18/07/2018 – Nas últimas décadas, os esforços globais de combate à aids alcançaram resultados positivos, como a redução do número de mortes relacionadas à síndrome e de novas infecções. Contudo, alerta relatório divulgado nesta quarta-feira pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), o ritmo é insuficiente para atingir metas estabelecidas para 2020. E cerca de 50 países estão retrocedendo, com aumento no número de novas infecções. No Leste Europeu e na Ásia Central os novos registros anuais dobraram e, no Oriente Médio e no Norte da África, cresceram em mais de um quarto nas últimas duas décadas.

“Nós estamos soando o alarme”, afirma Michel Sidibé, diretor executivo do Unaids. “Regiões inteiras estão ficando para trás, os ganhos enormes que fizemos com as crianças não estão sendo sustentados, as mulheres ainda são as mais afetadas, os recursos ainda não correspondem aos compromissos políticos e populações-chave continuam sendo ignoradas. Todos esses elementos estão impedindo o progresso e precisam ser resolvidos urgentemente.”

O relatório aponta que existem no mundo 36,9 milhões de pessoas vivendo com o HIV, sendo que 21,7 milhões possuem acesso a tratamentos. A ampliação do acesso às terapias antirretrovirais fez o número de mortes despencar para 940 mil, o menor número nesta década. O número de novas infecções caiu 18% nos últimos sete anos, de 2,2 milhões para 1,8 milhão em 2017. Apesar de o número ser praticamente a metade do pico de 1996, que registrou 3,4 milhões de novos casos, o ritmo é insuficiente para alcançar a meta de 500 mil novos casos em 2020.

O acesso a tratamentos também está sendo ampliado, mas alcançar o objetivo traçado para o fim da década requer mais esforços. Em apenas um ano, 2,3 milhões de pessoas passaram a receber os medicamentos. Cerca de 60% da população vivendo com HIV estava em tratamento no ano passado, mas para atingir a meta de 90% de cobertura em 2020 é preciso adicionar 2,8 milhões de pessoas anualmente, e não há indícios de que isso seja possível.

Os países da África Central e Ocidental merecem atenção especial: apenas 26% das crianças e 41% dos adultos infectados têm acesso a tratamentos, percentual baixo em comparação com os 59% das crianças e 66% dos adultos nas regiões Sul e Oriental do continente.

Entre as crianças, o número de novas infecções caiu apenas 8% nos últimos dois anos. Com pouco acesso a tratamentos, 110 mil crianças morreram em decorrência da aids e o número “inaceitável” de 180 mil crianças adquiriram o HIV durante o parto ou amamentação em 2017, muito acima da meta de 40 mil para o fim deste ano.

“Uma criança ser infectada com HIV ou uma criança morrer de aids já é muito”, afirmou Sidibé.

Parcelas da população mais afetadas

As populações-chave e seus parceiros respondem por 47% das novas infecções por HIV em todo o mundo, por isso, políticas específicas são eficazes para a rápida redução no avanço do vírus. De acordo com o relatório, homens que praticam sexo com outros homens têm 27 vezes mais chances de adquirirem o HIV, mulheres transgênero têm 12 vezes mais chances, entre usuários de drogas injetáveis as chances são 23 vezes maiores e, entre as trabalhadoras do sexo, 13 vezes.

Mas esses números variam de região a região. No Leste Europeu e Ásia Central, a maior preocupação é com o uso de drogas injetáveis, sobretudo na Rússia. Por isso, o governo mantém programas de redução de danos para usuários de drogas em 17 cidades e de distribuição de seringas descartáveis, mas, infelizmente, em escala limitada. Outros países da região, como Cazaquistão, Ucrânia e Bielorrússia, estão ampliando os programas de redução de danos, com impacto no número de novas infecções.

Na América Latina, os homens gays são as principais vítimas do vírus, respondendo por 41% das novas infecções. A oferta da profilaxia pré-exposição (PrEP, na sigla em inglês) — o uso de antirretrovirais orais para reduzir o risco de infecção — pode reforçar os esforços de contenção do vírus. O Brasil lançou programa de distribuição gratuita do medicamento no ano passado, o primeiro da região, que ganhou destaque no relatório do Unaids.

Violência contra as mulheres

Outra preocupação é com a violência contra das mulheres. No ano passado, 6.600 jovens, entre 15 e 24 anos, foram infectadas pelo HIV a cada semana. Entre as novas infecções em adultos registradas em 2017, 58% foram em mulheres. E essa vulnerabilidade, aponta o relatório, está relacionada com a violência. No mundo, mais de uma em cada três mulheres já foram vítima de violência física e sexual, muitas vezes cometidas pelos próprios parceiros.

“A desigualdade, a falta de empoderamento e a violência contra as mulheres são violações dos direitos humanos e continuam alimentando novas infecções por HIV”, afirmou Sidibé. “Nós não devemos abandonas nossos esforços para acabar com o assédio, o abuso e a violência, seja em casa, nas comunidades ou no trabalho.”

A meta das Nações Unidas é eliminar a epidemia de aids até 2030 e, para isso, foi ajustada a agenda 90-90-90, que prevê, para 2020, que 90% das pessoas vivendo com HIV sejam diagnosticadas; e destas, 90% estejam em tratamento; e destas, 90% tenham a carga viral indetectável. O relatório indica que, no ano passado, 75% das pessoas com HIV tinham o diagnóstico, destas, 79% tinham acesso a tratamento e, destas, 81% suprimiram a carga viral. Seis países — Botsuana, Camboja, Dinamarca, Holanda, Namíbia e Suazilândia — já alcançaram a meta, e outras sete estão próximas.

Desde o início da epidemia da aids, mais de 77 milhões de pessoas foram infectadas pelo HIV, e quase metade delas, 35,4 milhões, morreram de aids.

“A aids está longe do fim”, afirmou Linda-Gail Bekker, presidente da ONG International Aids Society, à agência Reuters. “Nós não podemos nos parabenizar sobre o progresso global até que ele seja compartilhado por todos.”