneira cultural até mesmo antes do nascimento.”

“A sociedade é binária. Tudo o que vocês podem imaginar é pensando levando em consideração apenas esses dois modelos, o masculino e o feminino. Isso é subjetivo e ninguém manda nisso. Essa é uma matriz falha porque não há lugar para as outras possíveis combinações o que gera sofrimento e constitui uma das bases da violência.”

A chance de uma mulher transexual ser infectada pelo HIV é 49 vezes mais alta se comparada a uma mulher cisgênero. A médica também lembrou que 45% dos assassinatos de pessoas LGBT ocorrem entre pessoas trans. No entanto, esse número se trata de uma subnotificação, já que os familiares, ao registrarem a morte dessas pessoas, acabam formalizando com o sexo de nascimento e omitindo a informação sobre a transexualidade.

Baixa escolaridade, precárias condições de moradias, ausência de trabalho e baixa renda são resultados da violência física e psicológica sofrida por pessoas transexuais. Nesse sentido, Dra. Maria Amélia explica que a precariedade de moradias é o principal indicador da vulnerabilidade vivida por essa população.

 

Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)