Desde o início da epidemia de aids no mundo, fala-se extensamente sobre a utilização do preservativo em relações sexuais. Durante quase três décadas o enfoque preventivo em relação à transmissão do vírus se deu basicamente dessa forma. Todavia, nos últimos anos vêm se falando de outras formas de abordagem preventivas quando falamos de HIV, infecções sexualmente transmissíveis – as ISTs – e hepatites virais.

O conceito de prevenção combinada vem para ampliar o conceito de prevenção, focado apenas no uso do preservativo, e entender que outras práticas em saúde ajudam a frear a epidemia de HIV. Sabemos que a camisinha é o principal método de precaução contra a infecção que, idealmente, todos deveriam usá-la.

Todavia, o ideal nunca é, e nem será o real. As pessoas agem e pensam de maneiras diversas, além de estarem expostas a graus diferentes de vulnerabilidade que podem levá-las a não conseguir utilizar o método. Além disso, existe o “cansaço” da camisinha: pessoas que não querem mais usá-la simplesmente pela questão do prazer.

Num primeiro momento, um olhar moralizante pode tomar conta das pessoas e pensamentos como “isso é loucura” ou “ele está arriscando a própria vida” podem vir à cabeça. E é justamente sobre isso que precisamos falar quando vamos abordar a prevenção.

Falar de prevenção é, antes de mais nada, acolher e aconselhar. Em um atendimento voltado à prevenção, o profissional deve estar preparado para acolher o indivíduo, entender o momento de vida e a situação social da pessoa e, a partir daí, traçar estratégias de prevenção individualizadas. Ou seja, combinar com essa pessoa a melhor maneira dela se prevenir. O modelo nunca deve e nem deverá ser autoritário, baseado em frases prescritivas como “você tem que usar camisinha”. A pessoa que deseja prevenir-se pode fazer da maneira que conseguir e achar mais adequada para seu modo de vida.

Mas quais outras formas que temos para nos prevenir do HIV?

Para falar de prevenção combinada, podemos sintetizar as ações no modelo utilizado pelo Ministério da Saúde: a mandala da prevenção combinada. Ela nos mostra de maneira didática todos os cenários em que podemos atuar para prevenir a transmissão do HIV. Resumidamente as informações sobre cada um deles:

Uso de camisinha masculina, feminina e gel lubrificante

A camisinha de fato é o método mais seguro na prevenção do HIV, bem como outras ISTs e hepatites. Além disso, é um método contraceptivo. As camisinhas, tanto masculina como feminina, estão disponíveis em unidades de saúde do SUS para o usuário pegar gratuitamente. É importante o acesso a esse método barato, além de expandi-lo para além dos serviços de saúde, como colégios, universidades, bares e casas noturnas.

Além das camisinhas, o gel lubrificante é muito importante, pois facilita a penetração por diminuir o atrito e evita as microfissuras na mucosa do ânus, vagina ou pênis. Sabemos que tais fissuras são porta de entrada para microrganismos responsáveis pelas ISTs, além do HIV.

Tratamento do HIV como prevenção

É comprovado cientificamente que o tratamento da pessoa que vive com HIV leva o vírus a ficar indetectável no sangue, bem como no sêmen. O vírus fica confinado em certos órgãos considerados santuários do HIV no nosso corpo, porém não circula na corrente sanguínea. Por isso, a pessoas com HIV deve ser prontamente oferecida a terapia antirretroviral. Com ela, além da pessoa sentir-se mais disposta, com mais apetite, há aumento na expectativa de vida e a pessoa não transmite o HIV.

Testagem de HIV, ISTs e hepatites virais

A testagem periódica para HIV, ISTs e hepatites é muito importante. A partir dela, o indivíduo pode acessar o sistema de saúde de maneira precoce e iniciar tratamentos a fim de que sua qualidade de vida melhore, bem como evitar a transmissão para outras pessoas.

