A adoção de uma plataforma de gestão por planos de saúde, hospitais e pelo SUS de Belo Horizonte (MG) tem levado à redução de desperdícios e melhorado a qualidade do cuidado ao paciente.

A mudança, que envolve o uso de algoritmos e inteligência artificial, também tem possibilitado que serviços e médicos sejam remunerados de acordo com o desempenho. Quanto maior for a eficiência, mais recursos recebem.

Chamada de DRG (Diagnosis Related Groups), a ferramenta é usada nos EUA e na Europa desde a década de 1980. Ela faz cruzamento de dados assistenciais e econômicos e possibilita prever e comparar custos e resultados com os de outras instituições.

O modelo foi adaptado para o Brasil em 2011. Desde então, é usado também para diagnosticar falhas de processos e desperdícios nos hospitais.

Um estudo do grupo IAG Saúde, que adaptou o DRG para o país, mostra que essas falhas levaram, no período de 12 meses, a 679 mil diárias hospitalares que poderiam ter sido evitadas—equivalem a 37,7% do total de diárias usadas pela população estudada.

O trabalho, apresentado em encontro nacional de usuários da plataforma na capital mineira, envolveu a análise do banco de dados de 129 operadoras, com 10,6 milhões de beneficiários—que respondem por 21% do mercado de saúde suplementar, e do SUS de Belo Horizonte, com 4,73 milhões de pessoas.

Internações evitáveis decorrem, por exemplo, de uma assistência inadequada na atenção primária (pneumonia e anemia não tratadas adequadamente, por exemplo), de eventos adversos dentro do hospital (infecções, queda do leito) e de complicações que levaram à reinternação por problema ligado à internação anterior ou até cirurgias que podem ser feitas no ambulatório, com alta no mesmo dia.

A partir do DRG, os sistemas de saúde iniciaram mudanças para melhorar a eficiência, o que no jargão da saúde é chamado de entrega de valor.

“É um caminho inexorável para quem quiser fazer medicina bem feita e sustentável. O mundo todo segue esse caminho. O Brasil era uma exceção por um limite no sistema de códigos”, afirma Renato Couto, presidente do IAG Brasil.

Em Belo Horizonte, a Secretaria Municipal da Saúde começou a implantar o DRG a partir de 2017 em sete dos 28 hospitais da rede. São 3.000 leitos, que respondem por metade das internações da capital mineira (150 mil por ano).

Segundo Lorena Furbino Magalhães Gomes, gestora -executiva do projeto DRG Brasil na Prefeitura de Belo Horizonte, no primeiro ano houve uma redução da oferta dos leitos do SUS em 1,17%, mas, com o controle do desperdício pela melhoria da qualidade assistencial, foi possível internar mais 20,4 mil pacientes no ano, 170 por mês.

“A eficiência melhorou muito. O controle do desperdício foi equivalente à construção de um hospital de 250 leitos.”

Entre as falhas, houve caso de paciente ocupando um leito por quatro dias à espera de cirurgia. “Ele foi internado numa sexta-feira, mas o especialista só faria a cirurgia na terça”, conta Gomes.

Outros exemplos de situações que emperravam o giro de leitos incluem o caso de um morador de rua que poderia ter tido alta, mas não tinha para onde ir e o de paciente que poderia ter ido para casa se tivesse acompanhamento de medicação. “Virou um diagnóstico para a rede e para o próprio hospital do que é possível melhorar”, diz a gestora.

No início, a resistência nos hospitais foi grande. “Quando eles se convenceram de que o foco é melhorar a assistência para o paciente, se engajaram. É uma mudança de cultura.”

Os gestores diagnosticaram gargalos na atenção primária que levavam às internações evitáveis como infecção urinária e doenças respiratórias. Foram revistos protocolos, trocando antibióticos prescritos por outros mais eficazes.

Os novos contratos da prefeitura com os hospitais já estão atrelados a indicadores de eficiência. “Eles têm que reduzir ineficiência a cada seis meses para poder receber os incentivos”, diz Lorena Gomes.

