Preocupados com possíveis retrocessos nas políticas de HIV e aids no país, um grupo de especialistas decidiu lançar, nessa quinta-feira (11), um manifesto com cobranças e recomendações ao ministério da Saúde. Elaborado pela Sociedade Paulista de Infectologia (SPI), o documento reconhece os avanços conquistados nos últimos anos no combate à epidemia: como a queda de quase 16% na taxa de detecção do HIV. Mas destaca fragilidades, como o avanço do vírus em meio a alguns recortes da população e entre os mais jovens. Cobra, também, a manutenção de políticas que se mostraram bem-sucedidas. De acordo com Eduardo de Medeiros, presidente da SPI, é importante que o governo ampare suas ações em evidências científicas, e não em questões morais:

“Por enquanto, é cedo para prever que rumos o ministério da Saúde deve tomar. Mas esse é um governo conservador. E tememos que isso possa representar algum retrocesso”, afirma Medeiros.

O texto foi elaborado durante evento realizado em fevereiro, no Instituto Emílio Ribas, em São Paulo. Participaram da discussão médicos, pesquisadores e ativistas. O clima geral, então, era de apreensão. Pouco antes, em novembro de 2018, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, dissera em entrevistas ter ressalvas quanto à condução das campanhas de prevenção contra o HIV. Ao Globo, Mandetta afirmou que “sexualidade deve ser discutida em casa” . A opinião do ministro contrariava o posicionamento de estudiosos da área:

“Questões sobre sexualidade e prevenção devem ser discutidas de maneira transparente com a população. Ou você corre o risco de não alcançar alguns públicos mais vulneráveis, como transexuais ou profissionais do sexo”, diz Medeiros.

Havia também o receio de que possíveis cortes orçamentários interferissem na política farmacêutica do ministério, e causassem problemas a programas considerados estratégicos: caso da profilaxia de pré-exposição (PrEP). Incorporada ao SUS em 2017, a Prep consiste em uma combinação de antirretrovirais que, se usados de maneira adequada, impede a infecção pelo vírus HIV.

Passados pouco mais de cem dias desde que Mandetta assumiu a pasta, Medeiros afirma que o ministério manteve a execução de políticas que já estavam em andamento nos anos anteriores. Mesmo assim, acumulou críticas: foi mal vista a desoneração, em janeiro, da diretora do Departamento de ISTs e hepatites virais, Adele Benzaken. E, durante o Carnaval, o ministério foi criticado por colocar nas ruas uma campanha de prevenção direcionada ao público masculino , sem menção à orientação sexual, e focada no uso do preservativo, ignorando outras estratégias de prevenção:

“Tivemos uma campanha, durante o Carnaval, que foi bastante modesta. Mas isso já vinha acontecendo: já há alguns anos, as campanhas estão muito aquém do que gostaríamos”, diz Medeiros.

No documento, a SPI destaca que, embora as taxas de detecção do HIV caiam em meio à população geral desde 2012, ainda é alto o número de gestantes e crianças que vivem com o vírus. Além disso, os avanços no combate à epidemia são desiguais no país: o número de novas infecções cai nos estados do sul e sudeste. Mas aumenta nas demais regiões.

Segundo a SPI, é importante que o ministério leve em consideração o perfil epidemiológico atual ao desenvolver políticas de prevenção e cuidado. Isso significa aumentar os esforços para atender populações vulneráveis, em meio às quais cresce a prevalência do HIV. São grupos como travestis, transexuais, homens que fazem sexo com homens e profissionais do sexo. Na opinião de ativistas, esses grupos estão sendo negligenciados pelo novo comando do ministério:

“Você não vê discussões sobre a necessidade de se priorizar essas populações. E não vê campanhas voltadas para discutir a sexualidade das mulheres, que estimulem o uso do preservativo feminino — diz Alessandra Nilo, coordenadora geral da ONG Gestos, que apoia pessoas que vivem com HIV.”

Ainda assim, membros da SPI dizem estar otimistas em relação à disposição do governo para ouvir especialistas e fazer ajustes:

“O nosso posicionamento, hoje, é o do diálogo. Como sociedade científica, queremos levar ao ministério as melhores evidências. Para que as ações da pasta se baseiem nelas”, diz o infectologista Evaldo Stanislau, da SPI.

Fonte: O Globo