Tratamento precoce de ISTs e hepatites virais

Estar com uma IST facilita a infecção pelo HIV. Por isso, é muito importante o tratamento precoce delas, além do tratamento de hepatite C e o acompanhamento nos casos de hepatite B. As hepatites, quando em associação com HIV, tem evolução pior. Nesses indivíduos, o teste de HIV deve ser oferecido periodicamente bem como as estratégias de prevenção.

Profilaxia pós-exposição

Em caso de relações sexuais desprotegidas, o SUS disponibiliza a profilaxia pós-exposição: trata-se de 03 remédios para prevenir a infecção pelo HIV (os mesmos remédios utilizados na primeira linha de tratamento de pessoas vivendo com HIV). A pessoa exposta tem até 72h da exposição para procurar um serviço e pegar a medicação. É ainda um momento onde todos os testes para outras IST são realizados, ampliando ainda o cuidado à saúde dessa pessoa.

Profilaxia pré-exposição

A profilaxia pré-exposição, apelidada de PrEP, foi introduzida no Brasil pelo SUS em 2017. Trata-se da tomada de duas medicações para prevenir a infecção pelo HIV. É uma medida que, além de ser indicada principalmente a populações com graus maiores de vulnerabilidade, vincula a pessoa ao serviço de saúde, propiciando a abordagem de outras questões além da infecção pelo HIV.

Transmissão vertical

A atenção pré-natal é, muitas vezes, a porta de entrada da mulher no SUS. Esse momento é extremamente importante, pois além de ser uma oportunidade de diagnóstico de algumas doenças na mulher, é crucial para evitar a transmissão de doenças mãe para filho, como HIV, sífilis e hepatite B. O tratamento da infecção pelo HIV durante a gestação é eficaz no controle da transmissão vertical. Além disso, é importante a investigação de outras IST, como sífilis, e hepatites, em especial a hepatite B.

O pré-natal também é uma oportunidade de vincular a parceria sexual da gestante, oferecer a essa pessoa ferramentas preventivas e orientar na realização dos testes de HIV, ISTs e hepatites.

Imunização contra Hepatite B e HPV

Vacinar é sempre a melhor maneira de prevenir infecções. Idealmente todas as doenças infecciosas deveriam dispor de vacinas, porém muitas vezes isso é difícil e muito custoso. Logo, é importante que todas as pessoas estejam vacinadas contra as doenças que tenham vacinas disponíveis. No caso da hepatite B e do HPV, isso é ainda mais importante no contexto de prevenção do HIV, pois essas doenças facilitam a entrada do HIV no organismo, bem como tem a evolução pior no caso de co-infecção.

Redução de danos

A estratégia de redução de danos é muito conhecida mundialmente, com resultados exitosos em diversos estudos. A partir de uma análise compreensiva da dependência química, estabeleceram-se estratégias para reduzir chances de infecção por hepatites e HIV. Disponibilização de kits com seringas e agulhas individuais para usuários de drogas injetáveis, por exemplo, ou para pessoas trans que injetem hormônios ou silicones industriais. É uma estratégia que promove segurança àquela pessoa e um cuidado que passa pelo entendimento de limites humanos e autonomia.

É importante lembrar, com muita tristeza e revolta, o retrocesso nas políticas públicas voltadas à redução de danos. Desde o início do governo Bolsonaro, esteve na agenda o desmantelamento do programa de redução de danos, assumindo uma política pública de caráter punitivo e não compreensiva. A retirada das cadeiras técnicas do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) põe ainda mais em risco a perda da dessa linha de cuidado à saúde, bem como escancara uma política extremamente autoritária e punitiva imposta atualmente.

Prevenção do HIV não é só camisinha. Deve passar por ela, mas não se encerra nela. Prevenção de HIV é conversa, entendimento de mundo, transparência e evidência científica. É mostrar de maneira técnica, sem tabus, as opções que a pessoa tem para manter seu estado de saúde. É acolher e entender os diferentes prismas das pessoas. É uma parceria. Prevenção, quando é combinada, dá sempre mais certo!

Fonte: Por Pedro Campana / Carta Capital