Entre as operadoras de saúde, a Unimed de Belo Horizonte iniciou há 15 anos um programa que, entre outras coisas, previa que os hospitais que estruturassem seus sistemas de gestão por normas nacionais e internacionais de gestão da qualidade poderiam ter aumento de até 15% do valor da diária.

Segundo José Augusto Ferreira, diretor de provimento da operadora, há três anos a rede hospitalar passou a contar com uma bonificação de 3% da receita bruta anual baseada no alcance de metas, entre elas o desempenho assistencial baseado no DRG Brasil.

Parte da remuneração (20%) dos médicos cooperados também é variável, baseada na melhoria de indicadores de qualidade, como satisfação do paciente, a adesão dos médicos a treinamento e protocolos e resolutividade (taxas de internação e de idas desnecessárias ao pronto-socorro).

Ferreira diz que esse esforço coletivo tem controlado os desperdícios e permitido a oferta planos acessíveis à população, com queda de sinistralidade. Uma pessoa entre 30 e 40 anos paga pelo plano empresarial (a partir de três vidas) uma mensalidade que varia de R$ 167 a R$ 194 mais a coparticipação.

De 2014 a 2019, a Unimed-BH diminuiu em 3% a sinistralidade—no mesmo período, no setor suplementar houve aumento de cerca de 17%.

A operadora também oferece terapias além das previstos no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), como troca de válvula cardíaca por cateterismo (TAVI).

“Diminuiu em 37% a mortalidade quando é comparado à cirurgia cardíaca aberta. Números assim mostram que a sustentabilidade nasce da entrega de valor em saúde.”

Na Unimed de Volta Redonda (Rio), a adoção do DRG em 2015 levou a um aumento de 30% da eficiência operacional pela melhoria de resultados assistenciais e processos.

Neste ano, em parceria com o IAG Saúde, passou a adotar uma “calculadora de valor”, que, com base em indicadores assistenciais bem precisos, gera um índice que será usado para calcular parte da remuneração médica, segundo a gestora Isis Lassarote.

“A gente mede a entrega de valor ao paciente. Se foi de 80%, ele vai receber 80%.”

Desde 2017, a Unimed de Goiânia (GO), com 108 hospitais na rede, tem adotado mudanças de processos.

Hoje os serviços podem receber até 5% a mais no valor das diárias de acordo com o nível de segurança assistencial.

No período, a população atendida se manteve estável, mas houve queda de 18.882 dias de uso de leito hospitalar, uma redução de 51% do desperdício, diz Maria Conceição Queiroz, gestora do programa DRG da Unimed Goiânia.

“Não tem cabimento um paciente que está bem, andando, ficar internado 20 dias para tomar antibiótico. Você entra na UTI e vê paciente sentado na cama, comendo.”

No hospital dos fornecedores de cana de Piracicaba (SP), o DRG reduziu a internação de pacientes com fratura de fêmur de seis dias para dois dias e meio, por exemplo.
Miki Mochizuki, diretor técnico do hospital, diz que no início houve resistência dos médicos, mas, quando começaram a receber avaliações que comparavam o seu desempenho em relação aos do grupo e ao restante do Brasil, a postura começou a mudar.

“Tem médico que diz: ‘meu tempo de internação é baixo’. Com base no DRG, eu mostro para eles: ‘sim, você dá alta mais cedo, porém, seus pacientes voltam mais [são reinternados com mais frequência por complicações]’.”

ESTUDO APONTA DESPERDÍCIOS

9,07% das internações seriam evitadas com atenção primária à saúde mais eficiente

5,33% das diárias seriam poupadas se fossem reduzidas as reinternações por complicações ocorridas no hospital

5,32% com aumento da segurança assistencial e redução de eventos adversos

16,79% com aumento da eficiência no uso do leito hospitalar

1,19% com a realização de mais cirurgias ambulatoriais